Devemos comemorar o dólar a R$ 3?

 
Por Ernesto Pereira | Artigo Publicado pelo site Brasil Debate 
 
Nas últimas semanas, o valor do dólar, que havia se aproximado de R$3,3 em meados de março, voltou a flutuar em torno de R$3,0. Muitos viram essa apreciação da moeda nacional como positiva ao considerar que, além de contribuir para a redução da pressão sobre o preço dos bens importados e conter a inflação, o aumento do ingresso de recursos financeiros que a impulsionou estaria refletindo, ao menos em parte, o afastamento do cenário de crise e a queda da percepção de risco em investir no País.
 
Por outro lado, aponta-se que o movimento apenas teria corrigido a depreciação excessiva do período anterior gerada pelo excesso de nervosismo no mercado financeiro. Apesar de plausíveis, tais considerações merecem alguns reparos.

 
Em primeiro lugar, deve-se notar que a desvalorização do Real no início do ano foi mesmo muito rápida, mas não excessiva. De fato, a taxa de R$3,0 por dólar não indica, em absoluto, a reversão do processo de valorização cambial ocorrido até 2011. Essa taxa permanece, em relação ao dólar, cerca de 15% valorizada frente à média de 2006, último ano em que a  balança de bens manufaturados do País mostrou equilíbrio, e mais de 30% frente a 2004, quando se iniciou o último ciclo de forte crescimento.
 
Em relação a outras moedas importantes, cujo valor diante ao dólar têm caído, particularmente o Euro, a sobrevalorização do Real é ainda maior. E é muito maior quando calculada pela variação relativa dos custos industriais, mais relevante ao avaliar o efeito sobre a competitividade da produção nacional.
 
Essa sobrevalorização se dá em um mundo abarrotado de estoques e capacidade ociosa, onde a concorrência é muito mais acirrada do que era até 2008 e é acompanhada pela enorme volatilidade das taxas, da qual a recente valorização de cerca de 10% em pouco mais de um mês é apenas um exemplo.
 
De fato, há tempos o Real tem sido a moeda com as maiores flutuações dentre aquelas dos principais países emergentes, aumentando a incerteza quanto à rentabilidade futura com que as decisões de investimento devem ser tomadas.
 
Em segundo lugar, a evolução recente mostra que não são os preços dos bens importados, diretamente afetados pelo câmbio, mas sim os dos serviços e os preços administrados, os principais responsável pelo aumento da inflação, o que limita o efeito anti-inflacionário da valorização cambial.
 
Em terceiro, se a redução na percepção de risco de fato se verifica entre investidores de curto prazo, que são aqueles responsáveis pelo grande influxo cambial registrado a partir de março, o mesmo necessariamente não ocorre entre aqueles cujo horizonte temporal é mais longo, como tende a ser o caso dos investidores em projetos de infraestrutura cujo retorno se dá, com frequência, em prazos superiores a 20 anos ou mais.
 
Ao contrário, a valorização cambial prejudica a atratividade destes investimentos, normalmente vistos como poderosos motores do crescimento e sobre os quais hoje recaem grandes expectativas. Isto porque, ao dificultar a redução do déficit em conta corrente do País, a valorização eleva o risco de que o Real venha a sofrer, dentro do horizonte desses investimentos, uma depreciação forçada substancial.
 
Ela ocorrendo, os investimentos financiados com recursos externos internalizados a uma taxa de câmbio apreciada seriam remunerados com um fluxo financeiro convertido pela taxa depreciada, reduzindo, em moeda estrangeira, sua rentabilidade e, eventualmente, tornando-os inviáveis.
 
Ou seja, por mais atrativas que, em Reais, as oportunidades de investimento em infraestrutura possam parecer, a queda na rentabilidade esperada gerada pelo risco decorrente da sobrevalorização e da volatilidade cambial pode fazer com que a entrada de recursos externos para investimentos de longo prazo se restrinja ao  financiamento dos projetos excepcionalmente lucrativos, limitando seu poder indutor sobre a atividade econômica.
 
Em quarto lugar, a sobrevalorização cambial, especialmente quando mantida por longos períodos, impacta pesadamente os investimentos e a produção na indústria, dado que a taxa de câmbio é, individualmente, o elemento que afeta de forma mais forte, rápida e abrangente a competitividade da produção no País.
 
O câmbio valorizado, ao diminuir a competitividade e, assim, a rentabilidade esperada do investimento produtivo, faz com que este, apesar de mais barato, se torne menos atrativo. Mesmo que, ao reduzir o custo dos insumos importados, possa favorecer um produtor nacional frente a outro que utiliza proporção menor desses insumos, a sobrevalorização prejudica a ambos diante do concorrente estrangeiro.
 
Com ela, por maior que seja a credibilidade na política econômica, a baixa rentabilidade do investimento produtivo conduz o empresário a não investir para elevar a produção e, ao contrário, a reduzi-la e transferir etapas produtivas ao exterior, convertendo a unidade produtiva em mera importadora.
 
A taxa de câmbio instável e continuamente valorizada compromete assim não apenas a exportação de manufaturados, mas põe em risco a própria sobrevivência de uma indústria capaz de reter participação relevante no mercado doméstico e se inserir em cadeias produtivas globais, além de limitar, é claro, seu papel na retomada da atividade.
 
A valorização recente do Real não deve, portanto, ser festejada; ao contrário, se mantida, deve ser vista com preocupação. Evidentemente, uma taxa de câmbio real competitiva e sem grandes flutuações não é condição suficiente para a recuperação econômica; contudo, ela é absolutamente necessária, especialmente em um contexto de duro ajuste fiscal inibindo a expansão da demanda.
 
Sem ela, dificilmente os esforços empreendidos tanto para atrair o capital privado, em particular o estrangeiro, para projetos de longo prazo em infraestrutura, como para induzir os empresários ao investimento produtivo, ambos fundamentais para a retomada do crescimento, apresentarão os resultados sobre a atividade econômica que deles se espera.
Redação

3 Comentários

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  1. dólar descontrolado

    O Nassif postou um excelente texto não sei se do Rossi ou do Bastos, alguém da turma do Brasil Debate, que colocava muito bem a questão cambial.

    Em poucas palavras, o autor dizia o seguinte: há que ter politica cambial informada pela política industrial e comercial, com autonomia (relativa, por supuesto) frente à política monetária. 

    Ter política cambial significa que o câmbio pode até valorizar durante algum tempo, que pode se valorizar relativamente a alguma moedas (mas não outras) e coisas do gênero.

    No Dilma 1, tivemos algo parecido.

    Foi claramente insuficiente, mas é bom lembrar que ela encontrou dois quantitiative easing no meio do caminho (sempre é bom lembrar que se um EUA da vida resolver desvalorizar sua moeda, ela vai desvalorizar, não importa o quanto uma economia que é 1/7 do seu tamanho resolva também desvalorizar a sua relativamente à moeda dos EUA), e uma inflação incômoda pra quem planejava se releeger. O balanço política monetária foi quase milimétrico: inflação quase batendo na meta em média e uma desvalorização real de quase 30%. 

    Agora dando a real: usando a conta pela paridade de poder de compra, falta muuuita desvalorização ainda. Tínhamos que estar com algo como R$4/1US$ e algo bem  maior contra o Euro e a libra. 

    Usando o câmbio efetivo do Ipea, 3,30 estaria bom e o da Funcex, uns 3,5. 

    A valorização recente é claramente uma má notícia, porque na verdade reflete antes que os EUA não voltaram a crescer pra valer (sim, isso seria uma ótiam notícia pra nós, por assim dizer, forças progressistas) e que a desmontagem do programa de SWAP não está se dando em uma velocidade adequada.

    Por outro lado, caso a desvalorização estivesse se dando mais rapidamente (mantendo a tendência até fevereiro), o balanço da petrobr´pas certamente sofreria e outro drive importante do crescimento a longo rpazo, que é seu plano de invesmentos, sofreria.

    Mas não é só: claramente o choque de juros demente que o BC está promovendo – em parte por que burramente todos só querem bater no ajuste fiscal de Levy, que é uma forma muito mais inteligente de segurar a inflação enquanto se faz o ajuste cambial! – certamente está piorando a vida adiante. 

    A esquerda está ajudando bastante, se unindo ao que hpa de mais fisiológico para impedir o ajuste correto e bem feito, ao mesmo tempo em que deixa os novos convertidos do COPOM a matar o crescimento de 2017 e 18, quando realmente fará diferença termos arrecadação e folga fiscal suficiente para ampliar os gastos.

    Como disse certa vez Sérgio Rouanet, o que melhor nos caracteriza culturalmente é a descrença na razão, não importa o matiz ideológico. 

     

     

     

     

     

  2. “Devemos comemorar o dólar a

    Devemos comemorar o dólar a R$ 3?

    claro que não… coisa corriqueira do mercado financeiro e da vida dos turistas tupiniquim

    …novidade nenhuma

    devemos, por exemplo, comemorar sim! quando governo dilma mais bc, na razão monetária de puro marketing sem fim… lançarem a nota de R$. 3!

    ai sim, é pra nóis comemora a grande sacada da política econômica do lulopetismo-neoliberal.

     

  3. outro efeito do real desvalorizado

    O post é impecável na sua argumentação. Eu gostaria de acrescentar um outro malefício do real sobrevalorizado. As taxas de juros exorbitantes pagas pelo governo não tem efetividade no controle da inflação via redução da demanda. Tais taxas só se explicam como mecanismos de atrair dólar especulativo necessário para fechar o balanço de transações externas. Com o real desvalorizado, nossa balança comercial ficaria muito superavitária e poderíamos operar com juros mais baixos, o que reduziria enormemente os gastos públicos. 

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