Debate: BNDES E O Falso Capitalismo De Compadrio

BNDES É “CAPITALISMO DE COMPADRIO”? ISSO É BIRRA DE QUEM NÃO ENTENDE O CAPITALISMO

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https://www.youtube.com/watch?v=QEB8mJ5uDJw]

 

“Capitalismo de Compadrio” ou “Meta Capitalismo” são termos inventados por aqueles que acreditam ser possível um capitalismo de livre mercado puro, algo que nunca existiu na história desse sistema.

ECONOMIA
Por Marcelo Uchôa  Em 2 de jun de 2017
 

“A verdade é como poesia. E a maioria das pessoas odeia poesia.” (A Grande Aposta)

É inegável que a política econômica adotada nos governos do PT não foi capaz de enfrentar a crescente desindustrialização vivida no Brasil, por diversos equívocos macroeconômicos… Aliado a isso, a recessão, iniciada em 2014, gerou uma diminuição brusca na arrecadação do país, e consequentemente elevou a dívida pública (leia mais sobre isso aqui).

Com isso, alguns economistas, em sua maioria de mercado, depois de culparem o aumento do gasto público como responsável pela crise, passaram a tratar da elevação na política de crédito direcionado do BNDES – sobretudo entre 2008 e 2014 –, como algo enganoso, ou até mesmo exclusivo do Brasil, alegando que, com essa política, foi despejado muito dinheiro em vão e que não gerou investimentos.



De fato, o aumento dos subsídios gerou um aumento da despesa total – que impulsionou os argumentos de que houve descontrole de gastos por parte do governo. Inclusive, como mostrou um relatório publicado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), houve baixo crescimento do investimento público durante os governos Dilma, tendo crescido apenas os subsídios e as isenções fiscais [1].

A participação do Banco Nacional na economia é frequentemente adjetivada como “Capitalismo de Compadres”, sobretudo no que condiz aos subsídios dados a grandes empresas nacionais.
Contudo, faz-se necessário analisar se a política de subsídios, assim como o seu tamanho, é uma “jabuticaba” (particularidade) brasileira, ou se encontra parâmetro em outros países.

Daremos ênfase a algumas questões citadas com frequência acerca da atuação do Banco estatal: tamanho da carteira – ou nível de participação do BNDES nos fundos de empréstimos, em comparação com outros Bancos Nacionais –, relação desses bancos – e do BNDES – com grandes empresas e a política de juros. Além disso, faremos um breve apanhado histórico, mostrando alguns exemplos de empresas, brasileiras ou não, que tiveram participação direta do Estado durante o processo de crescimento.

De início, cabe analisar os níveis de financiamento de alguns Bancos Nacionais. Mesmo que o BNDES apareça com um grau de ativos maior, a carteira (ou a taxa real de empréstimos) aparece menor ou semelhante a de outros bancos, comprovando que não há jabuticaba: a participação do BNDES na economia brasileira segue uma tendência mundial, que é de extrema importância para o desenvolvimento. Vale ressaltar que o aumento dos subsídios, sobretudo durante e após a crise de 2008, também fez parte das ações de enfrentamento à crise nos países considerados no relatório, tais como Brasil, China, Alemanha e Coreia do Sul.

Todos esses países adotaram uma política econômica anticíclica – que consiste em um conjunto de ações governamentais voltadas a manter ou reativar a atividade econômica em um ambiente recessivo, geralmente defendida por economistas keynesianos e/ou desenvolvimentistas. [2]

É bem verdade que, em relação ao PIB, o estoque total de créditos e ativos do BNDES é maior se comparado a de outros Bancos (21%), porém, isso ocorre por conta do baixo volume de crédito do país. Em relação ao PIB, o volume total de crédito, contando setor privado e público, é de 56% do PIB, e passando de 100% nos países desenvolvidos, fruto de longos períodos de juros elevados, que decorre de problemas antigos com balanço de pagamentos, resultando na volatilidade do câmbio, e do elevado grau de indexação que compromete a eficácia da política monetária, que obriga o BC a elevar a taxa de juros de forma significativa para obter alguma influência no controle da inflação.

Podemos incluir também o fato de o BC computar produtos sazonais – agrícolas, mensalidades escolares, tarifas de transportes coletivos etc. – no índice que define a meta [3]. Além disso, a participação do BNDES no fluxo de financiamentos é baixa (cerca de 3% a.a.), mostrando que o banco não intervém de maneira significativa na demanda agregada, pois o crédito é de longo prazo (8 anos em média). Trataremos mais dos juros no decorrer do texto.

“Capitalismo de compadrio” como política estratégica no Brasil e no Mundo

No Brasil, um exemplo de grande empresa que não existiria sem o Estado é a Embraer,
fabricante de aviões comerciais, executivos, agrícolas e militares, que está entre as três principais
fabricantes de jatos comerciais do mundo. Criada pelos militares, através do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), com o intuito de desenvolver os primeiros aviões de tecnologia e fabricação nacionais. [4]

Outra questão interessante é que, durante a década de 90, o BNDES foi extremamente importante para a empresa, pois financiou um projeto de extrema relevância na época, e teve participação direta em praticamente 50% das vendas das aeronaves entre 1999 e 2006. [5]

Fora do país, vale citar casos como o da Apple, a qual recebeu financiamento governamental em seus primeiros anos de funcionamento. Ainda, de acordo com a economista italiana Mariana Mazzucato, autora do livro “O Estado Empreendedor”, publicado em 2014, das 100 inovações mais importantes, entre 1971 e 2006, praticamente 90% delas receberam algum amparo estatal. [6] De maneira geral, os Estados Unidos contaram com uma forte participação do Estado para desenvolver a sua indústria tecnológica. Podemos citar, como exemplo, a DARPA (Agência de Projetos de Pesquisas Avançadas), SBIR (Programa de Pesquisa para a Inovação em Pequenas Empresas), Orphan Drug Act (um decreto de 1993) e a National Nanotechnology Initiative (Iniciativa Nacional de Nanotecnologia). [7]

A tese do “Capitalismo de Compadres” como algo único no Brasil, perde sua validade quando observamos – além do grau de participação dos bancos nacionais em outros países – o que ocorreu após o desenrolar da crise de 2008, por exemplo. E aí alguém poderia justificar isso culpando o Estado pela crise de subprimes, sendo que é uma afirmação que não se sustenta, conforme podemos conferir aqui. [8] Em janeiro de 2009, logo após a crise de 2008, o governo americano criou o Programa de Finanças da Indústria Automotiva, que tinha o objetivo de evitar a insolvência de grandes empresas (as campeãs nacionais) deste setor. Foram concedidos 24,9 bilhões de dólares, repartidos para a GM, GMAC* e Chrysler. Contudo, os empréstimos concedidos não pararam aí. Ao todo, de 2009 a 2013, o governo concedeu 80,7 bilhões em empréstimos, repartidos para as mesmas empresas. Em junho de 2009, a Ford foi mais uma empresa a receber ajuda governamental, 5,9 bilhões de dólares, precisamente. [9]

Quanto aos Estados Unidos, é válido comentar acerca do Eximbank USA, banco governamental, criado em 1934, que funciona subsidiando importações e exportações, com o intuito de reduzir riscos para investidores, sobretudo em momentos de retração do investimento privado. [10] Assim como faz a China, e a juros bem reduzidos em relação ao banco americano.[11]

E não foi só o Estados Unidos. A política de valorizar ou salvar as “campeãs nacionais”, também é fortemente utilizada na Alemanha e na Coreia do Sul. [12][13] Esta, de 1945 a 1975, financiou praticamente toda a sua indústria naval e automobilística, elevando drasticamente a complexidade de sua indústria, e colaborando diretamente para que, atualmente, o país seja referência em empresas desses setores. [14] A política das “campeãs nacionais” também foi adotada pelo Canadá, que concedeu ajuda para as mesmas empresas estratégicas. [15]

No capitalismo idealizado não existe banco estatal, mas no capitalismo real o “BNDES” alemão chega a emprestar a juros negativos

Sede do banco estatal de incentivo ao desenvolvimento KfW, o “BNDES” alemão, em Frankfurt.

Uma das mais pesadas críticas que se faz ao BNDES, é quanto ao grau de subsídios concedidos às grandes empresas, como se fosse algo único e danoso do Banco Nacional brasileiro. Sendo
que, analisando de forma detalhada, é possível notar que é uma política utilizada por outros países, com o intuito de manter elevado o grau de competitividade dessas. Na Coreia do Sul, em 2012, apenas a Samsung recebeu do governo cerca de 169 milhões de dólares em subsídios. Contudo, tal cálculo não inclui outros benefícios, como as isenções fiscais. Outras grandes empresas, como a Hyundai e a LG, também fora beneficiadas, recebendo 81,4 e 35,5 milhões de dólares, respectivamente. [16]

O banco estatal brasileiro possui uma taxa de calote bastante baixa, mesmo que tenha aumentado nos últimos anos, por conta da recessão, ficando em 2,4%. A taxa de inadimplência do banco é, inclusive, menor do que a dos créditos livres, que batia em 5% até 2015. [17] É uma questão a ser considerada, pois o BNDES também é acusado de realizar empréstimos com taxa de juro (TJLP) muito baixa, o que, de acordo com os críticos da política de juros do banco, obrigaria o Banco Central Brasileiro a elevar a taxa Selic para equilibrar os montantes do mercado e o controle da inflação. Porém, se compararmos a taxa do BNDES com a de outros Bancos Nacionais, é possível notar que alguns deles emprestam a taxas ainda mais baixas, ou até negativas.

Enquanto isso, na Alemanha, ao analisar o “BNDES” alemão, o KfW, notamos que ele tem realizado parte dos seus financiamentos a juros negativos como incentivo a “economia verde”, política que é chamada na Europa de “Green New Deal”, a qual busca incentivar um crescimento econômico sustentável. [18][19][20][21] Contudo, mesmo que não houvesse essa semelhança na taxa de juros, é preciso pontuar que, como já foi comentado no início do artigo, são outros fatores que causam a alta dos juros, e a menor ineficácia da política monetária (oscilações da Selic). Fica nítido, então, que a taxa de juro do BNDES segue uma tendência internacional de mercado, baseado na capacidade de retorno e maturação das empresas após o investimento.

Menos surpreendente, mas que também é necessário lembrar – ainda mais diante do discurso dos defensores do liberalismo econômico, os quais dizem que o desenvolvimento chinês se deve ao livre mercado (quando não convém, dizem que a China é socialista) – que a China possui diversos bancos nacionais, entre os quais aqueles que financiam infraestrutura em outros países, como é o caso da ferrovia para trens de alta velocidade na Índia, e que subsidiam até a indústria naval chinesa. [22][23]

Além disso, é extremamente controverso afirmar que o Banco Central precisaria elevar a Selic para equilibrar os montantes de investimentos, pois parte do princípio de que o nível de renda é fixo. Na verdade, em vez de a taxa de juros subir para equilibrar a poupança, quem faz isso é a renda. Por ser um ponto extremamente técnico, não daremos seguimento, mas deixaremos aqui um material que explica muito bem a questão. [24]

Panfletagem ideológica X reais críticas ao BNDES

Os ataques ao BNDES se tornaram constantes, e advêm, na maioria das vezes, de (neo)liberais, que criaram a tese do “Capitalismo de Compadrio” para definir a participação do banco na economia, e daqueles que condenam o aumento dos desembolsos da instituição após a crise de 2008. Através dos seus argumentos, utilizados com frequência na grande mídia e nas redes sociais, percebe-se uma necessidade em produzir meias-verdades, ignorando os reais efeitos positivos trazidos após a maior participação do banco na economia.

Uma das críticas mais difundidas por esses grupos contra o BNDES, é que ele teria financiado investimentos fora do país, recebendo ainda acusações de ser uma política ideológica no caso dos empréstimos aos países ditos “bolivarianos” como Bolívia e Venezuela e a dita “socialista” Cuba, mas não citam o porquê desses subsídios, tampouco seus resultados: a cada 100 milhões de dólares investidos no exterior, são gerados ou mantidos cerca de 19 mil empregos no país, pois a ampla maioria dos bens e insumos são comprados no Brasil. Vale ressaltar que o BNDES financia 80% dos investimentos dessas empresas, diferente do que ocorre em outros países, que acabam financiando os projetos em sua totalidade. O total de crédito disponibilizado em 2012, por exemplo, chegou a 5,5 bilhões de dólares; na China e Espanha, por exemplo, chegou a 35 e 40 bilhões de dólares, respectivamente. [25]

Alguns economistas ortodoxos ainda pontuam, sem muita base teórica, que o aumento dos desembolsos do banco não exerceu papel significante na formação bruta de capital fixo (aumento de investimento privado). Contudo, é observado, ao analisarmos o gráfico, que o aumento do investimento coincide diretamente com o aumento da carteira ativa do banco. Essa confusão ocorre porque utilizam dados que precedem à revisão da relação desembolso/investimento, realizada pelo IBGE, em 2015. [26]

Repare que tentamos neste artigo fazer uma análise baseada em fatos do tal “capitalismo de compadrio” e considerando os argumentos e os números utilizados por esses setores. Foram mostradas mais constatações do que opiniões em si. Nesse intento, diante da superficialidade do discurso desses setores, não tem como ignorar a hipótese de que seus argumentos mais surfam na onda anti petista do que analisam fatos – pois foram nos governos do PT que o BNDES mais atuou – e, por eles acreditarem que tais financiamentos devem ficar a cargo da iniciativa privada, possui um caráter ideológico, no caso, a defesa do liberalismo econômico. Até aí, ok, a questão é pedir que olhem os números, não só os do BNDES, mas também dos bancos nacionais de outros países que eles repetidamente citam como exemplos do liberalismo que deu certo, caso de países como Alemanha, Coreia do Sul, Singapura, Japão, Canadá, Nova Zelândia entre outros países desenvolvidos “liberais”, ignorando que todos eles adotam estratégias dirigistas similares de desenvolvimento. Ou seja, a tese do “Capitalismo de Compadrio” em seu discurso é seletiva, o que evidencia a sua falta de seriedade e honestidade.

Contudo é preciso, sem dúvidas, debater acerca da participação do BNDES na economia do país. Uma das críticas que deve ser feita, a meu ver, é acerca do déficit participativo do banco quanto às pequenas e médias empresas, que são, proporcionalmente, as que mais empregam. De 2001 pra cá, em média, 70% do volume de crédito foi direcionado para médias-grandes e grandes empresas, apesar da participação das pequenas ter aumentado de forma significativa nos últimos 5 anos. Portanto, é preciso pontuar o que deve/pode ser alterado, mas sem esquecer que os Bancos Nacionais têm papel fundamental no processo de desenvolvimento de qualquer país, sobretudo no caso do Brasil, que possui nível muito reduzido de fundos de empréstimos privados.

É válido citar duas coisas: é bem verdade que a relação do volume direcionado para as grandes aparece maior pois são elas que realizam as obras de infraestrutura, que consome grande parte dos desembolsos, e, obviamente, os investimentos das grandes empresas são maiores, logo, o desembolso será maior. [27]

Cabem também críticas à atuação do banco. Exemplo: o BNDES financiou compras de produtos das empresas privatizadas de telefonia nos anos 90,  na qual equipamentos telefônicos chegaram a conter mais de 95% de peças importadas – ou seja, custeadas pelo Estado [28], o que pesou de forma significativa no quadro fiscal do país, e agravou, naquele momento, o problema estrutural com balanço de pagamentos.

Outro caso similar foi o empréstimo bilionário concedido ao grupo empresarial que adquiriu a Eletropaulo, em 1998, para custear a compra. Cinco anos depois, esse grupo estava falido, e se o governo não socorresse, a empresa entraria em insolvência, e não teríamos outras como se fosse um mercado de praça de alimentação de shopping. [29]

Ano passado, o BNDES disponibilizou 20 bilhões para cobrir custos de infraestrutura, para concessões públicas de empresas privadas. Por exemplo, a Triunfo, concessionária das BRs 060, 153 e 262, não concluiu diversos projetos, pois não pôde sacar o crédito disponibilizado pelo BNDES por estar envolvida em investigações da Lava-Jato. Entretanto, é o tipo de “compadrio” deixado de lado na hora das críticas dos defensores do liberalismo econômico. No programa de concessões e privatizações do atual governo, o BNDES vai injetar 30 bilhões nas concessionárias e assumir o risco dos títulos emitidos por elas no mercado de capitais. O que eles têm a dizer deste “compadrio”?

Outra questão importante a ser considerada é o fato de o banco não ter dado foco relevante à
complexidade econômica dos projetos a serem apoiados. É importante citar a política de financiar em demasia a indústria agro, que pouco agrega em complexidade e sofisticação da economia. [30] Mas nem todos parecem preocupados com esse ponto, até porque os (neo)liberais não se importam com complexidade econômica, pois ainda estão presos no mundo de David Ricardo.

O fato das grandes empresas terem aumentado a alavancagem externa, sobretudo no pós-2008, pode ser uma “justificativa” à questão de serem as mais beneficiadas pelo banco, pois utilizaram os créditos do BNDES para administrar parte desse endividamento. O banco, por exemplo, acertou com a JBS de converter os debêntures dela em ações. No caso, mais uma política a ser amplamente questionada.

Outra problemática, e até mais relevante das que já foram citadas, é o fato de o banco ter apoiado casos notórios de empresas envolvidas em trabalho análogo à escravidão fora do país. [31]

Alguns ainda culpam o crédito direcionado – não só o do BNDES – por boa parte dos males que atrapalham a eficácia da política monetária do país, mas aí cabe analisar que parte significativa desse crédito jamais seria alcançado de outra forma, como exemplo os créditos disponíveis aos produtores rurais, como o Pronaf. Até 2010, os créditos rural e habitacional representavam 37% do total de crédito direcionado do país. Ou seja, nem todo o crédito público é, exatamente, direcionado. É bem verdade que, a partir de 2010, o crédito direcionado passou a ser praticamente metade do crédito total do país, mas vale observar que batia os 30% em anos anteriores, e o Brasil seguia com os mesmos problemas de política monetária – que foi amenizado por conta do boom das commodities, que acalmou a gangorra do balanço de pagamento. [32]

“Capitalismo de Compadrio” é a realidade capitalista

Desde o século XIX que existem estes tipos de bancos de desenvolvimento. Como o Societé Général pour Favoriser I’industrie National, na Bélgica, em 1822. [33] Na Suécia, o financiamento era, até 1850, majoritariamente via Banco Nacional. Os Bancos privados só preponderaram com o parque produtivo consolidado após o crescimento econômico. [34]

Desde 1948, a Alemanha possui o KfW, que foi extremamente importante para a reconstrução do país no pós-guerra. Atualmente, como já foi mostrado, lidera a carteira de empréstimos entre os Bancos Nacionais, e com taxas de juros bastante baixas na maioria dos setores. [35] A França formou um arranjo institucional com vários em um grupo, e com o Crédit Mobilier financiou boa parte da infraestrutura europeia.

Hoje existem 286 bancos estatais de desenvolvimento operando em 117 países, incluindo alguns enormes e de grande saúde financeira, como o KfW na Alemanha e o Korea Development Bank. A Oceania conta com 15 (5 parecidos com o BNDES), a Europa com 12 (7 do tipo do BNDES), o sudeste asiático 85 (23 como o BNDES). [36]

Na Ásia, o estatal Banco de Desenvolvimento da Coreia do Sul, atuou providenciando capital de longo prazo na indústria e selecionando projetos de investimento por metas de desempenho. O Estado japonês também apoiou arranjos anticompetitivos em setores siderúrgicos, automotivos eletrônicos, de componentes diversos, para lhes proporcionar grandes investimentos de capital sob condição de aplicação em crescimento de produtividade. Sua política de investimento foi elaborada sob a ótica de proporcionar taxas de lucro suficientes, que em mercados competitivos não seria possível, para se fiar projetos de longo prazo com com investimentos em pesquisas, além de emprego, assim como ainda faz a Alemanha.
E aí, como ficam estes “Capitalismos de Compadrio”? [37] O que os nossos (neo)liberais ou economistas ortodoxos têm a dizer?

Se o “capitalismo de compadrio” é a realidade capitalista, então o Socialismo Real é o único socialismo possível?

Quando não encontram saída diante do fato de que capitalismo de compadrio sempre foi a regra no capitalismo, os defensores do livre mercado tentam se defender evocando o socialismo, dizendo que, se é assim, então o único socialismo possível é o tipo soviético, como se esse “argumento” pudesse validar a tese do “capitalismo de compadrio”. Porém, nem mesmo esse pretexto é válido, porque o capitalismo é o sistema econômico concreto que surgiu da evolução do mercantilismo e da revolução industrial, sob o qual vivemos até hoje.

Por mais que ideólogos do capitalismo gostem de propor formas sob as quais supostamente o liberalismo levaria a economia a funcionar de forma ideal, não se pode dizer que o sistema atual “não é capitalismo de verdade”, justamente porque o termo “capitalismo” foi criado pra descrever um sistema já existente.

Quanto ao comunismo é um termo criado para nomear uma meta, definida desde o meio do século XIX por Marx como a conclusão do projeto de eliminação da exploração e da divisão da humanidade em classes. Você pode dizer que as pessoas envolvidas nas experiências socialistas eram/são comunistas, mas dizer que o sistema econômico delas era “comunismo” é uma imprecisão… Justamente porque o projeto socialista nesses casos ainda estava/está em seus primórdios e ainda não se atingiu o objetivo utópico de eliminar classes, Estado, exploração e a atingir uma igualdade plena e autossuficiente. Uma vertente marxista, conhecida como Crítica do Valor, cujo autor mais conhecido é Robert Kurz, sequer considera o socialismo real uma experiência de fato socialista, mas sim um capitalismo de Estado.

Capitalismo foi um termo criado a posteriori para definir um sistema concreto, já existente; comunismo é um termo teórico criado para definir uma proposta utópica de sistema, a qual as experiências socialistas têm como objetivo último mas que ainda não foi alcançada.

No mais, o socialismo vai além das teses marxistas sobre como ele poderia ser. A própria social-democracia, a qual foi essencial para os países europeus do Ocidente, especialmente os do Norte, para se reerguerem após a II Guerra Mundial, é uma de suas vertentes, inclusive de origem marxista. O anarquismo também faz parte das vertentes socialistas e possui experiências em prática, logo, não tem como afirmar que o socialismo real é o único socialismo possível.

Considerações finais

Com base em dados de 2013, é possível notar que o BNDES tem o 2° maior lucro líquido entre os
bancos nacionais analisados, perdendo apenas para o chinês CDB. No retorno sobre ativos, considerando o BNDES e os outros dois bancos de maior carteira, o banco brasileiro só fica,
mais uma vez, atrás do CDB, e por uma diferença muito pequena. Se fizéssemos, ainda, uma análise de lucro levando em conta o número de empregados, o lucro do BNDES seria ainda maior, se comparado aos outros. [38] E o BNDES não veio de um plano da União Soviética ou do
Foro de São Paulo… Foi criado em 1962 pela Comissão Mista de Desenvolvimento Brasil-Estados Unidos. [39

Há muito o que ser criticado e passado a limpo na política do BNDES nesses últimos anos, como o papel das políticas de subsídios e desonerações com seus pesados impactos nas contas públicas recentes, ao invés de gastos com custeio e pessoal federal, como apontado aqui. Mas a retórica destes grupos, com alguns de seus economistas tendo a “proeza” de comparar os subsídios do BNDES com o Plano Marshall, o que não faz o menor sentido [40 –, fogem das principais discussões acerca da participação e eficácia do banco. Assim, como disse o economista Rafael Bianchini Abreu, seriam mais honestos se dissessem que não gostam do BNDES porque o banco vai contra aquilo que acreditam, contra sua ideologia.

Diante de todos os fatos aqui elencados sobre as políticas intervencionistas do mundo todo, principalmente nos desenvolvidos, fica evidente que o “Capitalismo de Compadres” nada mais é do que… Capitalismo, o real, e não esse idealizado na cabeça de teóricos (neo)liberais e dos economistas que seguem suas cartilhas, que é pautado apenas pelo livre mercado, algo que nunca existiu na história desse sistema econômico.

No entanto, o “Capitalismo de Compadres” pode ou não coincidir com o desenvolvimento econômico e social de um país, o que torna inevitáveis algumas questões para a realidade do capitalismo brasileiro aos que defendem esse sistema econômico: Qual tipo de capitalismo desenvolveria o Brasil? Um que banca o “agro pop” ou que banca Samsung, GM e outros setores de maior complexidade? Lembrando que eliminar o BNDES e uma perspectiva de desenvolvimento nacional dirigido pelo Estado, não acabará com o “Compadrio”. Apenas mudará o compadre. O compadre, nesse caso, passa a ser o setor financeiro privado (nacional e internacional), bem como o capital transnacionalizado.


Texto elaborado com a contribuição de David Deccache, Paulo Victor Gonçalves e Rodrigo Souza.

Redação

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