Coxinhas, Black Blocs e Eleições, por Lucas Melgaço

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Artigo do Brasil Debate

Por Lucas Melgaço

Quando se pensa em um protesto, a primeira ideia que normalmente vem à cabeça é aquela de mudança, de transformação. Dificilmente alguém imaginaria um grupo se mobilizando e saindo às ruas para protestar pela permanência de algo.

A exceção a essa regra seriam as situações em que o protesto irrompe como reação a outras manifestações por mudança, uma forma de “contraprotesto”. Esse é o caso, por exemplo, do movimento Tradição, Família e Propriedade (TFP), uma resposta conservadora durante o período pré-ditatorial a mudanças consideradas como “ameaças” progressistas.

Quanto às Jornadas de Junho de 2013, porém, parece claro, ao menos para mim, que acompanhei tudo de fora do País, que aqueles foram autênticos protestos por mudanças.

Naquele momento poucos ousariam prever, contudo, que um ano mais tarde políticos como Jair Bolsonaro e Marco Feliciano seriam não apenas reeleitos deputados federais, mas também seriam, respectivamente, o mais bem votado pelo estado do Rio de Janeiro e o terceiro com maior número de votos por São Paulo.

A surpresa advém do fato de que em boa parte das manifestações havia cartazes e gritos pedindo “Fora Bolsonaro” e “Feliciano, você não me representa”.

Tão marcantes quanto as manifestações contrárias a esses dois políticos foram as demandas que clamavam por menos corrupção. Tais gritos foram, todavia, igualmente ineficientes para impedir a reeleição de políticos como Fernando Collor, eleito senador por Alagoas e a eleição de Renan Filho, filho de Renan Calheiros, ao posto de governador daquele mesmo estado.

Fatos como esses citados levaram José Antônio Moroni, do Instituto de Estudos Econômicos e Sociais (Inesc) a defender que seria como se as manifestações de junho não tivessem ocorrido. A demanda por mudanças não teria, assim, tido reflexo significativos nas urnas. Teria sido isso verdade?

Para responder a essa indagação é preciso antes levantar outra questão, apesar do risco do seu reducionismo dualista: foram as manifestações uma mobilização de esquerda ou de direita? A melhor resposta seria: foram ambas.

Aquilo que começou como reação ao aumento das tarifas do transporte público, e que escalou com a indignação coletiva à forma violenta como a polícia reagiu aos protestos, logo se desdobrou e passou a incluir pautas diversas como os gastos com a preparação para a Copa do Mundo e o fim da corrupção, além de várias outras reinvindicações nem sempre concordantes.

Numa combinação inusitada, vimos um conjunto de posições muito diferentes nas ruas, o que pôde ser simbolizado pela copresença de dois extremos: os “coxinhas” e os “black blocs”.

O que teria levado perfis tão distintos às ruas? Eu ousaria responder que um dos poucos pontos de convergência entre esses grupos tão díspares foi a reação à posição mais “centrista” do governo federal nos últimos anos.

Por um lado, esse “centrismo” motivou o protesto daqueles que consideravam que o governo não era suficientemente de esquerda. Tal posicionamento é absolutamente compreensível quando se olha, por exemplo, os lucros recordes dos bancos nos anos do governo do PT. Além disso, apesar de avanços em relação à democracia, especialmente com uma evidente diminuição das desigualdades no País, alguns esperavam do governo petista uma postura mais radical.

Por outro lado, grupos mais alinhados com uma postura neoliberal viram naquela agitação uma oportunidade para protestar mais à direita do governo. A demanda por menos corrupção, prática incrustrada na forma de se fazer política no Brasil desde muito antes da ascensão do PT ao poder, passou a ser um dos motes daqueles que viram nos protestos uma oportunidade de fazer oposição à administração petista.

Essa interpretação trazida aqui, apesar de fácil, talvez seja, porém, por demais simplista. Entre os extremos “black bloc” e “coxinha” houve uma grande gama de posicionamentos que inclui até mesmo partidários do próprio PT que saíram às ruas tanto para se posicionar contra a “ameaça coxinha”, quanto para protestar contra governos locais de outros partidos, como no caso do governo tucano em São Paulo.

Fato é que as manifestações foram complexas e multifacetadas. Essa heterogeneidade permitiu uma certa “maleabilidade” na interpretação dos protestos, algo que a grande mídia soube de forma oportunista explorar.

Foi emblemático o caso de Arnaldo Jabor que, inicialmente, tentou desmerecer a importância política das manifestações e logo em seguida se deu conta da oportunidade para se fazer uso dos protestos como crítica ao governo.

Oportunismo semelhante pode ser visto na montagem circulada esta semana em favor do candidato Aécio Neves e que coloca as manifestações como um grito coletivo contra a corrupção no governo petista.

Uma balela, já que se sabe que tais gritos não foram os da maioria e que brados contra a corrupção tucana também fizeram parte dos protestos. Porém, talvez pela primeira vez na história brasileira, a grande mídia teve e vem tendo a oposição firme de mídias alternativas que, apoiadas pelas facilidades trazidas pelas redes sociais, puderam interpretar as manifestações à sua maneira e reagir a esse tipo de manipulação.

Voltando aos resultados das urnas, deve-se destacar que não só “bolsonaros” e “felicianos” marcaram o primeiro turno das eleições. O Rio de Janeiro, por exemplo, ao mesmo tempo em que elegeu Bolsonaro, teve como seu deputado estadual mais bem votado o candidato Marcelo Freixo, do PSOL, figura marcante nas Jornadas de Junho e representante de boa parte das pautas consideradas à esquerda.

Além disso, em contraponto à reeleição do religioso Marco Feliciano, a Câmara dos Deputados contará mais uma vez com seu opositor, o deputado federal Jean Wyllys.

Para além desses casos mais pontuais, dois aspectos parecem ter sido reflexo mais direto das Jornadas de Junho. O primeiro é o aumento da porcentagem de votos brancos, nulos e abstenções, quase um terço da população, o que indica uma mensagem de que parte considerável dos brasileiros busca por algo diferente e que nenhum dos grandes partidos políticos parece representar.

Além disso, a cisão dos protestos entre “esquerda” e “direita”, por mais reducionista e simplista que possa ser, parece estar se refletindo na divisão do País entre os que neste segundo turno apoiam, respectivamente, Dilma e Aécio.

Passadas as eleições, os protestos e a luta por mudanças mais à esquerda do que tanto PT quanto PSDB apresentam, mudanças por um país ainda menos desigual e injusto deveriam prosseguir.

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Redação

12 Comentários

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  1. desconfio que repensar o que

    desconfio que repensar o que foi a “jornada de junho” traga mais luz para o presente.

    digo, desde de junho, que o movimento foi romanceado. exagerado. a realidade foi encaixada nas mais diversas teorias.

    duas coisas poderiam ser repensadas:
    primeiro, a representividade. o que significa, em um mundo multiconectado, ter aquela quantidade de gente nas ruas? será mesmo que toda aquela representava toda uma sociedade a ponto de “ditar” os rumos de uma eleição? ou não existia essa conexão toda?

    segundo, a razão de tudo aquilo. mudança realmente? que mudança? mudança de onde pra onde? de quem? todos queriam a mesma coisa? “mudança” não é uma simplificação?

    enfim…. vejo mais problemas na explicação encontrada para as “jornada de junho” do que para o resultado das eleições. para a minha leitura, tudo fez muito sentido.

    1. Eu tenho duas opiniões, se me permite:

      será mesmo que toda aquela representava toda uma sociedade a ponto de “ditar” os rumos de uma eleição? ou não existia essa conexão toda?

      1) A meu ver o pessoal do MLP que começou os protestos em São Paulo tinha representatividade, mas agiu com má-fé ao não fazer nenhum protesto relevante durante anos de aumentos de tarifa seguidos, e depois incendiar São Paulo justamente na gestão do Haddad. Mas quando os protestos se expandiram pelo Brasil inteiro e passaram a ser um “sou-contra-tudo-isso-que-está-aí”, a representatividade e a legitimidade se diluíram, e virou festa pra botar foto no facebook.

      a razão de tudo aquilo. mudança realmente? que mudança? mudança de onde pra onde? de quem? todos queriam a mesma coisa? “mudança” não é uma simplificação?

      2) Seguindo do meu pensamento anterior: o pessoal não sabia nem o que queria, como poderia dar algum passo de mudança? Não havia lideranças, não havia proposta consolidada, não havia objetivo focado, não sabiam nem contra o quê ou quem estavam protestando…

       

  2. Teve sim e quase alcança o

    Teve sim e quase alcança o objetivo original, tirar o PT do poder. Um golpe branco. Atingiu outro objetivo, a redução da bancada petista na câmara e a pior votação que o partido já conseguiu em São Paulo. O resto ficou como está. Era um golpe da direita. Mais um pouco e teriam conseguido.

  3. O que teria levado perfis tão

    O que teria levado perfis tão distintos [coxinhas e black blocs] às ruas? 

    A vontade de derrubar o governo e, no caso específico da Sininho, a vontade de jogar bomba de prego e molotov na cara de quem discordasse dela…

  4. E eu pronto para formar um

    E eu pronto para formar um Conselho Popular de Black Bloc e outro de Coxinha… ìamos arrasar nas estatais e nas políticas governamentais…

  5. Concordo com Alan Souza

    O primeiro protesto: cruzamos com a garotada na rua, não sei se chegavam a ser alguma centenas.
    Acho mesmo que os famosos protestos foram ampliados pela nossa amável imprensa que não via a hora de criticar a Dilma. Infelizmente repercutiu lá fora come se fossem protestos oceánicos, enchendo praças e ruas… mas onde? Não no Brasil!

    Depois do primeiro protesto, se enfiou de tudo no meio: Black Bloc (verdadeiros e falsos), policiais, marginais, violentos, fascistas. E os verdadeiros “protestatários” ficaram na dianteira.

    Engraçado: a imprensa estrangeira ficou tão confusa, que durante o Mundial em boa parte criticou o governo brasileiro… e agora que tivemos eleições, são só elogios para Dilma, come se nada tivesse acontecido e como se fossem duas entidades diferentes.

    Isso quer dizer que nem jornalista estrangeiro se preocupa muito em aprofundar a realidade de um país que não é o seu…

  6. Não tem nada haver com

    Não tem nada haver com partidos e sim com reivindicar serviços publicos de qualidade.

    Os governos sempre declararam a dificuldade das ações de estado.

    Mas para a copa estas dificuldades deixaram de existir.

    Mudaram  a lei, mobilizaram recursos, planejaram, executaram sem as desculpas de sempre.

    O povo se perguntou pq o mesmo não é feito para a saúde, educação e segurança?

    O governo pode quando quer não faz por falta de interesse, falta de cobrança.

    E foi cobrado nos protestos,  esperando os resultados dos atuais governos eleitos.

     

     

  7. Esse assunto dá uma preguiça…

    1) O movimento do MPL estava previsto, eles fazem sempre que há aumento das tarifas e passa em branco. 

    2) Naquele ano tinha havido protestos em vários países e isso deu idéia a alguns de que poderiam instrumentalizar algo assim aqui: nunca se viu na TV tanta ênfase em movimentos rebeldes — na Turquia! — comentários do tipo “Os nossos jovens nao saem do Facebook”, etc (em plenas manifestaçoes, havia1 jovem com 1 cartaz: “Saímos do Facebook”; ou seja, nao saíram…); além disso, na semana anterior à em que seria o movimento do MPL houve grandes reportagens sobre as péssimas condiçoes dos transportes brasileiros; 

    3) Quando houve as primeiras manifestaçoes, a polícia do Alckmin foi muito mais violenta que de hábito (OK, ela é sempre violenta, mas foi até contra jornalistas); as imagens da violência bombaram no Facebook; 

    4) Isso pegou fogo, e houve manifestaçoes imensas e pacíficas — se bem que já com indícios de fascismo, ataques a bandeiras de partidos, etc. 

    5) A grande maioria dos manifestantes completamente alienados, nao sabendo o que é funçao de governo federal, estadual, municipal, “contra tudo que está aí”, sem discurso político e sem organizaçao. 

    6) Especulaçao minha: os incentivadores ocultos esperavam que o governo reprimisse; já havia movimentos de “solidariedade” aos manifestantes brasileiros em vários países, etc; relevo cada vez maior ao movimento Anonymous, provavelmente financiado de fora, bem como surgimento dos BlackBostas. Globo passa a fazer discurso de apoio a manifestaçoes, desde que pacíficas, mas só mostra ataques e depredaçao. 

    7) Dilma dá uma de estadista, e nao só nao reprime como aceita as reivindicaçoes

    8) Era importante agora fazer o movimento refluir, blackbostas foram essenciais nisso. 

    Agora, nao quero dizer que nao havia um descontentamento subjacente, claro que havia, ou o movimento nao atingiria as proporçoes que tomou. Mas todo mundo resolveu tirar sua casquinha. No Rio, Garotinho, milícias, tráfico, polícia, houve de tudo, até jovens militantes de extrema esquerda, além dos muitos coxinhas. 

    Se esses mesmos jovens se levantarao de novo é uma incógnita. Só posso esperar que ao menos estejam mais politizados… 

  8. Superaremos a conjunção cármico astrológica!

    A compreensão da ignorância é inversamente proporcional à própria ignorância, a mídia envenena e as pessoas expressam na linguagem da classe dominante o que conseguem ao abstrair a própria realidade: muitos começaram com manifestações de  mediunidade contagiante contra o efeito nefasto das injunções cármico astrológicas devido ao posicionamento de Marte em Escorpião, pois fortalece  Antares, a gigante vermelha; com o auxílio do trabalho coletivo de vocês, blogueiros e colaboradores democráticos, estaremos  a valorizar progressivamente a cultura de resistência da Periferia, enxergando o ridículo perigoso do mundo da Telinha, contornado os excessos descompensados das ultra esquerdas  e convergindo para o centro social democrata que abrirá para o sonho socialista. Daí o Aliança Liberal cortará os punhos, caso ele não seja um algoritmo paranoico metido a gente.

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