Como avaliar o comportamento da mídia na crise do impeachment

Enviado por Cintra Beutler

do Observatório da Imprensa

Como avaliar o comportamento da mídia na crise do impeachment

Por Elstor Hanzen 

O desenvolvimento moral e ético se dá nesta ordem crescente: agimos para evitar a punição e obedecer a figuras de poder; somos movidos em função do desejo de sermos recompensados, percebemos as ações como “certas” à medida que elas atendam aos nossos interesses; na terceira etapa, somos orientados pela necessidade de aceitação social; depois reconhecemos os deveres como membros da sociedade, preservando a lei e mantendo a ordem social; e nas duas fases finais, também chamadas de “pós-convencionais”, quando somos guiados pelo senso deutilidade social, além de reconhecermos a universidade dos princípios morais – o fato de que temos obrigações morais para com a comunidade humana independente de uma lei ou cultura particular.

Essas etapas são estabelecidas pelo pesquisador e professor de jornalismo Patrick Lee Plaisance, na obra Ética na comunicação: princípios para uma prática responsável. O americano se baseia em diversos teóricos e filósofos – inclusive Aristóteles e Kant – para definir os conceitos. Para ser mais didático, o autor compara essa evolução ao crescimento físico da pessoa. “Começamos como crianças autocentradas apenas em nossa própria satisfação, e, à medida que crescemos, a nossa esfera de preocupação – e a aplicação de determinados princípios – se expandem gradativamente para englobar mais pessoas”.

Contudo, Plaisence reconhece ser muito raro uma sociedade ou profissão atingir os dois últimos níveis. Ele afirma ser mais comum evoluir até a etapa quatro. Esta reflete as expectativas da sociedade, e é a que a maior parte dos adultos atinge e permanece. Um exemplo disto seria quando um jornalista inseguro em relação a abordar uma determinada questão, procura corresponder às convenções da redação e agir conforme seus colegas agiriam na mesma situação. Já no estágio mais avançado, o comportamento seria outro: o jornalista poderia refletir e decidir se determinada informação deva ser deixada de fora de uma reportagem em resposta às preocupações válidas do personagem daquela reportagem.

Antes de avançarmos, porém, é importante aprendermos a diferença entre moral e ética. De acordo com Plaisance, a dimensão moral consiste num conjunto de crenças e de costumes adotados que ajudam a entender o que é bom e o que é mau na sociedade, isto é, a moral possui um ordenamento das práticas cotidianas que nos interpelam e pelas quais damos valor a certas ideias. A ética desenvolve-se quando a moral já não mais dá conta da complexidade dos questionamentos postos. A ética tenta chegar ao âmago dos nossos sistemas de crenças que entram em conflito. Segundo Plaisance, a ética fornece uma base sólida para o desenvolvimento das questões morais.

A crise e o jornalismo

A fase conturbada da política no Brasil e a cobertura que a mídia faz dos acontecimentos são casos concretos nos quais a moral e a ética se evidenciam. Pode-se observar, por exemplo, que há uma orientação sistemática por parte dos grandes grupos de comunicação na ênfase e na publicação dos eventos – com preferência a uma tendência político em detrimento à outra – independente da qualidade e da importância dos fatos envolvidos.

A votação do processo de impeachment da presidente da República pelos Deputados ilustra bem tal realidade – em que a disputa se deu puramente por motivações pessoais e pelo desejo de poder, alheio a qualquer projeto de interesse da população. Então, antes de tudo, caberiam questões básicas: a quem interessa toda esta guerra? Não será um dilema falso? Porém, a mídia não questiona isso e ainda se presta a instrumento para viabilizar este modelo de debate, e nem sequer dá importância aos meios e a moralidade dos personagens envolvidos no enredo, a fim de oferecer informações equilibradas à população – o que é a função precípua da imprensa – para que cada um pudesse formar seu juízo.

O processo em pauta que apura a ilegalidade do Governo contra a Lei Orçamentária foi julgado e liderado pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB), que é investigado por dezenas de crimes contra o erário, sendo ele mesmo afastado do seu mandato pela Justiça. Além do mais, a maioria dos deputados que votaram pelo impeachment, eles próprios são investigados por corrupção ou têm relação estreita com a imoralidade, como a deputada Raquel Muniz (PSD), que elogiou o marido prefeito como exemplo de moralidade na administração pública, porém, no dia após a votação, o prefeito de Montes Claros (MG) foi preso pela Polícia Federal.

Transparência

Segundo Plaisance, a ética se preocupa com as qualidades dos questionamentos morais. É a transparência que nos permite a avaliação do comportamento dos sujeitos. Acima de tudo, porque assim se respeita o outro como ser humano, e, portanto, com capacidade de razão. E não respeitar o princípio de transparência é não respeitarmos o ser humano como um ser capaz de raciocinar e tomar suas decisões, isto é, o princípio de liberdade. O próprio Código de Ética estabelece um elo direto entre os princípios de transparência e de liberdade, sendo que não há possibilidade de existência de um sem o outro.

A transparência vai além da possibilidade de pôr em visibilidade certos atos. Para Plaisance, a transparência é deixar em evidência nossas motivações, aspirações e intenções para os demais, para que assim eles possam como seres racionais avaliarem nossas ações. Todo o agir ético deve assumir o homem não como um meio, mas como um fim em si mesmo. E ao negar informações estamos negando a possibilidade de racionalização do outro, portanto, estamos tornando o outro como um mero meio ou objeto. É a transparência que nos permite a avaliação do comportamento dos sujeitos.

Os fins justificam os meios

A partir do princípio mais básico e categórico da ética, é preciso considerar os meios e a qualidade dos valores envolvidos para se obter uma resposta justa ao fim de um processo, ao contrário do princípio maquiavélico, portanto. E o jornalismo e a política, mais que qualquer outra profissão, deviam-se valer do mais elevado nível moral e ético, uma vez que a credibilidade e a sobrevivência deles depende disso.

O que se depreende do exposto é que a mídia não tem feito as perguntas certas nem considerado a moralidade dos personagens envolvidos na produção dos fatos. Apenas vem fazendo a cobertura e publicando massivamente notícias sob o mesmo enfoque, a fim de endossar a tese do impeachment como solução para a saída da crise, sem levar em conta os interesses e a transparência dos meios usados para alcançar tal objetivo. Portanto, conforme Plaisance, este tipo de comportamento está no nível dois, quando somos movidos em função do desejo de sermos recompensados, percebemos as ações como “certas” à medida que elas atendam aos nossos interesses.

Logo, para se fazer um bom julgamento ético, é necessário primeiro ter informações de qualidade que respeitam a universidade dos princípios morais, ou seja, o fato de que temos obrigações morais para com a comunidade humana independente de uma lei ou cultura particular. Entretanto, se quisermos ser uma sociedade com nível quatro de ética, denominada de estágio “convencional” por Plaisence, o qual reflete as expectativas básicas da sociedade, precisamos evoluir mais.

*** Elstor Hanzen é jornalista com especialização em Jornalismo e Convergência das Mídias

Original em: http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/o-comportamento-etico-da-imprensa-na-crise-do-impeachment/

Redação

8 Comentários

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  1. A Band hoje à tarde mostrou

    A Band hoje à tarde mostrou imagem aérea da Paulista congestionada de carros e informou que tratava-se de uma manifestação no MASP a favor de Dilma. A manifestação em si não foi mostrada, não deu nem pra saber se tinha muita ou pouca gente.

  2. Falência Moral e Ética do Brasil

    Vaza por todos os poros a falência moral e ética do Brasil e seus representantes.

    Não se analisou a motivação da ação do Presidênte da Câmara dos Deputados Federais, Waldir Maranhão, exigindo que lhe pagassem o pau para ele integrar ao script do processo de impedimento que está sendo urdido por ambas as partes, mas que se mostram velhacamente antagônicas. Farsa rocambolesca e circence.

    Só um ingênuo para pensar que num país onde 90% senão 110% dos envolvidos com o governo brasileiro estão enfiados até o pescoço em falcatruas penais e devem satisfações com a justiça não existe uma luta de vida e morte para escapar da punição e da cadeia, assim, mesmo a mídia e a net não falando, fica claro e evidente que o atual processo foi montado para que não desse em condenação a nenhum dos bandidos que assaltaram o povo e a nação, livrando-os de penas e punições.

    O Maranhão pegou o bonde andando e quis receber sua parte para manter a farsa do impeachment que irá absolver a todos, os articuladores não contavam com sua ousadia, e cá entre nós, se você quer vencer é preciso ser ousado, anulando a votação ele conseguiu o seu intento. Agora que já foi devidamente integrado e recompensado pode continuar na presidência.

    O roteiro do Golpe, que é útil para a pizza na esplanada, mas que sucumbe o Brasil nas trevas e liquida de vêz com o povo, esta sendo executado, como se vê, aos trancos e barrancos. Com surpresas de todos os lados, mas com um só intento, passar a conta de forma final e inexorável para o Brasil e sua população.

    O Nassif, dono do espaço colaborativo aqui, deve estar inteirado de alguns destes detalhes que estão sendo omitidos, mas que transparecem nestes momentos singulares, como a anulação de sessões pelo Maranhão e outros, mas colabora para o andamento da farsa. Os dois lados, tanto o governo da dona Dilma, como a oposição, vejam que existem condenados de todas as cores, remam para o mesmo objetivo. A democracia brasileira foi liquidada e enterrada, o que exigirá uma luta imensa para a sua retomada.

    Por outro lado, como a solução para os problemas reais do Brasil e sua população escapa ao alcance intelectual dos bandidos que estão fugindo da cadeia, ou seja, a formulação de política pública que entregue Rumo, Norte e Estrela para o Brasil, quando conseguirem o seu intento de absolvição, já terão destruído todas as condições anteriores de um desenvolvimento saudável e pacífico.

    O Brasil e seu povo não merecem isto, uma injustiça sem tamanho está sendo perpetrada contra nós, a vingança será maligna.

  3. Maquiavel com dinheiro não combina, é o Bruno que vale

    A mídia sucumbe não porque os meios e a qualidade dos valores envolvidos falsificam a opinião, que deixa de ser justa, mas porque a mídia não consegue se ligar ao seu leitor (lembra da folha de rabo preso com o leitor).

    O discurso da mídia inelutavelmente soará falacioso, pois em confronto com o que o seu interlocutor percebe e acredita.

    Se, numa hipótese remota o discurso de baixo valor preponderar, o dinheiro que depende deste mesmo mecanismo falhará e o caos social será inevitável.

  4. .

    Parte do texto do artigo publicado no Viomundo:

    Com linguagem macartista, Globo estimula Temer a caçar “dissidentes”: Rimoli assume a EBC

    http://www.viomundo.com.br/denuncias/com-linguagem-do-macartismo-globo-convoca-temer-a-adotar-caca-as-bruxas-contra-dissidentes.html

    (…)

    E o jornal O Globo, agora, incita Temer a praticar um macartismo tosco, a começar da EBC, onde os golpistas pretendem instalar… um ex-funcionário da Globo.

    Em editorial, o jornal dos herdeiros de Marinho escreveu que “era preciso começar, e uma primeira medida correta foi a exoneração, pelo ministro da Secretaria de Governo, Eliseu Padilha, do diretor-presidente da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), Ricardo Melo. Caso exemplar de aparelhamento, a EBC, controladora da TV Brasil, rádio e agência de notícia, fora convertida em instrumento de propaganda lulopetista. A um custo anual de R$ 750 milhões, dinheiro que estaria sendo várias vezes mais bem empregado se de fato a empresa se pautasse pelo interesse público e não partidário. E nem isto ela fazia bem, pois a audiência de seu veículo potencialmente mais poderoso, a TV, é traço. Não alcança sequer a militância, servia apenas para abrigar apaniguados”.

    A Globo sempre sonhou com a extinção da TV Brasil, não pelo que ela hoje representa, mas pelo potencial que tem de fazer sombra à programação abjeta imposta aos brasileiros pelo monopólio.

    Instalado um diretor-presidente do gosto da Globo na EBC, podem ter certeza que a TV Brasil não vai deixar de existir: vai se tornar uma sucursal de luxo dos Marinho, uma produtora terceirizada para, com dinheiro público, fazer aquilo que comercialmente não dá retorno financeiro à Globo.

    Isso sim, é o verdadeiro aparelhamento, que já aconteceu na TV Cultura de São Paulo.

    Diz mais o editorial: “Costuma-se alegar que muitos servidores concursados ocupam estes postos. Mas isso não significa que não haja entre eles militantes do partido. É quase certo que aqueles que fizeram uma manifestação contra o novo ministro da Educação, Mendonça Filho, na frente dele, no dia seguinte à posse, eram servidores estáveis”. Aqui, os Marinho rasgam a fantasia e falam em fazer limpeza ideológica, pura e simplesmente.

    (…)

    A fúria dos Marinho ressurge na frase final, quando é sugerida uma caçada aos dissidentes com menção à palavra “aparelho”, como aqueles que eram estourados pelos militares durante a ditadura com ampla cobertura do Globo, replicando as mentiras do governo: “O potencial de descalabros neste universo de cargos comissionados é enorme. Pois, ao todo, chegam à faixa de 100 mil. O novo governo tem de se preocupar com esta infiltração gigantesca. Não só devido a aspecto financeiro, mas também por segurança, autoproteção, pois cada aparelho mantido deverá funcionar com intenções de sabotar a administração”.

    Joseph McCarthy não faria melhor.

    PS do Viomundo: Laerte Rimoli, que trabalhou na Globo e nas campanhas de Geraldo Alckmin e Aécio Neves, assumiu a presidência da EBC mesmo com um mandado de segurança em andamento no STF. Indicou Christiane Samarco para a direção geral.

  5. TV Brasil

    Hoje teve um expressivo ato de apoio em frente a TV Brasil no Rio de Janeiro com um enorme público e nem você Nassif, nem o Reporter Brasil mostraram videos com as falas dos Deputados Federais. Jandira Feghali, Wadhi Damous, do Seandor Lindenberg e a passeata que saiu da TV Brasil e foi ate o Capanema..Nada…Será que a censura do novo diretor já começou?

  6. A midia é bandida e vendida

    A midia é bandida e vendida aos interesses estrangeiros do grande capital, é antidemocratica e antipatriotica, na realidade só se pode falar em midia nacional por que ocupa o solo patrio de resto defende interesses escusos que não são os mesmo do povo brasileiro, é uma máfia.

  7. Das crises

    Aqui tanto se fala de crises, mas aos meus botões sempre digo : a maior, a mais importante, a mais significativa , a mais devastadora, a mais transformadora, a mais doída para o povão é a crise econômica. As outras crises é café pequeno para o brasileiro que, mesmo  inconscientemente, sabe da sua insignificância para determinar o destino do país.

    Aos borbotões os protestos políticos invadem a mídia teorizando sobre as culpas e os culpados, meras palavras inócuas que nunca impedem, previne ,evitam ou corrigem ao longo da nossa história os  incontáveis desencantos da vida nacional.

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