Brasilidade: um pouco de Millôr Fernandes

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do Observatório da Imprensa

A morte e a morte de Millôr

Por José Castello

publicado em 03/04/2012 na edição 688

A morte de Millôr Fernandes, na noite de terça-feira (27/03), no Rio, põe em dúvida a própria noção de morte. Millôr, que tinha 88 anos, foi, sem dúvida, um homem de seu tempo, que viveu aferrado ao presente e à força, nem sempre doce, das circunstâncias.

Nos anos 1930, não tinha nem 10 anos de idade quando fez sua estreia como desenhista, publicando uma charge no O Jornal, do Rio. Em 1965, já em plena ditadura militar, e desafiando os valores dominantes, escreveu com Flávio Rangel a célebre peça Liberdade, Liberdade, que incomodou e desafiou os adeptos do regime. Em 1985, pela editora L&PM, de Porto Alegre, começou a publicar o Diário da Nova República, que lhe rendeu três volumes, o último de 1988. Em 1992, em parceria com Luis Fernando Verissimo e Jô Soares, dialogando com um mal-estar nacional, publicou Humor nos Tempos do Collor. Oito anos depois, em pleno ano 2000, e acompanhando os avanços tecnológicos acelerados, lançou o site Millôr On-Line. O tempo nunca o constrangeu ou intimidou. Ao contrário, foi seu aliado.

Desafiou ditadores, assim como presidentes legitimamente eleitos, com suas críticas duras, embora temperadas por um humor inteligente. Fez do humor não só um instrumento de riso, mas de crítica de seu tempo e, mais ainda, de exercício do bem pensar.

Não gostava de dar entrevistas

Sempre que necessário, porém, Millôr soube ignorar o tempo e suas férreas leis. Por muitos anos, dando um salto para trás rumo ao século 16, dedicou-se à tradução das obras de William Shakespeare. Não se deixou regular pela noção de época: traduziu desde o teatro engajado do alemão Bertolt Brecht, do século 20, às comédias francesas de Molière, do século 17, retornando ao século 20 para reencontrar-se com o teatro do nova-iorquino Tennessee Williams. Saltou mais para trás ainda, de volta ao século 5 a.C., para traduzir as peças de Sófocles. Foi o tradutor, ao todo, de 74 peças de teatro. O teatro foi sua máquina do tempo.

Como jornalista, que militou, entre outros, em A Cigarra, O Cruzeiro, O Pasquim e o Jornal do Brasil, aprendeu, provavelmente, que o tempo, mais que uma coerção, é uma condição da liberdade. Podemos pensar, então, se sua morte, agora, não se encadeia nessa série interminável de libertações. Podemos nos perguntar, até, se ela não é uma invenção de Millôr Fernandes – mais uma.

Durante muito tempo – apontando sua paixão pelos grandes pintores – adotou o pseudônimo de Vão Gôgo, que só abandonaria, em definitivo, em 1962. Não se tratava de um esconderijo, ao contrário, a máscara do nome era um sinal de seu apreço desmedido pela liberdade. Sob pseudônimo, podia ser qualquer um – e, nesse aspecto, podemos pensar que Millôr foi, também, uma espécie discreta de ator. Um homem que fez do mundo seu palco e nunca se esquivou, mesmo em tempos difíceis, quando o chamaram para subir à cena.

Elevou o humor à categoria de arte refinada quando, em 1957, ganhou uma exposição individual no Museu de Arte Moderna do Rio. Embaralhou valores, distorceu preconceitos, perfurou certezas, nunca permitindo que sua arte fosse enjaulada em um clichê. Talvez por isso, por temer a força das manchetes, mesmo se orgulhando da profissão de jornalista, não gostava de dar entrevistas.

Valores universais

Ao explodir a ideia de tempo, a obra de Millôr danifica, também, a noção de morte. Afinal, em que século viveu Millôr Fernandes? A que século ele, de fato, pertenceu? Onde sua obra, de fato, se inicia e onde ela se conclui?

Conta-se que foi um dos inventores do frescobol, um esporte típico das praias brasileiras e dos temperamentos livres, no qual – noção que muito apreciava – não existem vencidos ou vencedores. Esteve nas origens da televisão ao apresentar, na TV Excelsior, o quadro “Lições de um Ignorante” – que foi censurado em plenos anos dourados e livres da era JK. Quando a censura política prendeu os principais articulistas do semanário O Pasquim, censurou-a, desdobrando-a como ghost writer dos companheiros detidos. Teve, assim, uma visão premonitória da “morte do autor”, que hoje parece consumada nos sites da internet.

Millôr, homem de seu tempo, mas também homem além do tempo. Escreveu poesia, flertou com as artes visuais, incomodou com suas ideias políticas, disse sempre o que pensou. Tudo isso em nome de valores universais, que o antecederam no tempo seco dos relógios, mas não no trânsito ilógico das paixões.

Foi um homem que se entregou à vida com a voracidade dos que cultivam a consciência da morte. Morreu não para desaparecer, mas para se afirmar como um artista vivo.

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed688_a_morte_e_a_morte_de_millor

Redação

11 Comentários

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    1. Sinto muito

      Elogiava-se Millor vivo. E muito. O dito cujo é que não aparecia muito. Se viu oos vídeos, não gostava de ser popular (ou não fazia questão).

      E aproveitando, se o Mainard gostar de Machado, Cervantes, Suassuna, é para achar ruim?

    2. Diogo Mainard adora o Millor

      Fico imaginando o texto do Millor sobra a Dilma,poste do Lula,Uma estranha no ninho,porque nao é politica de origem,nos padroes brasileiros.Eleita em dois  turnos contra todos os meios de comunicaçao do Brasil,contra mais de 20 partidos politicos coligados/agrupados.Com apenas dois meses de governo no segundo mandato,com o PIB das empreiteiras na cadeia,enquanto o pib da comunicaçao,a quadrilha confundida com cartel.Solicita uma cassaçao de madato porque querem que os presos prendam o delegado.O juiz e a presidenta. A dona globo prova que o rabo balança o cachorro e a carroça puxa o burro.Continuo em duvida ,quem é mais vigarista? O pagador do dizimo querendo o pedgio para o reino dos ceus ou o pastor vendedor. A corrupçao nao tem sexo e os anjos tambem não. Saindo a Petrobras do noticiario quando aparecer um personagem do TUCANISTAO,teremos outro escandalo e o odio ao PT vai mostrando o caminho das ìndias,vamos assim descobrindo o Brasil e os brasileiros que torcem/distorcem para partidos como se fosse o peladeiro da esquina louco para ficar bebado na mesa de boteco onde argumenta e prova ser capaz de consertar o mundo e os imundos.

  1. “Em 1992, em parceria com

    “Em 1992, em parceria com Luis Fernando Verissimo e Jô Soares, dialogando com um mal-estar nacional, publicou Humor nos Tempos do Collor.”

    A começar pelo título, uma paródia ao do romance de Gabriel García Márquez, uma prova de que se pode fazer humor oposicionista com inteligência.

    Tenho um amigo que votou em Aécio que, volta e meia, me mostra no celular vídeos do “humorista” Gustavo Mendes. O rapaz se notabilizou fazendo na Globo a imitação da presidenta da repúbilca. Ganha bastante grana usando a imagem de Dilma, é quase um “gigolô” da imagem de Dilma.

    No último, um esquete sobre as “manifestações” programadas para o dia 15/03, evento em que golpistas tentarão conquistar na marra o que perderam nas urnas. Consta inclusive que um diretor global, Eric Bretas, já confirmou presença. Pois bem, o moço na peça de “humor”, entre palavrões(deve ser para conquistar adolescentes imbecilizados) insinua que os artistas que apoiaram Dilma, o fizeram em troca de verbas do ministério da cultura. Chama Chico Buarque de “FDP”.

    Detalhe, para sacanear os eleitores de Dilma, diz que estes não irão a micareta oposicionista porque ficarão vendo tv. Aí, pejorativamente, lista uma série de programas, Pânico, Celso Portiolli, Silvio Luis( a quem chama de mala) e por aí vai. Nem uma citação a programas da Globo, talvez, por acreditar que os “inteligentíssimos” eleitores da oposição, ou não assistem tv, ou são fãs de Luciano Hulk, Faustão, Angélia Xuxa, BBB e outras nulidades.

    Na verdade, está na cara,  que o “engajado” “humorista”(ou seria imitador) não quis se indispor com seus patrões. Sabe que, tal qual os jornalistas da casa, puxação de saco é o melhor caminho para se manter no emprego

  2. Não se deve omitir informações relevantes.

    Conheci o Millôr ainda menino quando havia o “O Cruzeiro”. Vim apreciá-lo depois no Pasquim e não perdi mais. 

    Mas sinceramente, não deviam omitir que teve uma página durante anos na Veja. Era ótima da mesma maneira.

    1. Ou seja…

      … na era fhc e para o picolé de chuchu só dá armazém de secos e molhados, mesmo que para o último os tempos atuais sejam secos, o armazém esconde e vende como molhados.

  3. Millor é fabuloso. Embora com

    Millor é fabuloso. Embora com razoáveis traços de direita, assim como Nelson Rodrigues, é fabuloso. Crítico de injustiças, defensor da liberdade de pensamento, genial como humorista e irritantemente perfeccionista com a linguagem. Gênio. Os sectários que se contentam com as cartilhas ideológicas não sabem o que estão perdendo. Liberdade é outra palavra que o define, e que defendo com unhas e dentes  para meu pensamento.

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