A Coleção Fortuna Crítica, que incendiou a vida acadêmica

Todos nós, paraibanos trabalhando com literatura ou admiradores da poesia, temos uma paixão: Augusto dos Anjos. Estamos vivendo mais uma efeméride. Sua obra EU é um clássico a remexer conosco que, quando a lemos, sempre encontramos uma porta secreta dando para um porão ou uma escadaria para um minarete. O Evangelho da Podridão, do professor Chico Viana, foi um encontro para nós que, além de amantes de Augusto, também nos iniciávamos nos cursos de Letras. Todavia, o grande achado daqueles tempos foi o Volume 10 da Coleção De Literatura Brasileira editada pelo Instituto Nacional do Livro, em 1973, com o título: Augusto dos Anjos – Textos Críticos, reunindo em 370 páginas muito do que havia sido escrito sobre o poeta do Rio Paraíba.


Não só pela quantidade de olhares sobre Augusto: indo de Antonio Houaiss e Francisco de Assis Barbosa a Elbio Spencer passando por Órris Soares, Antonio Torres, Lêdo Ivo, M. Cavalcanti Proença. São 30 textos críticos sobre o “poeta da morte” ou o “poeta científico”. Foi aí que conheci e fiquei fascinado por Anatol Rosenfeld com seu ensaio A Costela de Prata de Augusto dos Anjos, um título contístico parecendo ter sido retirado de Poe, pela agressividade lírica. Como sempre gostei do livro em si, do livro como objeto construído, com realizadores e trabalhadores braçais, observei que os responsáveis por esse volume, pela coletânea, foram Afranio Coutinho e Sonia Brayner, dois gladiadores das nossas letras, pioneiros. Acredito que dessa parceria nasceu logo depois, em 1975, a Coleção Fortuna Crítica, reunindo os textos críticos sobre diversos autores nacionais. 

A Coleção Fortuna Crítica foi uma publicação primeiro da editora Civilização Brasileira, dirigida por Ênio Silveira, o visionário arquiteto de um Brasil integrado às letras universais, depois numa parceria com o MEC e o último número, o sétimo, com a Fundação Espaço Cultural da Paraíba. Sônia Brayner encarregou-se de preparar quatro volumes: 1, Carlos Drummond de Andrade; 2, Graciliano Ramos; 3, Cassiano Ricardo e 5, Manuel Bandeira; Afranio Coutinho organizou o 4, Cruz e Souza; Eduardo F. Coutinho preparou o 6, Guimarães Rosa e, junto com Ângela Bezerra de Castro, o 7, José LIns do Rego. A direção geral foi sempre de Afranio Coutinho. Talvez toda essa coleção tenha tido sua gênese no volume sobre Augusto dos Anjos, como já apontei. Ou seja, o poeta do EU foi também o embrião para nós da possibilidade de obter a reunião crítica sobre vários formadores de nossa literatura.

Nessa semana que está se passando resolvi dar uma faxina geral no meu gabinete de trabalho, meu ateliê, e encontrei a coleção completa. Me acompanha desde a época da graduação. Lembro do último volume adquirido: Guimarães Rosa. Vivíamos, no início da década de 90, uma redescoberta das coisas roseanas e o termo “terceira margem” estava se consolidando na alternativa, quase utópica, do que se chamava “não-lugar”, “movência”, etc. A Hora E Vez de Augusto Matraga regia nossos sonhos com Ulisses. Conversávamos muito sobre esse conto com Arturo Gouveia e Romero Venâncio e Abrahão Costa Andrade. O volume sexto da Coleção Fortuna Crítica nos amparou como um muro de arrimo. Vivemos uns tempos esquisitos em termos de pensamento crítico e universidade como território do saber. A superficialidade é uma marca deste tempo. Nossa geração passou pelo fogo. Hoje, os livros são jogados ao fogo. A Coleção Fortuna Crítica colocou combustível em nossa vida acadêmica.

Redação

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