Regime fiscal e planejamento governamental, por Marcio Gimene e Pedro Rossi

Artigo do Brasil Debate

Por Marcio Gimene* e Pedro Rossi**

O Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) são instrumentos previstos na Constituição Federal que integram o planejamento governamental de médio prazo e as suas fontes de financiamento.

Ao conceberem este sistema formal de planejamento e orçamento, os constituintes exigiram dos dirigentes do poder Executivo a previsão e a explicitação das fontes de financiamento daquilo que pretendem realizar no período que vai do início do seu segundo ano de mandato até o final do primeiro ano do mandato do seu sucessor.

Assim, este ano o poder Executivo precisa enviar ao Congresso Nacional, até 15 de abril, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e, até 31 de agosto, os projetos de lei do PPA 2016-2019 e do Orçamento de 2016.

A confrontação entre os desejos dos governantes e os recursos disponíveis para realizá-los, invariavelmente, explicita a necessidades de se fazer difíceis escolhas entre legítimas demandas sociais. Porém, o jeitinho brasileiro consagrou a tradição de superestimar receitas para melhor acomodar as demandas no PPA e nos orçamentos anuais.

Quando o poder Executivo não utiliza deste expediente, são os parlamentares que o fazem. Todavia, logo após aprovado o orçamento anual, o Executivo publica um decreto de contingenciamento, trazendo para bases mais realistas as expectativas de receitas e despesas.

Neste jogo, o PPA e a LOA acabam desprestigiados. Em particular, a rigidez do regime de meta de superávit primário é um entrave que subverte a lógica do planejamento governamental, na medida em que o subordina aos objetivos de curto prazo.

Ou seja, grande parte do esforço de elaboração dos planos plurianuais e orçamentos é prejudicada pelo contingenciamento de despesas necessário para o cumprimento da meta fiscal. Esse problema não seria tão grave se não fosse o regime fiscal brasileiro que 1) inibe o investimento público e 2) é essencialmente pró-cíclico.

Com exceção dos gastos com juros, os outros gastos públicos fazem parte do esforço fiscal para cumprir a meta do superávit primário. Não se diferencia, por exemplo, gastos correntes e o investimento público – que aumenta patrimônio e frequentemente possibilita aumento de receitas do Estado no médio prazo. Os gastos com investimento são, contudo, peça chave no planejamento e dependem de horizontes temporais mais longos que os determinados pela meta fiscal.

Nesse sentido, a elaboração de planos de investimentos está sujeita ao anexo da LDO que pode, discricionariamente, contingenciar essas despesas e inviabilizar ou postergar esses projetos. Ainda que se procure preservar os investimentos prioritários em estágio avançado de execução, sabe-se que nesta lógica o início de novos investimentos costuma ser postergado. Afinal, é mais fácil cortar gastos que vão gerar benefícios futuros do que aqueles que trazem benefícios presentes.

A segunda inadequação do regime fiscal brasileiro é o seu caráter pró-cíclico. Nos momentos de alto crescimento, a arrecadação cresce e há incentivos para o Estado gastar mais. Esse gasto adicional, não planejado, pode gerar um excesso de demanda agregada e pressões sobre o nível de preços, em uma economia já aquecida.

Já no contexto de baixo crescimento, a busca pelo cumprimento da meta fiscal por meio de uma política fiscal emergencial e contracionista, para além de prejudicar o planejamento prévio, retira estímulos à demanda agregada de uma economia já desaquecida e reduz ainda mais o crescimento econômico. Em outras palavras, quando a economia vai bem, o setor público não faz poupança e, quando vai mal, o ajuste interrompe os projetos em andamento, contingenciando o investimento.

O fortalecimento do planejamento governamental no Brasil passa, portanto, por uma revisão do regime fiscal, de forma a neutralizar seu aspecto anti-investimento e pró-cíclico.

Flexibilizar a meta de superávit anual não é nenhum “experimento heterodoxo”, como mostram os exemplos da Inglaterra, onde o investimento não faz parte do esforço fiscal, e do Chile, onde a meta fiscal é ajustada ao ciclo econômico.

É importante, no entanto, que essa flexibilização ocorra com transparência e regras claras, estimulando a realização de investimentos públicos e privados e fortalecendo o papel contra-cíclico da ação estatal. Tais mudanças podem ajudar a recuperar um horizonte de longo prazo para as políticas públicas e a harmonia entre planejamento e execução do orçamento.

* Marcio GImene é presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Planejamento e Orçamento – ASSECOR

** Pedro Rossi é professor do Instituto de Economia da Unicamp
 

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Redação

2 Comentários

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  1. Quem recebe o BOLSA FORTUNA

    Quem recebe o BOLSA FORTUNA hereditária tem que parar de pagar MENOS impostos. Programa MAIS IMPOSTOS para os ricos. Esta reforma fiscal eu apoio.

  2. um orçamento participativo

    um orçamento participativo não deixa de ser um sonho a ser sonhado

    para evitar esse cipoal de possibilidade e conceitos

    sem a participação social, mais democrática.

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