A transexual crucificada, os arautos do ódio e a disputa pela palavra cristã

Verônica Bolina, outra vítima da intolerância dos cristofóbicos?

Por Daniel Gorte-Dalmoro

Viviany Beleboni cutucou com vara curta os arautos do ódio – Viviany é a transexual que apareceu crucificada na décima nona parada GLBTS de São Paulo, no domingo, dia sete. A reação foi a esperada: “São pessoas que não tem respeito a ninguém; são pessoas que são preconceituosas, sim; são pessoas que são intolerantes, sim (…). Estou indignado aqui com o que aconteceu na Parada Gay de São Paulo. Estou indignado por terem pegado os símbolos da minha fé, que é a fé cristã, e exposto publicamente num ato de completa falta de respeito. Estou falando aqui de pessoas que acham que seu direito é maior do que o meu direito”, disse, em vídeo na internet, o pastor e deputado Marco Feliciano. Ele ainda pede a união dos arautos do ódio travestidos de pastores cristãos, sugere o boicote às empresas que patrocinam a Parada Gay – assim como um colega seu já havia pregado o boicote às marcas que tentam se associar a atos de amor e afeto entre pessoas -, e afirma que há um movimento de “cristofobia”, e que deve ser combatido.

Os arautos do ódio não podem estar mais errados: o ato de Viviany foi de extremo reconhecimento de Cristo. Ninguém se põe em uma situação semelhante à de Cristo, humilhado na cruz, se não reconhece o poder dessa imagem, se não assume a profundidade da mensagem, se não compartilha dos princípios. Mesmo que não seja cristã – e tenho séria desconfiança de que seja -, Viviany assumiu que o cristianismo é importante, tem uma mensagem que não está sendo ouvida – muito menos seguida. Não há ali deboche nem provocação com os símbolos cristãos, Viviany encarna a si própria, e sua crucificação representa (e acusa) a violência que ela e as outras travestis e transexuais sofrem diariamente – muitas delas cristãs, tal qual Marco Feliciano se diz. Se Feliciano acha realmente um desrespeito o ato de Viviany, pode devolver na mesma moeda: se fantasiar de transex para desfilar na próxima Marcha pra Jesus. Por que ele não vai fazer isso? Porque seria reconhecer a importância dessa questão, desse discurso – e o que ele quer é a sua supressão total.

O que realmente perturba os arautos do ódio é que o grito-feito-imagem de Viviany desafia a palavra deles. Uma transexual crucificada é a afirmação de que a palavra de Cristo não se restringe ao que é dito por Malafaias, Felicianos, Hernandez (se é que Cristo em algum canto disse o que eles pregam): é um grito de intolerância e de despeito a toda palavra dogmática, a todos os que se pretendem donos da verdade. Um grito de não me calo diante de quem manda calar, de não baixo a cabeça diante de quem não me respeita, de não reconheço nesse seu Cristo o Cristo que é amor e morreu na cruz pela humanidade. Um grito de revolta contra as injustiças, como o de Cristo, na sua época, contra os romanos.

Nada mais ultrajante a um pastor que uma transexual – que ele recusaria como sujeito com direito à existência, se pudesse – dizer que a palavra dela tem tanto valor quanto a dele, que o direito dela é igual ao direito dele. Sim, Viviany-feita-à-imagem-e-semelhança-de-Cristo (como todos, conforme o princípio cristão) contesta a pretensa superioridade – civil, moral, intelectual, espiritual – que Feliciano e sua trupe se adjudicam, e essa igualdade soa como um desrespeito aos seus privilégios por serem brancos, cristãos, heterossexuais (sic).

Porém, melhor que um ateu falar é dar a palavra a um cristão que não pode ser posto em dúvida quanto à sua fé: “Na missão pastoral tenho conversado com vários LGBTs que estão pelas ruas da cidade, alguns doentes, feridos, abandonados. Muitos relatam histórias de violência, abusos, assédio, torturas e crueldades. Alguns contam como foram expulsos de igrejas e comunidades cristãs, rejeitados pelas famílias em nome da moral. Testemunhei lágrimas, feridas, sangue, fome. Impossível não reconhecer neles a presença do Senhor Crucificado” – eis o comentário do padre Julio Lancellotti sobre a polêmica da crucificação na Parada Gay.

O Cristo de Julio Lancellotti e Viviany Beleboni me representa!

 

12 de junho de 2015.

 

ps: sobre a “cristofobia”, concordo que existe e acho que deve, sim, ser combatida: já é mais que a hora da Igreja Universal mandar sua milícia paramilitar lutar contra o Estado Islâmico, que já matou vários cristãos pelo simples fato de serem cristãos. Que levem seus líderes juntos – afinal, um verdadeiro líder deve estar à frente do seu exército.

ps2: ainda sobre “cristofobia”, achei outra colocação do padre Julio Lancellotti: “A meu ver, sujeito a erro, Cristofobia é medo de amar os irmãos e irmãs, amar os inimigos como pediu Jesus Cristo, defender os pequenos, proscritos e evitados, amar os o que ninguém quer. Jesus caminhou no meio dos pobres e pecadores, os defendeu e nunca os condenou. Em Mt 25,31-46 Jesus identifica-se com os que sofrem. Amá-LO é ser semelhante a ele, o resto é fobia!”

Redação

15 Comentários

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  1. A que ponto chegamos: um

    A que ponto chegamos: um bando de intolerantes, cheios de ódio, se apropriou da pessoa de Jesus Cristo, que só pregou  e praticou o amor aos marginalizados. Ignorantes, isso e que são. Fariiseus acusadores. Muitos não passam de simples mentirosos, farsantes mesmo, enganadores dos pobres e incautos, de quem só sabem arrancar o pouco do dinheiro que tem . Não os reconheço como cristãos, pois não o são, muito pelo contrário. Os tenho como verdadeiros anti- cristos. Jesus tratava a todos com igualdade e justiça. Não conhecem as Escrituras, e só a utilizam para pregar condenações e pedir dinheiro. Nunca leram a parábola do bom samaritano, pularam as passagens do Evangelho em que Jesus se encontrou com os leprosos, tão ou mais estigmatizados que nossos irmãos gays na atualidade. Raça de víboras, sepulcros caiados. E o pior: se apresentam como pastores de almas. Encaixam -se, no entanto, perfeitamente no perfil que Jesus fez dos ladrões que se fazem passar por pastores para roubar as ovelhas. “Cristãos” que são os primeiros a atirarem pedras nas Marias Madalenas sofredoras de hoje. A mesma hipocrisia, o mesmo ódio, a mesma ignorância, a mesma intolerância de dois mil anos atrás, quando Jesus dispersou, com sua sabedoria, as ditas pessoas de bem que se preparavam para apedrejar uma mulher. Flagrados na hipocrisia, pelo menos os fariseus da época foram saindo de fininho. Esperar o que, dos de hoje? 

  2. Não há argumentos que possam

    Não há argumentos que possam justificar essa tremenda falta de respeito com o símbolo máximo do cristianismo e com a fé religiosa de milhões de pessoas que se sentiram chocadas com essa manifestação estapafúrdia e desnecessária. Não custa lembrar que o ganhador do prêmio nobel de medicina e fisiologia de 2001 pediu demissão do cargo que ocupava em uma das mais renomadas universidades do mundo por ter dito que “Três coisas acontecem quando há mulheres no laboratório: você se apaixona por elas; elas se apaixonam por você e elas choram quando são criticadas.” Depois ele se retratou argumentando que não falou tais palavras para chocar e nem diminuir as mulheres e que o fez em tom “irônico e bem humorado” e não para ofender. Contudo, foi duramente criticado e ficou debaixo de uma saraivada de manifestações de repúdio. Isso porque pronunciou algumas palavras consideradas altamente ofensivas, sexistas  e discriminatórias contra as mulheres. O que dizer dessa imagem que vale mais do que milhões de palavras? Se algo pelo menos parecido tivesse sido feito com Maomé por exemplo, esse transexual estaria a viver fugindo para não enfrentar a ira dos radicias islâmicos. Isso foi absolutamente desnecessário. Não se conquista direitos agindo com tamanho desrespeito. Há muitos cristãos, senão a maioria que não comunga da homofobia evangélica de certos pastores hipócritas que se sentiram indignados diante da manifestação do transexual. Poderia ter usado outros modos de fazer valer a defesa de seus direitos que não chocando a fé religiosa de outros.

    1. É. Pode ser.
      O que não


      É. Pode ser.

      O que não podemos é subtrair o direito

      da Vivianni expressar-se da maneira que

      achar mais conveniente. A cada qual as

      responsabilidades que lhe cabem.

  3. Sentem-se chocados pelo uso

    Sentem-se chocados pelo uso da imagem mas não sentem-se chocados com a morte, ameça, tortura, humilhação de gays e transex.. 

    Se, essa idiotice da lei  for aprovada, das duas uma,, ou o STF caça porque vai diretamente contra a liberdade religiosa, ou aplica por analogia a todas as religiões, e bem sabemos quem mais chuta santas, recrimina uso de imagens sacras e descrimina ubandistas por ai. 

    O remédio pode se transformar num grande veneno. 

  4. Aliás, acho que os gays

    Aliás, acho que os gays aprenderam com esses homens santos. 

    Eles usam a imagem dos gays para crescer. Transformaram o preconceito em commoditie. 

    Os gays perceberam isto. Agora a cristofobia também é uma commoditie. Podem passar lei que for porque o jogo inverteu. 

  5. Feliciano não se fantasiaria

    Feliciano não se fantasiaria de transsex porque já tem a sua própria fantasia, que é a de se dizer pastor, tendo por trás dessa capa a torpeza, ofedendo a moral e a decência dos outros no sentido de envolver os fieis de suas igrejas, movendo-os ao sentimento mais raso, que é o ódio. 

    Por décadas tivemos, a ainda temos, o maior número de católicos no Brasil, enquanto os crentes estavam em segundo lugar. Esses crentes sempre mereceram de todos o nosso maior respeito, com toda certeza, mesmo se estávamos de outros lados. O que está trasnformando a nossa sociedade é essa crescente formação de igrejas ditas neo-pentecostais. Quem as cria e as mantem são pastores e ditos bispos com o sentido único de enriquecerem, como, de fato, enriquecem da noite pro dia, todos às custas dos dízimos, e até dos bens, de quem os seguem. Os coitados caem numa verdadeira ilusão, porque os ditos pastores e ditos bispos tem uma cartilha para seguir, e a seguem à risca, influenciando e manipulando seus fieis. 

    Enquanto nas diversas igrejas católicas, ou centros espíritas os fieis, sem nenhuma obrigação, ou manipulação, agem por caridade e generosidade, contibuindo para entidades, instituições, esses canalhas pastores de merda sequer são capazes de dar a mão a um fiel que esteja desempregado, mesmo que uma vez empregado ele tenha tirado do seu para encher as buras desses malandros.

    Com Eduardo Cunha na Presidência da Câmara, um mal-caráter como Feliciano que já estava desonrando o cargo de deputado, inservindo também à sociedade em geral, e não apenas seus fieis, vê-se que se sente alçado a um poder que não lhe foi dado por ninguém. Quer, agora, mexer com a vida do povo, como se seu discurso de bom-moço, de pai preocupado com a família brasileira, pudesse ressoar nos quatros cantos do País em seu favor. 

    Essa intolerância vai desaguar em alguma coisa que não será nada agradável para a nossa sociedade. O mesmo ódio que esses ladrões tentam impingir em seus fieis poderá surtir efeito contrário, e aí,…

  6. “esquiber”, morrer

    “esquiber”, morrer crucificado não foi um privilégio apenas de Cristo. E depois, o tal de Cristo que muitos defendem não é o mesmo para todos que se dizem cristãos. E, além do mais, saber hoje quem fala a verdade sobre o que Cristo falou ou deixou de falar é mais que um exercício especulativo. Logo, cada um entende como quiser e este direito é sagrado perante a Constituição.

    O que essa turma do Feliciano quer é o monopólio do pensamento, do poder e da grana. Espero que a Igreja Católica não entre nessa onda de hipocrisia.

    De qualquer modo, aconselho aqueles que acreditam em Céu e Inferno que, ao morrer, escolham ir para o Inferno pois malafaias, bolsonaros e felicianos estão certos que o Céu lhes pertencerá. 

    1. Então porque ficar bravinho

      Então porque ficar bravinho quando alguém está usando uma camiseta com a esfinge de Che Guevara com as orelhinhas do Mickey?????

      1. E por acaso alguém pensou em fazer uma lei proibindo isso?

        Pior ainda, propondo puniçoes a quem o fizer?

        Haja cara de pau a desse troll! Apela para qualquer coisa.

  7. o que me assombra é o

    o que me assombra é o impossível em pensar até onde vai essa onda retrógada que estamos vivendo. a cada dia que passa vemos mais e mais direitos sendo subtraídos em nome de conceitos usurpados pela direita-que-odeia (pleonasmo?). ande pela cidade de qualquer tamanho e verá nova seita funcionando numa garagem com seus rituais satânicos (vão me dizer que aquilo é coisa de deus?) torrando os neurónios de pobres coitados que ja não pensam, ou nunca pensaram na vida. definitivamente, a direita venceu nestes tempos bicudos. desgraçados. 

  8. O pomo da discórdia parece

    O pomo da discórdia parece ser seguintee: quem crucificou jesus foi o império romano com apoio dos hebreus, principalmente da aristocracia. Portanto, o ato representa o quê? A  tal Viviany representa o sofrido e marginalizado, ok. Mas quem crucificou? O Estado Brasileiro? Errado. Os religiosos e outros homofóbicos? Provocação.

  9. Se, ao invés de uma

    Se, ao invés de uma transexual estivesse ali uma mulher cis representando aquilo que Jesus Crucificado representa para o cristianismo? O problema para quem ficou chocado é ser transexual, não é o uso da simbologia cristã. Concordo com o texto e com padre Júlio, o Jesus que me apresentaram é o que salva prostitutas de serem apedrejadas e o que anda com toda sorte de gente renegada pela sociedade. Estar preocupado com órgãos genitais por baixo de saias é problema psicológico e não fé. Se Jesus voltar, como todos cristãos esperam, ele estará invisível  morando debaixo de uma marquese e não fazendo palestra pela Europa sobre os demônios de outras religiões. 

     

  10. Eu, que sou agnóstico, digo o

    Eu, que sou agnóstico, digo o que?

      Uma tremenda palhaçada;

        Hoje é um dia muito criativo.Pipocam notícias e casos interessantes.

            Consegui escrever uns 2 ou 3 comentários que   está interditado por motivos técnicos.—creio eu

               Desde que J B Costa permita, poderia reproduzi-los aqui: Mas tennho permissão da dona ou dra. Solange. de cueca?

                Com voz mansa e cabeça baixa, balbucio:

                 Vc permite J B Costa?

  11. O problema é que essa já se tornou a imagem do ano

    O problema é que essa já se tornou a imagem do ano, com certeza uma imagem histórica que, como tal, se eternizará, os lideres safados que se acham donos desse pais nào suportam isso pq, do alto de seu egoismo, acham correto fazer ou falar asneiras em nome da religiào,…,,preferem a crucifação de verdade à transcedęncia através da arte.,,hmmmm por trás dos bastidores terào fantasias eróticas vendo essa imagem e isso fará aflorar o ódio.,,que explodam 

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