A Insustentável Leveza de Marina, por André Calixtre

marina de branco

Artigo do Brasil Debate

Por André Calixtre*

No plano simbólico, a candidatura de Marina tem-se valido de sua história absolutamente fantástica de vida para seduzir o eleitor dos grandes centros urbanos brasileiros.

Busca trazer os povos da floresta amazônica para o centro do debate da política, cuja estrutura de poder “não coercitivo”, apontada nos estudos clássicos de Pierre Clastres nas décadas de 1960 e 1970, sobreviveu como modo de vida em constante conflito com a modernização conservadora promovida pelo “poder coercitivo” (tipicamente ocidental) do regime militar.

Assim como Lula soube projetar sua marcante experiência da origem sertaneja nordestina para o centro da industrialização paulistana e mover um dos maiores processos de desenvolvimento econômico de nossa história recente – como recentemente publicou Eliane Brum em um instigante artigo sobre as diferentes trajetórias simbólicas de Lula e Marina –, a trajetória simbólica de Marina está sendo oferecida ao eleitor como o substrato de uma “Nova Política”, em contraponto à continuidade do legado de Lula.

Legado este que por Lula foi depositado em outra trajetória de vida que é Dilma Rousseff, a primeira mulher a ocupar o posto máximo de comando da nação.

A projeção de Marina dá-se sobre a leveza do povo da floresta, capaz de subverter valores duros da sociedade ocidental pautada pelo poder coercitivo e cognitivo do valor, cujo caráter está presente em tal ordem nos grandes centros urbanos que se apresenta como leis imutáveis, tão imutáveis que parecem suprimir as possibilidades libertadoras da vida urbano-industrial.

O modo generoso de Marina se apresenta como uma verdadeira ilusão ao eleitor dessas classes médias, negando conflitos internos de uma sociedade tipicamente capitalista para, como um cacique, resolver o destino de todos sem a inexorável necessidade de comando e obediência. Abusando mais de Milan Kundera, Marina é puro kitsch.

O paradoxo que rompe a leveza de Marina é que ela trouxe Clastres para o centro da política, mas ele não veio sozinho, chegou acompanhado de Adam Smith.

A inconsistência que considero mais importante na plataforma de Marina é a combinação entre aprofundamento do Estado de Bem-Estar com o exótico encontro entre a antropologia da “Sociedade contra o Estado” com a apologia da infalibilidade do mundo privado mercantil para produzir uma ação política efetivamente transformadora.

Essa incongruência aflora especialmente na parte econômica do programa de governo marinista, quando se define o Estado como antígeno da Sociedade – o cerne do pensamento liberal, cujas consequências inviabilizam a execução de um programa de governo dito progressista na questão social.

Por o Estado ser considerado “fora” da sociedade, a realização social seria refratária às instituições estatais, estabelecendo um caminho de permanente desmonte destas últimas.

O problema é que subjacente a essa separação está a economia de mercado – sempre operando para gerar desigualdades, cuja condição periférica da especificidade brasileira torna essa dinâmica ainda mais concentradora e excludente.

A visão neoliberal contaminou pontos fundamentais do programa de Marina. Na política externa, adere-se a uma perspectiva burocrática, estamental, da “diplomacia não ideológica”, um mito conservador mesmo para os tempos do Barão, tão velho quanto a formação do Estado brasileiro.

A negar mecanismos permanentes de consulta à sociedade civil, como a proposta do Conselho de Política Externa, Marina enterrou qualquer perspectiva modernizadora da política externa. Nas relações de trabalho, o apoio ao discurso das terceirizações está alinhado às demandas históricas do empresariado de desmonte branco da Consolidação das Leis Trabalhistas, e muitos outros pontos.

O aceno de Marina feito aos mercados, portanto, não se resume à política macroeconômica – foi muito além –, atingiu a visão de mundo da candidatura, a visão liberal de mundo. Leitora que é de Hannah Arendt, Marina deveria ter percebido que essa confluência liberal é exatamente o motor da desconstrução do espaço da Ação pelo avanço indiscriminado do Trabalho (como fetiche), aquilo que Arendt nomeou “artificialização do mundo”.

A “Nova Política”, que deveria ser uma leitura de Marina inspirada nos autores críticos da democracia liberal, como Arendt e Zygmunt Bauman, consistiria no reposicionamento do homem no centro da Ação, deslocando a sua face artificial e fetichista criada pela sociedade do valor. O antagonismo do campo político de Marina aponta para o inverso disso.

O liberalismo, ao abandonar a sociedade à própria sorte do mercado e ao privatizar persistentemente as esferas públicas de sociabilidade, tem o papel histórico de reforçar o deslocamento entre homem político e homem mercadoria, portanto de corroer as bases de um novo encontro da política.

Paradoxalmente, a ideologia máxima do liberal está em acreditar que a sociedade de mercado seria essencialmente igualitária, como se a introdução do antígeno Estado provocasse, sempre, distorções, sendo válida apenas quando na ausência do mercado, nas condições em que a presença do Estado torna-se um “mal necessário”.

O Estado, na “Nova Política”, deveria ser peça central da transformação do homem, desmercantilizando necessidades coletivas e deslocando-as para fora do circuito da acumulação.

Essa perspectiva – que foi abraçada com todas as forças pelo pensamento social-democrata e formou a base de nossa Constituição Federal de 1988 – está também presente em setores progressistas do ambientalismo, apoiadores de Marina, que veem em sua candidatura a possibilidade de expandir direitos coletivos socioambientais.

Nada mais justo; no entanto, a adesão ao liberalismo em sua radicalidade destruirá esses direitos, pois se perde o Estado, único instrumento capaz de dirigir o processo de ascensão civilizacional ante a barbárie do mercado. Smith é o algoz de Clastres.

* André Calixtre é mestre em Economia Social do Trabalho e doutorando em História Econômica, ambos pelo programa de Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Unicamp

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Redação

11 Comentários

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  1. ” O aceno de Marina feito aos

    ” O aceno de Marina feito aos mercados, portanto, não se resume à política macroeconômica – foi muito além –, atingiu a visão de mundo da candidatura, a visão liberal de mundo. Leitora que é de Hannah Arendt, Marina deveria ter percebido que essa confluência liberal é exatamente o motor da desconstrução do espaço da Ação pelo avanço indiscriminado do Trabalho (como fetiche), aquilo que Arendt nomeou “artificialização do mundo”.”

    Nassif

    Não acredito que ela seja leitora de Arendt, pois, comporta-se como se estivesse em delírios de utopia, jamais visto numa candidatura.

     

     

    1. Marina Silva começou

      Marina Silva começou verde-natureza, adotou o verde-Natura, evoluiu para o verde-dólar e ficará verde-de-raiva como o Hulk ao ser derrotada. Ha, ha, ha… Em breve ela encontrará um cara para redigir sua biografia, cujo nome será “Vários Tons de Verde”. Ha, ha, ha…

  2. ENGODO PSEUDO PROGRESSISTA

    Este discurso pretensamente progressista da candidata carpideira estribada no PSB não passa de uma mistificação cosmética. E a prova maior disto está na patente contradição entre a evidenciada subserviência da candidatura funerária aos interesses do capital financeiro e o engodo propagandístico pseudo esquerdista, que de libertário não tem nem a fachada. É óbvio que o aprimoramento da proteção da sociedade contra excessos do poder estatal não pode jamais existir desvinculado de um efetivo desenvolvimento da democracia participativa. A opção dos partidários da candidata fúnebre de impedir a ampliação continuada de mecanismos de consulta à sociedade civil visa servir ao pretenso liberalismo, e mostra que o discurso destes novos instrumentos da direita golpista é mesmo falacioso. Assim, resta evidenciado o engodo político a ser evitado através da reeleição.

  3. Excelente

    Mas a sustentabilidade de Marina hoje se da, justamente, através de atores centrais do neoliberalismo; é o mercado no centro da ação e não o individuo. Para se reaproximar do pensamento de Hannah Arendt, ela teria que romper com todos os “pensadores” que a cercam hoje. Se perder essa eleição é bem possivel que Marina faça isso, tente voltar com novas bandeiras e quem sabe em nova roupagem. So não parece sustentavel a longo prazo tantas mudanças. 

  4. Comparar mariana silva a Lula

    Comparar mariana silva a Lula é uma bobagem. Não há nada de tão fantástico assim na vida dela. Duvido que tenha ficado analfabeta até os 17 anos. Talvez não tivesse um certificado escolar, mas analfabeta, não. Usou Chico Mendes, usou o PT, o PV, o PSB e nada fez de memorável até hoje. Só blá, blá, blá. Agora está jogando por terra todo seu discurso anterior e juntando-se ao que há de mais neoliberal no Brasil. É um desastre. Se eleita, que Deus e todos os santos nos livrem dessa tragédia, não terá o menor respeito.

  5. Essa candidata me faz lembrar

    Essa candidata me faz lembrar muito o personagem de Peter Sellers no filme “Muito além do jardim”. No filme, Sellers é Chance, um indivíduo de intelecto muito reduzido, que vive numa casa rica como jardineiro. Com a morte de seu benfeitor, o dono da casa,  ele tem que ir embora. Acaba caindo nas graças de uma rica senhora, esposa de alguém muito importante, e é confundido com alguém muito inteligente. Nesse meio rico e de elite, tem  grande destaque, pois todos pensam que suas falas, totalmente disparatadas, são fruto de uma mente superinteligente.

     

  6. Não, Hayek é algoz de Keynes

    O Estado do bem estar social só perdurou enquanto não surgiu a concorrência da Ásia, que é a situação nacional agora. Há que se pular etapas rumo à nova economia!

  7. TSE determina retirada do
    TSE determina retirada do site ligado à campanha do PT
    O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concedeu nesta terça-feira, 16, uma liminar para retirar do ar o site Muda…

    O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concedeu nesta terça-feira, 16, uma liminar para retirar do ar o site Muda Mais (www.mudamais.com.br), criado por integrantes ligados ao PT para defender a reeleição da presidente Dilma Rousseff. A decisão, dada pelo ministro Herman Benjamin, atende a um pedido da coligação da candidata do PSB à Presidência, Marina Silva.

    O endereço eletrônico tem se tornado um dos canais mais críticos dos adversários de Dilma na corrida ao Palácio do Planalto. O alvo inicial do site era o tucano Aécio Neves e, com o crescimento de Marina nas pesquisas, a candidata do PSB entrou na mira da página. Hoje mais cedo, por exemplo, a página publicou um artigo no qual insinuava que Marina pretende vender a Petrobras, caso eleita. Em sua decisão, o ministro do TSE considerou que, pela Lei das Eleições, é proibida a veiculação de propaganda, ainda que gratuitamente, em páginas eletrônicas de pessoas jurídicas com ou sem fins lucrativos. Em caso de descumprimento da decisão, os responsáveis pela página vão pagar multa diária de R$ 50 mil.

    A chapa de Marina citou o fato de que a campanha da adversária e Dilma inicialmente tinha dois sites, o Dilma (www.dilma.com.br) e o Muda Mais, este ligado ao ex-ministro Franklin Martins. A defesa da candidata do PSB argumentou na ação que, mesmo tendo sido desvinculado da candidatura de Dilma, o Muda Mais continuou a ser usado como portal de campanha.

    Os advogados de Marina sustentaram no processo que a empresa Digital Polis, que detém o registro da página oficial de Dilma, também abriga o Muda Mais, sendo assim responsável pela alimentação dos dois sites.

    O ministro Herman Benjamin, relator da ação, entendeu que ficou configurada, em análise do pedido de liminar, a propaganda irregular. Segundo o ministro, podem fazer propaganda eleitoral somente as páginas eletrônicas habilitadas legalmente para tanto.

    “Entendo, pois, ao menos neste juízo de cognição sumária, que o sítio http://www.mudamais.com transgride a proibição (prevista na legislação), pois, apesar de estar desvinculado da campanha da candidata Dilma Rousseff e registrado em nome de pessoa jurídica (Polis Propaganda & Marketing Ltda.), continua veiculando propaganda eleitoral (irregular) em favor daquela”, afirma o ministro, no despacho registrado às 15h07.

    O ministro considerou ainda que a página, “com forte conteúdo eleitoral a um dos candidatos”, poderá provocar desequilíbrio na disputa eleitoral – no caso em favor de Dilma. Benjamin determinou a citação dos envolvidos para se pronunciar na ação, entre eles a presidente da República.

    http://estadao.br.msn.com/ultimas-noticias/tse-determina-retirada-do-site-ligado-%C3%A0-campanha-do-pt

  8. ESTA DISPUTA ELEITORAL É UM EMBUSTE !!

    Estamos sob um ataque externo invisível, as candidaturas de Aécio e de Marina são apenas instrumentos deste poderoso ataque do império norte-americano .

    Creio que exista interferências pesadas do império neste processo eleitoral .

    Daqui a 30 ou 40 anos saberemos como foi engendrado toda esta campanha anti-petista na mídia e aparelho judiciário, como a CIA atuou na tentativa de destruição do PT e detalhes esclarecedores sobre o providencial acidente aéreo tendo Eduardo Campos como vítima .

    A poderosa máquina do Pentágono está torrando bilhões de dólares para o desmonte do BRIC´s com a destruição do projeto político iniciado no Brasil em 2003, bem como, com a tentativa de frear o renascimento da Rússia como superpotência e a tentativa de frear a influência chinesa no mundo .

    Não importa a destruição econômica e a paz social da frágil democracia no Brasil .

    Se não puderem recolocar a coleira no governo brasileiro, como existia até 2002, então que se transforme o Brasil numa nova Ucrânia .

    Com a provável derrota de Marina, eles tentarão provocar um acirramento ideológico com possíveis conflitos violentos aqui no Brasil a partir de 2015 .

    Coleira no pescoço ou conflitos sociais, se possível, até com violência armada, como acontece na Ucrânia, Síria, Venezuela etc…

  9. marina é o cru, o ingenuo, o

    marina é o cru, o ingenuo, o espiritual enviesado,

    preconceituoso, primitivo. a dádiva tribal.

    o mercado voraz é o cozido, o civilizado, a financeirização da economia,

    o que exige um pensamento sofisticado para ser entendido

    o cozido-“civilizado” neonliberal  engolirá os inocentes e ingenuos.

    acho que essa é a diferença entre marina e lula-dilma.

    lula foi cozido, comeu cru,

    mas cozeu no duro trablho

    de luta numa sociedade complexíssima

    de onde surgiu como um dos maiores

    líderes da soceidade brasileira de todos os tempos.

    foi  formado na luta.

    aboslutamente mestre da negociação.

    marina veio a reboque.

    primeiro a reboque de chico mendes,

    depois do trabalho de milhões de pessoas que formaram o pt e os movimentos sociais.

    marina pegou o legado de lula.

    simples assim…

    oportunista.

    (gentilmente)

     

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