Os golpistas de 1964 e os 21 anos do nada.

“Matem os terroristas, matem os carteiros que entregam as cartas. [Matem] os familiares, os amigos, seja o que for. Só não quero que morra nenhum de vocês”. Palavras do general Humberto de Souza Mello, dando ordem para executar os guerrilheiros.

Pré-golpe de 64 : O Brasil estava um caos, hiperinflação, desemprego, greves, instituições ameaçadas, insegurança, saúde precária, milhões sem acesso à educação.

E, males dos males, para fanáticos alucinados: a ameaça comunista pairava no ar. Elites assustadas pediam, pediam não, imploravam pela intervenção do exército.

Mas para tal intervenção eles precisavam, infelizmente, do apoio do povo, ou a “Geni”, de Chico Buarque. “Você pode nos salvar/Você vai nos redimir/Você dá pra qualquer um/Bendita Geni!”.

Mas o povo relutava. O IBOPE escondia pesquisas de aprovação ao governo João Goulart. Inclusive de boa parte do empresariado.

Então a população apoiava o presidente? “Ao ouvir tal heresia/ A cidade em romaria/ Foi beijar a sua mão/ O prefeito de joelhos/ O bispo de olhos vermelhos/ E o banqueiro com um milhão”.

A igreja se levantou, marcharam com a Família e com Deus. Os cristãos choravam. Beijaram as mãos, não do povo, mas dos generais. E compraram o apoio de outro, o general Kruel, com um milhão de dólares.

A mídia agiu. Jamais ficariam fora da luta por uma boa democracia. A deles, é óbvio.

E tome notícias e manchetes catastróficas em cima da população. Amaciando a carne, bons açougueiros que são.

“Querem implantar o comunismo. Transformar em uma nova Cuba. Em uma nova China. Bando de ateus, sem vergonha.”.

E o Tio Sam olhando, comprando, tramando, urdindo, defecando em cima do Brasil. “Outro Fidel Castro no meu quintal não! E aí seus bundões, não vão fazer nada? Já enviei uma frota. Ela está pronta para intervir”, insinuava o Yankee, que mais tarde morreria assassinado.

Tudo preparado. População no bolso. Militares comprados. Políticos conservadores abestalhados. Só faltava um “gran finale”: o boato sensacionalista. O Jango vai dar um golpe. Esse traidor, facínora, fraco e comunista-trotiskista-maoista-leninista-cubanista-linglingnista.

“Pedro, o Brasil brevemente se separará de Portugal: se assim for, põe a coroa sobre tua cabeça, antes que algum aventureiro lance mão dela”.

Lembrou-se um sábio general de tão sábias palavras ditas por D. João VI.

Deram um golpe antes que eles dessem um golpe. Mesmo que não houvesse nem sombra de golpe por parte do governo. Mas isso era o de menos. Quem faz uma, faz duas.

E os civis golpistas, como abutres em cima de carcaça, se assanharam para tomar o poder:

– É meu.

– Não! é meu, dizia outro.

– Quem manda nessa joça sou eu. Então, é meu! Berrava histericamente um terceiro.

Calma! Gritou um imperial general. Já que vocês vão continuar brigando… não é de ninguém. E tomou o poder para si.

Golpe concluído. O Brasil nos eixos. Fim da ameaça comunista-trotiskista-maoista-leninista-cubanista-linglingnista.

“Boa pessoal! É assim que papai gosta”, mandou em telegrama “top-secret” o presidente da nação “Freedom”, Lyndon Johnson. O outro já havia sido assassinado com dois tecos na cabeça. Não soube do sucesso retumbante de sua tramoia.

Aí o estafeta do sub-chefe, do sub-departamento, da subseção de informações lembrou: E o povo, ou a Geni?

Reuniões após reuniões, bradou um militar, contemplando 5 séculos de história: “Joga pedra na Geni!/ Joga bosta na Geni!/ Ela é feita pra apanhar!/ Ela é boa de cuspir!/Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni!”.

E bate. E prende. E cassa. E tortura. E some. E mata. E cala. E arrocha.

Mas teve coisa boa. No julgo deles.

O milagre econômico, de Pirro. A musiquinha: “Este é um país que vai pra frente…”. O Sugismundo. O adesivo “Brasil, Ame-o ou deixe-o”. Copa de 70. A Ponte Rio-Niterói. A 1/10 da Transamazônica. Usina Nuclear. A Auto-Latina.

O crescimento vertiginoso de empresas que apoiaram os golpistas. Exemplos clássicos são as Organizações Globo. A Folha de S. Paulo. O Estado de S. Paulo. Banco Nacional. “Orgulho e Glória de Atenas”, do Brasil, no caso.

Bem, 21 anos depois os militares cansaram da brincadeira de governar. Agora o país é de vocês novamente. Tá uma belezura. Podem entrar.

E entregaram a casa do jeito que o diabo gosta.

Desemprego, insegurança, hiperinflação, miséria, pobreza extrema, greves, saúde precária, milhões sem acesso à educação.

“Era uma casa/Muito engraçada/Não tinha teto/Não tinha nada…”.

Um país sem rumo. Derrotado pelo medo. Atrasado. Dominado.

Tivemos que reaprender o que é democracia. A votar. A falar. A discutir. A não olhar pro chão. A ter dignidade.

E, como torturadores que depois de uma sessão de tortura fala ao torturado: Valeu! Desculpe qualquer coisa! Sabe como é que é: ossos do ofício. Não foi nada pessoal, os corajosos generais-presidentes se auto anistiaram. Eu me perdoo.

E vestiram o pijama. E dormiram tranquilamente. E apagaram a história. E roubaram a juventude de milhões. E viram seus filhos crescerem, os netinhos também. Os pimpolhos. Boa noite meu Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro.

E dormiram abraçados aos ursinhos.

Posso apagar a luz papai? Pergunta o trainee de neofascista ao feliz golpista.

Redação

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