Lista de Livros: A queda, de Albert Camus

Seleção feita por Doney

Lista de Livros: A queda, de Albert Camus

Editora: BestBolso

ISBN: 9788577990085

Opinião: muito bom

Páginas: 112

     “Quando pensamos muito sobre o homem, por trabalho ou vocação, às vezes sentimos nostalgia dos primatas. Estes não tinham segundas intenções.”

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      “Consolo-me dizendo a mim mesmo que, afinal, aqueles que falam de maneira ininteligível também não são puros.”

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      “Quanto a mim, moro no bairro judeu, ou no que era assim chamado até o momento em que nossos irmãos hitlerianos abriram espaço. Que limpeza! Setenta e cinco mil judeus deportados ou assassinados – é a limpeza pelo vácuo. Admiro esta aplicação, esta paciência metódica! Quando não se tem caráter, é preciso mesmo valer-se de um método.”

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      “Eu era de origem honesta, mas obscura (meu pai era militar) e, no entanto, certas manhãs, humildemente o confesso, sentia-me um filho de rei ou uma sarça ardente. Tratava-se, repare bem, de algo diferente da certeza em que eu vivia de ser mais inteligente do que todo mundo. Tal certeza, aliás, não tem consequência, pelo fato de ser compartilhada por tantos imbecis”.

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      “A amizade é menos simples. Sua aquisição é longa e difícil, mas, quando se obtém, já não há meios de nos livrarmos dela; temos de enfrentá-la.”

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      “Bem sei que não se pode deixar de dominar ou de ser servido. Todo homem tem necessidade de escravos, como de ar puro. Mandar corresponde a respirar, não tem a mesma opinião? E até os mais desfavorecidos conseguem respirar. O último da escala social ainda tem o cônjuge ou o filho. Quando é solteiro, um cão. O essencial, em resumo, é uma pessoa poder zangar-se, sem que alguém tenha o direito de responder: “Não se responde ao pai”, conhece a fórmula? Em certo sentido, ela é singular. A quem se responderia neste mundo, senão a quem se ama? Por outro lado, ela é convincente. É preciso que alguém tenha a última palavra. Senão, a toda razão pode opor-se uma outra: nunca mais se acabaria. A força, pelo contrário, resolve tudo. Levou tempo, mas conseguimos compreender isso. Por exemplo, deve ter notado, a nossa velha Europa filosofa, enfim, da melhor maneira. Já não dizemos, como nos tempos ingênuos: “Eu penso assim. Quais são as suas objeções?”. Tornamo-nos lúcidos. Substituímos o diálogo pelo comunicado. “Esta é a verdade”, dizemos. “Podemos até discuti-la, isso não nos interessa. Mas, dentro de alguns anos, lá estará a polícia para lhes mostrar quem tem razão”.”

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      “Cá entre nós, a servidão, de preferência sorridente, é, portanto, inevitável. Mas não devemos reconhecer isso. Quem não pode deixar de ter escravos, não fará melhor chamando-os de homens livres? Por princípio, em primeiro lugar, e depois para não desesperá-los. Esta compensação certamente lhes é devida, não acha? Desse modo, eles continuarão a sorrir e nós ficaremos com a consciência tranqüila. Sem isso, seríamos forçados a mudar de opinião, ficaríamos loucos de dor, ou até modestos, deve-se temer tudo. Por isso, nada de insígnias, e isto é escandaloso. Aliás, se todo mundo se sentasse à mesa e ostentasse sua verdadeira profissão, sua identidade, já nem saberíamos para que lado haveríamos de nos voltar! Imagine os cartões de visita: Dupont, filósofo apavorado ou proprietário cristão ou humanista adúltero, na verdade, nós temos a escolha. Mas seria o inferno! Sim, o inferno deve ser assim: ruas com insígnias e nenhuma possibilidade de explicação. Fica-se classificado de uma vez para sempre.”

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      “Devo reconhecer humildemente, meu caro compatriota, que fui sempre um poço de vaidade. Eu, eu, eu, eis o refrão de minha preciosa vida, e que se ouvia em tudo quanto eu dizia. Só conseguia falar vangloriando-me, sobretudo quando o fazia com esta ruidosa discrição, cujo segredo eu possuía. É bem verdade que eu sempre vivi livre e poderoso. Simplesmente, sentia-me liberado em relação a todos pela excelente razão de que me considerava sem igual. Sempre me achei mais inteligente do que todo mundo, como já lhe disse, mas também mais sensível e mais hábil, atirador de elite, incomparável ao volante e ótimo amante. Mesmo nos setores em que era fácil verificar minha inferioridade, como o tênis, por exemplo, em que eu era apenas um parceiro razoável, era-me difícil não acreditar que, se tivesse tempo para treinar, superaria os melhores. Só reconhecia em mim superioridades, o que explicava minha benevolência e serenidade. Quando me ocupava dos outros, era por pura condescendência, em plena liberdade, e todo o mérito revertia em meu favor: eu subia um degrau no amor que dedicava a mim mesmo.”

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      “Já notou que há pessoas cuja religião consiste em perdoar todas as ofensas, e que efetivamente as perdoam, mas nunca as esquecem? Eu não era feito de matéria que me permitisse perdoar as ofensas, mas acabava sempre por esquecê-las. E, se alguém se julgasse detestado por mim, custava a acreditar que estava sendo saudado com um largo sorriso. Segundo sua índole, admirava então minha grandeza de alma ou desprezava minha desfaçatez, sem pensar que minha razão era mais simples: eu havia esquecido até o seu nome. O mesmo defeito que me tornava indiferente ou ingrato fazia-me magnânimo.”

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      “É preciso que se saiba, antes de tudo, que sempre tive êxito com as mulheres, e sem grande esforço. Não me refiro ao êxito em fazê-las felizes, tampouco em fazer-me feliz por intermédio delas. Não; ter êxito, simplesmente. Eu era bem-sucedido, mais ou menos quando queria. Achavam que eu tinha certo charme, imagine! Sabe o que é isto: um modo de ouvir sim como resposta, sem ter feito uma pergunta clara.”

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      “Depois de certa idade, todo homem é responsável pelo seu rosto.”

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      “Em cada caso, minha sensualidade, para só falar dela, era tão real que, mesmo por uma aventura de dez minutos, eu renegaria pai e mãe, mesmo se tivesse de lamentar isso amargamente. Que digo eu! Sobretudo por uma aventura de dez minutos, e mais ainda, se eu tivesse a certeza de que ela não teria futuro. Eu tinha princípios, é claro; por exemplo: a mulher dos amigos era sagrada. Simplesmente, eu deixava, com toda sinceridade, alguns dias antes, de ter amizade pelos maridos.”

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      “Nenhum homem é hipócrita em seus prazeres.”

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      “Digo amigos, aliás, por princípio. Não tenho mais amigos, só tenho cúmplices.”

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      “Os mártires, caro amigo, têm de escolher entre serem esquecidos, ridicularizados, ou usados. Quanto a serem compreendidos, isso, nunca.”

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      “Eis o que nenhum homem (exceto os que não vivem, quero dizer, os sábios) consegue suportar. A única defesa esta na maldade. As pessoas apressam-se, então, a julgar, para elas próprias não serem julgadas. Que quer? A ideia mais natural para o homem, a que lhe surge ingenuamente, como no fundo de sua natureza, é a ideia de sua inocência.”

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      “Como poderia a sinceridade ser uma condição da amizade? O gosto pela verdade a qualquer preço é uma paixão que nada poupa e a que nada resiste. É um vício, às vezes um conforto, ou um egoísmo. Portanto, se o senhor se encontrar neste caso, não hesite: prometa ser verdadeiro e minta o melhor que puder. Atenderá ao profundo desejo deles e provará duplamente sua afeição.”

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      “Há, na verdade, esforços e convicções que nunca compreendi. Eu olhava sempre com um ar de espanto e com um pouco de suspeita aquelas estranhas criaturas que morriam por dinheiro e se desesperavam com a perda de uma “situação” ou se sacrificavam com grande ostentação pela prosperidade da família. Eu compreendia melhor aquele amigo que havia decidido nunca mais fumar e que, pela força de vontade, fora bem-sucedido. Certa manhã, abriu o jornal, leu que a primeira bomba H havia explodido, informou-se sobre seus admiráveis efeitos e entrou sem demora numa tabacaria.”

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      “Foi nesse momento que o pensamento da morte irrompeu em minha vida diária. Contava os anos que me separavam de meu fim. Buscava exemplos de homens de minha idade que já estivessem mortos. E me atormentava a ideia de que não teria tempo de realizar a minha tarefa. Que tarefa? Eu nem sabia.”

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      “E então? Então, a única utilidade de Deus seria garantir a inocência, mas eu vejo a religião antes de tudo como uma grande empresa de lavanderia, o que, aliás, ela foi, por um breve tempo, precisamente durante três anos, e não se chamava religião. Desde então, falta sabão, andamos com o nariz sujo e nos assoamos mutuamente. Todos culpados, todos castigados, escarremo-nos, e pronto! Já para o desconforto! Basta ver quem escarra primeiro, eis tudo. Vou contar-lhes um grande segredo, meu caro. Não espere pelo Juízo Final. Ele se realiza todos os dias.”

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      “O grande empecilho a evitar não será o de sermos nós os primeiros a nos condenar? É preciso, pois, começar a estender a condenação a todos, sem discriminação, para diluí-la desde já.”

Redação

7 Comentários

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  1. Memória curta

    Este livro, que parece, fica entre “O estarngeiro” e “A peste”, compondo a trilogia de Camus eu lí em minha adolescencia e já não me lembrava de seu conteúdo, diferentemente dos outros dois; mas parece que é mais profundo. Vou procurá-lo de novo.

     

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       ANÁLISE

    Vencedora do Nobel diz ser porta-voz dos ‘humilhados’

    Para Svetlana Alexievich, paira sobre a alma russa uma ‘terrível utopia’

    ELENA VÁSSINAESPECIAL PARA A FOLHA

    Svetlana Alexievich, 67, estava passando roupa em seu pequeno apartamento em Minsk (capital de Belarus) quando recebeu a ligação da Suécia e soube que ganhou o Nobel de Literatura.

    Logo sentiu, confessa, a presença das “sombras dos grandes escritores russos” vencedores do prêmio (eram cinco antes dela). Autores da literatura à qual ela pertence como escritora e, também, como porta-voz dos “humilhados e ofendidos”.

    Svetlana, que nasceu em 1948 na União Soviética e sempre escreveu em russo, atualmente vive em Belarus.

    Seu primeiro livro, “War’s Unwomanly Face” (a guerra não tem uma face feminina), foi escrito em 1983, proibido pela censura soviética e editado dois anos depois, logo no início da Perestroika.

    Em seguida, a obra se tornou um dos best-sellers incontestáveis da nova época: sua tiragem chegou a dois milhões de exemplares.

    No mesmo 1985, Alexievitch publicou mais um livro sobre a Segunda Guerra. “The Last Witnesses” (as últimas testemunhas) é composto de relatos de crianças que passaram pelo conflito.

    No foco da terceira obra, “Zinky Boys” (os meninos de zinco), de 1989, também está a narrativa de guerra –desta vez a do Afeganistão.

    “Voices from Chernobyl” (vozes de Chernobil), de 1997, é dedicado à catástrofe atômica nos tempos de paz.

    Em “Second-Hand Time” (tempo de segunda mão), publicado em 2013, é a quinta obra que conclui o ciclo trágico intitulado pela escritora de “Vozes de Utopia”.

    As obras de Alexievich pertencem à literatura documental, como ela própria diz: “Escolhi o gênero de vozes humanas… É nas ruas que procuro enxergar e escutar meus livros. Pessoas reais contam os acontecimentos principais de sua época: a guerra, o desmoronamento do império soviético, Chernobil. Por meio das palavras, tece-se a historia do país, a história comum. A nova e a antiga. E cada pessoa grava a história de seu pequeno destino humano”.

    LUTUOSO

    A bielorussa diz que leva de quatro a sete anos para escrever um livro. “Encontro-me com 500 a 700 pessoas, converso com elas e gravo seus relatos. Minha crônica abrange dezenas de gerações.”

    Ela começa com narrações de pessoas que se lembram das revoluções e passaram por guerras e campos de concentração de Stálin. Chega, então, aos dias de hoje –quase cem anos depois. “É a historia da alma russo-soviética, de uma grande e terrível utopia. A ideia do comunismo não morreu apenas na Rússia, mas no mundo inteiro”, diz.

    Mas essa ideia, afirma, “continuará a tentar diabolicamente atrair muitas mentes. E eu queria deixar os relatos de testemunhas e participantes dessa história”.

    As vozes de centenas de “pequenos homens” (personagem predileta da literatura clássica russa) unem-se num coro potente e lutuoso. E a força do testemunho documental é tal que obriga o leitor a sentir essa história trágica como se fosse a experiência de sua própria vida.

    ELENA VÁSSINA é professora de literatura e cultura russa da USP. Nascida na URSS, organizou “Os Últimos Dias – Liev Tolstói”.

     

  3. Coincidentemente reli esse

    Coincidentemente reli esse livro recentemente. O que me levou a buscá-lo na prateleira de novo foi a morte do garotinho sírio e sua foto chocante. Camus, com esse livro, desveste o homem de toda hipocrisia civilizatória. Dói, mas a raça humana é desprezível. 

  4. também quero le-lo

    Li na adolecencia O ESTRANGEIRO  e A PESTE. pretendo le-los novamente junto com este, Comprei e li um livro sobre a vida e obra de CAMUS (editoria PAZ E TERRA)  que achei muito interessante e fiquei superanimado de conhecer toda a obra de Camus. O autor é brasileiro mas o livro não esta comigo agora para informar aos leitores.

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