Sobre a recente queda da desigualdade de renda no Brasil, por Ana Luíza M. de Oliveira

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Artigo do Brasil Debate

Por Ana Luíza Matos de Oliveira*

De um dos mais utilizados manuais de microeconomia, retira-se a seguinte citação: “A desigualdade crescente pode ser desvantajosa para trabalhadores com baixos salários, cujas oportunidades limitadas podem levá-los a sair da força de trabalho e, no limite, podem até entrar para o crime. No entanto, ela [a desigualdade] também pode motivar os trabalhadores, cujas oportunidades para ascensão a partir de empregos de altos salários nunca estiveram melhores” (Pindyck e Rubinfeld, 2001: 529, tradução livre).

Assim, percebe-se que, para uma ala de economistas, a desigualdade pode ser considerada um incentivo.

No entanto, organizações internacionais como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) têm apontado para a necessidade de diminuir as desigualdades sociais e garantir a justiça social, permitindo que todos os cidadãos tenham acesso a oportunidades e possam desenvolver suas capacidades de maneira mais equitativa, como mostram relatórios dessas organizações que citaremos a seguir.

Entre 2002 e 2012, no Brasil, o coeficiente de Gini – que mede a desigualdade de renda – diminuiu de 0,59 para 0,53 (gráfico abaixo), enquanto, nesse mesmo intervalo de tempo, a razão entre a renda dos 10% mais ricos e a dos 40% mais pobres declinou de 22,2% para 15,4%.

grafico indice de gini Brasil

Além do índice de Gini e outras medidas de desigualdade, o percentual de brasileiros em situação de pobreza multidimensional caiu 22,5% em seis anos, segundo o PNUD.

E o 5º Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) mostrou que o Brasil avançou muito além da meta de reduzir a fome e a miséria pela metade até 2015. A redução da pobreza contribuiu também para a queda da desigualdade no País.

Apesar da melhora, é certo que o País continua apresentando altos níveis de desigualdade. No entanto, deve-se considerar que o aprofundamento das desigualdades econômicas e sociais alcançou, no período recente, o posto de uma das maiores preocupações globais, especialmente nos países ditos desenvolvidos e, nesse sentido (positivo), o Brasil vai na contramão.

Estudos mostram que a Europa ocidental e os Estados Unidos apresentam, a partir da década de 1950, uma queda na desigualdadeque se estende até a década de 1970 ou 1980, quando ocorre uma reversão. Esta remonta ao processo de desconstrução da arquitetura econômica e política que serviu de sustentação aos “anos dourados” do capitalismo do pós-guerra.

Adicionalmente, entre 1988 e 2008, o coeficiente de Gini (da renda) aumentou em 58 países, enquanto, no mundo, sete de cada dez pessoas residem em países cuja concentração dos rendimentos se ampliou no período recente.

Por outro lado, segundo a OIT , a proporção da população brasileira vivendo em situação de indigência reduziu-se de 25% da população em 2001 para 17,4% em 2009, e o pagamento de benefícios pela Previdência Social retirou da condição de pobreza cerca de 23 milhões de pessoas, com redução de 12,5 pontos percentuais na taxa de pobreza.

Nesse contexto, a Seguridade Social e em especial a Previdência Social brasileira podem ser consideradas como bem-sucedidas, com o Brasil sendo exemplo para outros países.

Outros estudos apontam que esta trajetória positiva se origina, não única mas decisivamente, na mudança da postura governamental, já a partir de 2003, mas mais visivelmente a partir de 2006.

Mudança essa respaldada pela existência do desenho institucional a partir da Constituição Federal: o governo passa a adotar políticas deliberadas de incentivo à atividade econômica, reposicionando o papel do Estado na promoção do desenvolvimento.

A queda da desigualdade de renda no Brasil se deve a uma combinação das melhorias observadas no mercado de trabalho (aumento do emprego assalariado, da formalização dos contratos de trabalho, dos rendimentos, especialmente os mais baixos, lutas dos sindicatos, diminuição do desemprego), programas de transferência de renda como o Programa Bolsa Família (PBF), desenvolvimento de uma rede de proteção social mais efetiva e maior crescimento econômico, apesar da crise econômica mundial.

A implementação e expansão dos programas de combate à pobreza complementam a redução da desigualdade de renda, com preponderância do aumento das rendas derivadas do trabalho.

Fica clara a necessidade da manutenção e ampliação dos programas sociais e da assistência social, conjugados à melhora dos índices do mercado de trabalho, para a continuidade da diminuição da desigualdade no País.

Ainda é importante uma reforma tributária que permita mais progressividade nas tributações, a redução das taxas de juros e o fortalecimento de um padrão de desenvolvimento que dê acesso a direitos, tais como terra, moradia, saúde, educação, saúde, lazer, segurança, previdência social e transporte.

Não se pode esperar que mecanismos “automáticos” de mercado resolvam os problemas de desigualdade enfrentados no País, pois o sistema capitalista não os corrige automaticamente.

A desigualdade no capitalismo sempre se recoloca, especialmente considerando o tipo de desenvolvimento capitalista brasileiro, do tipo tardio, mais desigual que o dos países ditos desenvolvidos.

Para a diminuição da desigualdade social e para a melhoria do mercado de trabalho, é necessário que o Estado assuma seus compromissos com a classe pobre e trabalhadora e aprofunde as políticas aplicadas nos últimos 10 anos.

Avançamos e é preciso avançar mais. Porém, isso só continuará ocorrendo por meio da luta política: só assim será possível continuar a valorizar o salário mínimo, aumentar a formalização da economia e ampliar programas sociais, com impactos na pobreza e a desigualdade no País.

* Ana Luíza Matos de Oliveira é economista (UFMG) e mestra em desenvolvimento econômico (Unicamp). Colaboradora da Fundação Perseu Abramo na área social e do site Brasil Debate

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Redação

5 Comentários

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  1. coisa nova

    Oh.!!!!!!………….Ana Luiza..por favor  diga coisa nova..

    Seu texto s encontra em qualquer manual de microeconomia neo-liberal.

    Diga por exemplo  como gerar oportunidades ..

    Diga por exemplo  como  aumentar  a renda individual  sem aumentar a renda da sociedade.

     

    Seu texto :  ….”

    Para a diminuição da desigualdade social e para a melhoria do mercado de trabalho, é necessário que o Estado assuma seus compromissos com a classe pobre e trabalhadora e aprofunde as políticas aplicadas nos últimos 10 anos….. “

    é  muito vago.

    Qualquer comunista  ou liberal diria isso.

    Voce  não se posicionou  sobre  o Estado.

    Voce não mencionou como a classe pobre e trabalhadora ( e a classe pobre e não trebalhadora ) vai se aproveitar do compromisso do  Estado.

    Enfim….gastar tinta  com esse seu estudo  é disperdicio.

     

  2. O que esses ideólogos se

    O que esses ideólogos se recusam a entender é que quando as desigualdades são tão grandes, nem os mais ricos empregam todo seu potencial e energia, dado que suas posições estão garantidas, nem, tampouco, os mais pobres o fazem, porque as possibilidaeds de sucesso se restringem, o que leva ao deesalento. Enfim, a desigualdade, no limite, é contraproducente, leva à ineficiência de alocação de recursos, inclusve quando se percebe a demanda por mais gastos com segurança, etc.

    Mas quem insiste nessa visão individualista sem método não tem como enxergar nada isso. O pressuposto, vvamos dizer, “filosófico”, dessa turma é o de que cada um agindo pelo seu auto interesse a ordem social se dá de forma automática; no popuular, o velho cada um por si e deus por todos.

    Mas, não. No cada um por si o que se consegue é conflito, incerteza e inação. Mais do que isso: os ditos liberais não entendem nem o que mais defendem, a liberdade. O essencial de todos os contratualistas responsáveis consiste em entender que para garantir a liberdade, cada indivÍduo precisa renunciar a uma parte dessa mesma liberdade para sair do estado de natureza e ingressar no estado civil. Muitos juriistas, aliás, não só economistas, também não entendem o significado do conceito de “reserva legal”.

    Essa é uma das contradições fundamentais das sociedades modernas, para garantir a liberdade, é nececssário renunciar à uma parcela dela. Isso já nos próprios “fundamentos”. Na vida prática o que se vê é mais ainda: o que se nota é uma desigualdade de liberdades. Alguns indívíduos renunciam a menos e outros a mais dessa liberdade. Allguns “liberais” não entendem isso. Por isso tendem a achar que a Iguladade, conceito gêmeo da Liberdade, é coisa de comunista, socialista, chavista, stalinista, comedor de criancinha, etc.

  3. Os avanços do bolsa família

    O bolsa família, programa do governo Lula, não só unificou o bolsa escola, auxílio gás, o cartão e a bolsa alimentação da época do Fernando Henrique Cardoso, como ampliou o programa, de modo a inaugurar uma nova forma de os brasileiros acessarem uma parte dos direitos básicos. Há muitas vantagens nesse programa, sobretudo, porque é um meio eficaz para trazer dignidade e liberdade para uma parcela da sociedade que se encontra à margem. De acordo com Philippe Van Parijs, um dos idealizadores do projeto de renda básica ou alocação universal, cujo projeto intelectual ajudou a institucionalizar o bolsa família no Brasil e em outros países, a grande transformação do século XXI será a renda básica, moldando, por exemplo, os debates, o trânsito de ideias e a realidade. No governo da Dilma não foi diferente, pois o bolsa família registrou melhoras, ano a ano, no sentido de ter conquistado maior igualdade e acesso aos direitos básicos, como tem ressaltado os estudos dos economistas Ricardo Paes de Barros, Marcelo Nery e Rodolfo Hoffmann, e o reconhecimento internacional com o prêmio da Associação International de Seguridade Social, recebido este ano. 

    Nestas eleições, há uma nebulosidade em torno das propostas e dos reais termos em que os programas serão mantidos. Basta ver o projeto do Aécio Neves de transformar o bolsa família em política de Estado (algo que negligencia o fato de o bolsa família já ser instituído por lei), escondendo, porém, que pretende reduzir o valor para a configuração de situação de pobreza e o tempo de permanência no programa, se houver incremento na renda (atualmente, o valor é de meio salário minímo e o beneficiário pode continuar a ser contemplado, em caso de melhora de renda, por dois anos).
    Marina, igualmente a Aécio, promote continuidade, porém não esclarece quais serão as condições e critérios para a manutenção do benefício. Quando ela diz, abstratamente, que o bolsa família precisa entrar em uma terceira geração de programas sociais, não explicita sua aplicação concreta e escapa ao enfrentamento do problema central da distribuição de renda básica. Ademais, resta saber sobre a permanência de certos pontos em seu programa, que, oportunamente, são retificados ou suprimidos, em uma variação que parece ser mais uma estratégia eleitoreira do que um objetivo de política pública. 
     

  4. Desigualdade Social

    Achei o texto com argumentos consistentes, mas muito acadêmico.

    Ouvi uma entrevista de Thomas Pikkety na Globo News, entre outros fatores, ele falou algo que considero muito importante. Ou seja, a questão da desigualdade é política e , portanto, é esse contexto que deve pautar a discussão da atual campanha eleitoral.

    Discutir questões eminimente econômicas sem que sejam atreladas a uma política social que distribua rendas é ineficaz.. O que existe atrás de ajustes fiscais, cambio flutuante e outras receitas, diminuirá ou não a desigualdade.

    De acordo com Thomas Pikkety aumentos do PIB não necessáriamente implicará na referida questão, se, por exemplo 3/4 for parar na mão dos mais ricos. será que os candidatos ou seus assessores não leram o livro? Há tempo para mostrar qual é a verdadeira questão: vamos ou não continuar a diminuir as desigualdades sociais e regionais.

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