Debate:Réquiem para Luiz Werneck Vianna

Sobre a entrevista de Luiz Werneck Vianna

 

Respeito muito a história e a competência do professor Luiz Werneck Vianna. Mas creio que, em sua entrevista ao Valor, comete alguns erros capitais de análise e de informação (clique aqui para ler a entrevista).

Sobre a racionalização do governo

Werneck considera uma ruptura no presidencialismo de coalizão, pelo fato dos ministros serem mais cobrados e Dilma passar a conversar mais com os secretários executivos, em contraposição ao estilo de Lula, de conceder tudo de porteira fechada aos partidos aliados.

Enxerga ruptura onde ocorre consolidação.

O primeiro governo Dilma é consolidação do segundo governo Lula, no qual a Casa Civil, com Dilma, teve papel central. O que Werneck enxerga agora está sendo praticado de forma cada vez mais intensa há quatro anos, pelo menos.

O governo Lula ganha organicidade quando as ações dispersas dos Ministérios são consolidadas e colocadas sob a batuta da Casa Civil – de Dilma. A única diferença é que a gerente virou presidente e que se está em um processo dinâmico de aprimoramento.

Era assim que se monitoravam os ministérios aliados. As concessões feitas por Lula – a aliados, ao mercado e aos sindicatos e movimentos sociais – não podem ser analisadas independentemente do momento em que ocorreram. Havia uma luta titânica pela consolidação do novo modelo, contra uma oposição implacável da mídia e dos partidos de oposição e depois do desastre do “mensalão”. Agora se tem um governo consolidado, com oposição quase inexistente.

Julgar que as concessões anteriores se deviam à mão aberta de Lula e o rigor atual ao melhor conhecimento de economia de Dilma, é de um simplismo não à altura do analista sofisticado que Werneck é. Se ampliasse a análise para as circunstâncias de cada período, elas ficariam mais completas.

Quanto ao fato de Dilma não ter “figuras relevantes” ao seu lado, conviria ao professor ler menos os personagens criados pela mídia. Guido Mantega tornou-se interlocutor de peso junto à economia; Tombini é um presidente de Banco Central destinado a fazer história; Mercadante e Haddad tem ascendência ampla sobre os setores sob sua responsabilidade, a área política está pacificada.

O professor personaliza muito as situações, pensa muito nas figuras salvadoras e passa ao largo das circunstâncias.

Sobre o papel do Estado

O professor levanta um tema relevante, que é o gradativo distanciamento de partidos políticos e movimentos sociais, permitindo à sociedade civil respirar mais e ter vida própria. A Maria Inês Nassif já escreveu artigos fundamentais sobre esse processo.

Mas demonstra não ter muito conhecimento sobre o atual estágio do capitalismo brasileiro e mundial.

O primeiro engano é considerar superado, agora, o tal paradigma keynesiano-westfaliano. De onde tirou essa certeza? Esse ciclo está apenas se reiniciando. Está-se no fim de um ciclo de financeirização e no início de um novo ciclo de reforço do papel do Estado nacional. É nítido esse movimento. As instituições multilaterais estão em crise profunda, sem conseguir articular comércio, movimentos de capitais. Há um conflito latente entre o poder remanescente da banca e as crises populares nos países afetados.

O professor desenha um mundo que esteve em voga nas últimas décadas, não agora, e cujo ciclo se esgotou.

Dizer que Dilma será diferente por encontrar um mundo em crise é simplesmente ignorar que a consagração do governo Lula se deu justamente no bojo da crise de 2008 – tendo Dilma como co-autora. Lula cresceu na crise. A aposta de Dilma é crescer na crise. Cadê as diferenças?

Sobre os capitalistas brasileiros

Há uma ampla desinformação sobre os novos capitalistas brasileiros.

Kátia Abreu é a representante acabada do empresariado agrário mais conservador, é herdeira direta dos velhos capitães da Confederação Nacional da Agricultura. O agronegócio tem como representantes maiores os grandes plantadores de soja e algodão de Goiás, os usineiros de São Paulo, pessoas que se internacionalizaram, conheceram o mercado de capitais, acordaram para os grandes problemas de infraestrutura. Nada a ver com a velha CNA, representada por Katia.

Do mesmo modo, não tem cabimento enxergar em Eike Baptista o de vida regrada, calvinista. De onde tirou isso? Eike tem inúmeras virtudes, mas a moderação e a discrição não estão entre elas.

Ora, o primeiro empresário da nova era, Jorge Paulo Leman, no antigo Banco Garantia, tinha como valores não ter vida faustosa, não comprar carros valiosos, acumular, acumular e acumular. Eike é o oposto.

Formação universitária

É ridículo o argumento de que, por ter formação universitária, Dilma tem mais condições de interpretar os ventos da economia. Lula sempre teve o pulso da economia entendendo os problemas da inflação, os desequilíbrios econômicos no pulso da indústria – o setor automobilístico do ABC.

O professor se permite um preconceito tolo. Se fosse mais atento às ações de governo veria que a decisão de enfrentar a crise jogando no ataque foi de Lula, contrariando completamente o establshment econômico ao qual se curvou FHC nas suas sucessivas crises. Foi o movimento que consagrou Lula mundialmente, tornou-se “o cara”. E vem o professor falar de formação universitaria como pré-condição para entender o futuro.

Os dois maiores visionários brasileiros do pós-ditadura – Collor e Lula – estavam longe de serem intelectuais. O acadêmico FHC, com sua formação, limitou-se a surfar nas novas ondas, sem um pingo de visão de futuro. Não conseguiu enxergar sequer o novo mercado de massas que estava prestes a explodir.

Redação

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