PORQUE MARINA

Quem conhece Marina, sem filtros, sabe do que é capaz, embora lamente que não venha conseguindo nesse primeiro turno externar como deveria as fortalezas que a identificam, e os diferenciais que traria em um eventual Governo.

Numa campanha em que não ajuda em nada o antipetismo cego, tampouco o petismo sem autocrítica, será um luxo para o país caso se confirme um segundo turno entre Dilma e Marina, sem medo de ser feliz.

E entre as duas, porque Marina?

Na economia, muito barulho em torno de suas propostas, embora nada tão díspare do que foi com Lula-Meireles ou é hoje no Chile. Não agrada a idéia de BC independente, mas nem por isso todos os chilenos votam em banqueiros ou estão sem comida na mesa. Com Dilma ou Marina, sem ilusões, os modelos econômicos continuarão submissos as regras do tal mercado, basta ver os lucros recordes do setor financeiro nesses anos todos de Governo PT. Isso posto, o que Marina traz de novo é onde a visão petista engatinha: o viés da sustentabilidade, com maior atenção e incentivos de transição para a eficiência, fontes renováveis, baixo carbono, consumo consciente, uma tendência mundial, inevitável, fundamental para acelerar o país rumo ao futuro.

Na política, seria ingenuidade dizer que o Projeto Marina está imune à contradições, ou achar que ganhando vai habitar um ambiente com uma outra cultura política  – aliás, ela nem deveria insistir no termo “Nova Política”, que ficou lá atrás no projeto original da Rede, algo que poderia ter sido uma versão BR do “Nós Podemos” espanhol. De qualquer modo, Marina pode tudo se o PT de hoje tem ao seu lado Katia Abreu, Sarney, Renan, Maluf e Collor. É claro que governará com os Partidos, que terá que fazer alianças, e que algumas causarão surpresas. Mas entre o conformismo de quem já está aí e o inconformismo de quem quer estar, Marina merece um voto de confiança. Já estará de bom tamanho se conseguir instituir uma rotina com um pouquinho mais de programa e menos de fisiologismo.

Nesta disputa de 2014, muitos relembram a campanha do medo em 2002, que pregou o caos no caso de uma vitória de Lula. Embora ele contasse com toda uma estrutura partidária e de campanha que Marina não tem, em função da desconfiança gerada na época, Lula também teve que sinalizar de forma assimétrica aos mercados, banqueiros e empresários para ganhar as eleições. Deixou muitos petistas descontentes, da mesma maneira que Marina descontenta uma parcela dos seus apoiadores de hoje, ora pelo que afirma, ora pelo que deixa de falar. Se usará e será usada por grupos conservadores, pode acontecer, já que todos que prometeram mudar o sistema acabaram sendo mudados por ele. Se o PSDB guinou do centro para direita, o PT foi da esquerda para o centro. Méritos ao Marco Civil da Internet, PNPS, linhas de créditos aos pequenos,… mas não dá para dizer que é tanta esquerda assim um Governo com maioria no Congresso tão atento aos interesses do agronegócio e tão desatento a reforma agrária. Ou que deixa um Feliciano para cuidar da Comissão de Direitos Humanos e um Blairo Maggi para a de Meio Ambiente. Ou que coíbe manifestações populares e cria uma Força Nacional para enfrentar a resistência dos povos indígenas aos grandes projetos na Amazônia.

Marina vem do Movimento Social. Não desmerece Sindicatos ou União de Estudantes quando reconhece que outros também podem se manifestar. Significa que compreendeu as dinâmicas de mobilização dos novos tempos, como ocorreu nos protestos do ano passado. Imagino ainda que no Governo, não apenas dará mais ouvidos às ruas, como também estabelecerá uma relação mais saudável com os Movimentos organizados, que poderão sair da letargia e retomar de forma mais ativa o diálogo crítico e construtivo, como deve ser as relações entre Governos e Não-Governos.

Quanto aos Ministérios, a questão não é o número de pastas, e sim a competência de quem está a frente delas. Na escolha dos “bons”, Dilma tem razão ao afirmar a obviedade de todos quererem governar com os melhores ao seu lado, não apenas Marina. A questão então são as escolhas. Se os bons para ela são Edson Lobão, César Borges, Cardoso,…, não só Marina como muitos outros podem fazer melhor.

É nas políticas sociais que a história do nosso país tão desigual deve mais agradecer ao PT. Por isso Lula, por isso Marina, que diferente de Aecio, tem nas trajetórias de vida a superação que usam como força interior para perseverar no combate às desigualdades. Não que sejam salvadores da pátria, mas é uma índole fundamental para todas as tomadas de decisões, não apenas pela continuidade de programas como Bolsa-Familia, Minha Casa Minha Vida,… como também para as políticas de saúde, educação, previdenciárias,… Enfim, quem conhece Marina sabe que ela tem em seu DNA de vida a força para decidir pela ascensão de quem está embaixo, independente das pressões contrárias de quem está lá em cima e não quer compartilhar os espaços que até então chamam de seus.

Entre Marina e Dilma, também com uma história de respeito, ainda no campo da Justiça Social, há diferenças que merecem destaque, como no trato das populações mais vulneráveis aos processos  locais de desenvolvimento, sobretudo os povos tradicionais. Como bem diz o Professor José Bessa, “as sociedades indígenas constituem um indicador extremamente sensível da natureza da sociedade que com elas interage, é na política indigenista que cada candidato vai mostrar sua cara.” Nesse quesito, Marina é forte onde Dilma é muito fraca.  Mas se engana quem pensa que com ela não haverá hidrelétricas na Amazônia. No entanto, Marina poderá conduzir melhor a implantação de obras com grande impactos socioambientais, com o público vindo antes do privado, com a definição dos prazos necessários para estudos sérios, consultas prévias em conformidade com a Convenção 169,… que coloquem o timing dos povos afetados antes da pressa das grandes empreiteiras.

Quanto a política externa, o mundo precisa mais de líderes do que de chefes. Já foi a época do “inimigo do meu inimigo é meu amigo”. Nesse aspecto, Lula deixa saudades diante da falta de carisma de Dilma. Trabalhou muito bem com os EUA (inclusive com Bush) e Europeus, ao mesmo tempo que fortaleceu nossas relações com a América Latina e as Nações do Sul. Talvez Marina possa suprir em parte essa lacuna, com sua visão humanista somada à forte agenda socioambiental em tempos de emergência climática, isso no país detentor da maior biodiversidade do Planeta. Ela não nega a importância estratégica do Pré-sal para o Brasil no Mundo, mas sabe que não é nada comparado com nossa Amazonia, se quisermos liderar o futuro.

Se os Governos PT tiveram o mérito de absorver as premissas da estabilidade econômica para avançar dai para um forte programa de inclusão social, Marina pode aprofundá-lo, avançando para o socioambiental e enviesando a agenda para sustentabilidade, cada vez mais importante nos tempos atuais.

Infelizmente, ainda existem alguns setores da velha esquerda que desdenham da questão ambiental, compreendendo-a como luxo romântico de quem a defende. Atualmente, existem no mundo mais refugiados ambientais do que de guerra, atingindo principalmente as camadas mais pobres da população. Não se pede que esqueçam Marx, mas sim as minas de carvão. Se Zola estivesse vivo, estaria reescrevendo Germinal sob a ótica do Baixo Carbono. Hora de rejuvenescer.

Marina é diferente de Eduardo Campos. Deve-se levar em conta suas dificuldades ( ou de qualquer outro que fosse) para montar de improviso uma campanha presidencial viável e colocá-la às pressas num Coliseo complexo, cheio de leões e labirintos. Como agravante, nessa disputa do primeiro turno, soma-se o pouco tempo de TV e condições muito inferiores às de seus adversários. Não conseguiu até agora expor tudo como gostaria, mas se quiser ganhar as eleições, é de se esperar que o faça caso se confirme sua ida para o segundo turno. E que nessa etapa, com mais condições, que encontre forças para sair da defensiva e pautar o debate não apenas em torno de legados, mas também de futuro.

Com a vitória ou não de Marina, o efeito de sua candidatura já terá sido benéfico. O país não está o caos que muitos pregam, mas pede mudanças. Dilma faz uma campanha para ganhar como se não houvesse amanhã. Se levar, que tenha a sabedoria para fazer uma releitura de seu Governo, aproveitando desde já também os aprendizados que o “efeito Marina” traz para reciclar e fazer um upgrade em sua máquina já bastante fadigada para iniciar uma nova viagem.

Por tudo isso, será um grande ganho para o país a oportunidade de um segundo turno entre essas duas mulheres.
 

 

Redação

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