Seria o fim do Made in China?, por Antônio Carlos Diegues

 

Artigo do Brasil Debate

por Antônio Carlos Diegues

Em debates recentes no Congresso Americano, representantes dos Partidos Democrata e Republicano manifestaram sua preocupação com a magnitude do déficit comercial estadunidense com a China. Segundo a interpretação destes, parcela significativa da competitividade das manufaturas chinesas estaria fundamentada na política de desvalorização artificial da moeda local, o yuan.

Neste sentido, com o intuito de se recuperar a competitividade da indústria americana frente à asiática, tais congressistas têm ensaiado a proposição de medidas que busquem penalizar as supostas ‘manipulações cambiais desleais’ de alguns de seus parceiros comerciais.

Apesar da dificuldade de se identificar e mensurar as referidas manipulações desleais, e da inadequação das medidas estudadas frente às diretrizes da Organização Mundial de Comércio, o fato que mais chama a atenção é a leitura aparentemente reducionista do establishment político e até mesmo econômico estadunidense acerca dos fundamentos da competitividade da indústria chinesa.

Segundo esta leitura, de maneira análoga às interpretações feitas nos anos 1960 e 1980 dos movimentos de industrialização japonês e coreano, infere-se que grande parte do diferencial competitivo chinês e até mesmo asiático derivaria apenas dos baixos custos de produção, os quais estariam sustentados em salários baixos e câmbio artificialmente desvalorizado.

É ocioso dizer que estes dois elementos contribuem para o desempenho manufatureiro chinês, entretanto, se configuram com apenas um dos elementos – que já tiveram mais importância – dentro de uma estratégia mais ampla de política industrial.

Ao analisar a evolução da política industrial chinesa desde o último quartel do século passado, este artigo defende a tese de que a busca pela competitividade manufatureira local tem se deslocado gradativamente de um modelo baseado no Made in China para um modelo em célere gestação caracterizado pelo Owned by China – ‘Propriedade da China’.

Como resultado do primeiro modelo, elementos centralizados na estratégia de se acoplar às redes globais de produção via oferta de manufaturados de baixo valor agregado e baixo custo de produção viabilizaram três décadas de pujança econômica. Em paralelo, este modelo também viabilizou a construção de um parque produtivo capaz de atribuir à China a alcunha criada pelo historiador britânico Hobsbawn para se referir à Inglaterra pós Revolução Industrial: a de workshop of the world. São exatamente os desdobramentos deste modelo que até agora têm causado inquietações em diversos policy makers do mundo todo, inclusive naqueles de países periféricos.

No entanto, parece-me cada vez mais que com a emergência do modeloOwnedby China – referenciado indiretamente inclusive em documentos do Partido Comunista – os objetivos da política industrial chinesa têm se deslocado gradativamente do binômio baixos custos / montagem de produtos de terceiros para uma estratégia que viabilize não só a construção de players globais como a também a de marcas internacionais de propriedade de empresas chinesas.

É exatamente neste cenário que se pode entender o movimento recente de crescimento substancial do IDE chinês, em paralelo à consolidação crescente, em escala global, das empresas constituintes do National Team local (formado por mais de uma centena de empresas com escalas gigantescas), as quais são por excelência os agentes executores da política industrial local.

Como resultados apenas iniciais deste modelo baseado no Owned by China, segundo dados do World Investment Report da UNCTAD, em 2013 a China já ocupava o terceiro lugar entre os países que mais realizaram IDE, atrás apenas de EUA e Japão.

Ainda a título de ilustração, um dos desdobramentos desta ascensão pode ser notado quando se analisa o número de empresas chinesas entre as maiores do mundo nos rankings elaborados por publicações como Forbes. Segundo ranking de 2014 desta publicação, que leva em consideração uma ponderação de variáveis como valor de mercado em bolsa, receitas, lucros e ativos totais, as três primeiras colocadas eram chineses, assim como cinco das dez primeiras.

Adicionalmente, além de possuir 207 empresas entre as 2000 listadas – atrás apenas de EUA e Japão, com 564 e 225 respectivamente – apenas em 2014, 25 empresas chinesas integrarama lista pela primeira vez.

Vale lembrar que neste cenário em que as empresas chinesas expandem seus investimentos em busca da construção de capacitações produtivas, tecnológicas, financeiras e de marketing nos principais mercados globais, o papel desempenhado pelo Yuan é muito mais complexo do que aquele observado entre as décadas de 1980 e 2000 e criticado abertamente pelospolicy makers internacionais.

Assim, ao mesmo tempo em que a manutenção de uma taxa competitiva é necessária para viabilizar as exportações de manufaturas Made in China, um movimento de valorização seguro e gradual do yuan no longo prazo – que já se iniciou desde 1995, quando se analisa a taxa real efetiva em relação ao dólar, e se acentuou a partir de meados dos anos 2000 –  contribui para reduzir os preços dos ativos internacionais em moeda local e assim viabilizar as estratégias de investimento global previstas pelo PCC para o modeloOwnedby China.

No entanto, apesar do aparente sucesso desta estratégia de inserir empresas chinesas em elos mais nobres das cadeias globais de valor, potencializando assim seu processo de catching up e sua capacidade de apropriação de valor, ainda restam dúvidas quanto aos espaços passíveis de contestação por parte do capital chinês em um cenário de crise prolongada nas economias centrais e de recrudescimento da concentração e da concorrência entre os oligopólios globais já estabelecidos.

Em síntese, apesar de ainda não ter sido compreendido em sua totalidade, o modelo Owned by China está em rápida gestação e, como sugerem os debates recentes no Congresso Americano, em um cenário de uma possível semi-estagnação de longo prazo das economias centrais as reações à agressiva política industrial chinesa não parecem contar com a mesma complacência dos anos 2000.

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Redação

3 Comentários

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  1. Fábricar dollar é exportar

    Fábricar dollar é exportar inflação é fácil.

    Para reverter o Made in China a lição de casa é dura e penosa. Penso que talvez seja mais fácil criar guerras e se intrometer em países que não aceitam os petrodollares do que levar a sério esse debate econômico de desvalorização de moeda como yuan da China.

  2. Politica industrial

    E aqui o chamado partido dos trabalhadores esta ha mais de uma decada no poder sem implementar uma politica industrial.

    Antes dele o chamado social democrata tambem nada fez.

    Ficam os dois brigando pelo poder e o emprego industrial saindo pela janela.

     

    1. Enquanto os feiticeiros

      Enquanto os feiticeiros sonhadores, com PhD, da classe média, não tiverem participação para valer no processo produtivo, os caciques financeiros só serão capazes de produzir tacapes de novas cores ou novo modelo de utilidade. Como o que resta de inculto na China, na ìndia, no Vietnam, na Malásia, e etc também sabem fazê-los e ainda mais baratos, só resta aos nossos campeões vendê-los. Não é atôa essa choradeira de apreciação cambial. Desvalorizar o real é aumentar a inflação e tornar os ativos brasileiros bem baratinhos para a aquisição externa.

      O Governo Federal tem mais é que investir pesadamente na educação tecno-científica e usar o poder do BNDES para bancar as novas ideias que surgirão na cabeça dos jovens provenientes de iniciativas tipo: Ciência Sem Fronteiras. Nossos “tycoons” só servem para vender água no deserto, com leis que impeçam a importação da mesma. Manter certos setores que não dependem da concorrência externa é importante para manter os empregos, como é o caso da cadeia do petróleo, construção civil e defesa nacional. Forçar até o limite do possível o empreendimento multinacional a empregar e contratar fornecimento de insumos internamente. Deixar os demais setores ao sabor da liberdade de mercado, que tanto demandam e jogar todas as demais fichas na verdadeira inovação.

      Vejam o exemplo da Embraer: foram os feiticeiros sonhadores da classe média, formados pelo ITA, ao receberem o suporte financeiro do Estado, que fizeram a empresa voar ao céu que hoje ocupa… Já que estamos privados do suporte financeiro existente no mundo desenvolvido: os chamados “Anjos”, que são os investidores que correm todos os riscos ao investir em “startups” , que se monte a base legal para o Estado fazer este papel.  

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