…da emoção boa, da emoção ruim… (ou, como se constrói ou se destrói uma nação……)

…da emoção boa, da emoção ruim… (ou, como se constrói ou se destrói uma nação……)
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Emocionei-me agora há pouco…. Muito! Aquele tipo de emoção que a nostalgia faz o choro se prender na garganta.
Assisto um documentário de um dos eventos mais marcantes de minha vida: acompanhar, encantar-me, enfeitiçar-me com a seleção de 82, ter a mais convicta e serena certeza de que toda aquela arte, aquele lindeza, aquele talento dos deuses sairiam vencedores, e ver a certeza, ver “aquilo-que-é”, não ser, perder, não conquistar a vitória na copa……
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Já havia uma abertura firme na ditadura, nós estudantes voltávamos às passeatas, a UNE tinha tido um congresso em Salvador, (que fui como delegado oficial co curso de Direito, Federal do Rio….), lindo, histórico, era um ambiente de esperança, sonhos, e a maior força cultural do Brasil, junto ao carnaval, o futebol, nos enchendo de orgulho e alegria. A palavra sonho tinha tudo a ver com aqueles tempos……
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Lembro da sensação nítida – e esquisita, diga-se! – que eu e outros amigos tínhamos, sobre o fato da emoção que aquela seleção levantava na alma dos brasileiros, parecia superior à emoção suscitada pela seleção de 70….. Mas não era isso, entendi anos depois: era o ambiente social, não éramos um país fraturado, machucado, sem esperança, um país com medo….. Poucas épocas de uma nação são tão felizes quanto a época em que se SONHA!…..
O rock nacional explodia, bandas que nos alegravam a vida, a volta dos anistiados, tantos e tão queridos, artistas, intelectuais, esportistas, políticos, Lula e seu carisma, as greves do ABC paulista, havia aromas e mais aromas de coisas novas, e sonhos, sonhos e sonhos, nesse Brasil de 82.
E aquele seleção, né? Ah, aquela seleção……
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Não farei desse artigo um tratado sociológico, mas não custa lembrar que são muitas as coisas a formarem uma NAÇÃO…..
Tenho lido artigos brilhantes e de uma crueza cortante, sobre o fato de não sermos uma nação, dando esse tempo que vivemos hoje como o maior exemplo dessa premissa.
Por isso me comovi tanto, tanto, hoje. Fui lembrado que há tão pouco tempo, um istmo, era diferente, parecíamos uma nação, que fosse em construção, que fosse ainda apenas um rascunho, um arremedo, mas ah, os sonhos que sonhávamos em 82, essa geração minha, a turma hoje que está com mais de 50 anos, já vimos e vivemos tanta coisa, lindas e trágicas, banhadas em esperança ou dor, mas creio que ninguém esperava esse tempo de horror, essa insanidade, essa coisa nonsense, feia, suja, que nos humilha diante do mundo.
E apesar desse momento, como me fez bem lembrar desse tempinho logo ali atrás…..
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A seleção de 82 era a síntese do “podemos!”, nosso, brasileiro, por tudo o que vivíamos. Era nosso o talento, a criatividade, era nossa a capacidade de reinventar o futebol, com a arte única dos nossos jogadores. E que jogadores, Jesuis, que geração….. Leandro, Zico, Júnior, Sócrates, Falcão, Cerezo, certamente todos no panteão dos deuses do futebol, dos extra-classe….. Como os amávamos, e víamos neles um reflexo do nosso país e do que desejávamos naquele tempo de sonhos….
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Se havia uma palavra ou expressão que nos faria rir em 82, por patética e inapropriada, seria a que hoje nos caracteriza, nos traduz, nos envergonha: “FRATURA SOCIAL!” – esse país tenebroso, país de caça às bruxas, país que prende, tortura, humilham, para extrair a próxima delação, país de um golpe de Estado, onde o atual presidente do Congresso já urde a derrubada do titular do golpe, um golpe dentro do golpe, a vergonha absoluta, viramos um país onde a sordidez, a traição viraram coisa comum…….
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O país que vibrou com o surgimento de Lula, o espanto com aquele jovem metalúrgico, líder sindical, capaz de parar fábricas e fábricas com sua liderança, e se não sabíamos bem o que aquele barbudo de voz rouca e olhar sereno e firme pensava, torcíamos muito por ele, a maioria de nós, era o tempo da abertura, a democracia dando os primeiros passos, as diretas já ganhando voz, força, ganhando o coração do povo.
Se tudo isso não era uma nação em formação, me perdoem, nem quero outro exemplo, tão lindo, tão vívido, como esse que tive o prazer de viver entre o fim dos anos setenta e o início dos anos oitenta……
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E havia a seleção, Jesuis, que seleção!…..
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Tempo da emoção boa, limpa, pura, emoção que vem da poesia, pois não há poesia maior na vida que a procedente dos sonhos!…
Nossa luta era CONTRA os preconceitos, as intolerâncias, as mediocridades, os fanatismos, as velhas ideias, como aspirávamos o novo naquele tempo….. “Brigar” com o amigo, discutir, tirando os assuntos mais graves, era articular argumentos contra ou a favor a tanga mínima de crochê usada por Gabeira em Ipanema…. Ríamos e éramos sérios, debatíamos tudo, literalmente tudo, fervorosamente, éramos chatos, patrulhávamos tanta coisa, e sonhávamos, e sonhávamos, e em nossas brigas, era proibido odiar, fraturar, desejar a destruição do outro…..
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Quem viveu esse tempo não pode deixar de se desesperar, de sentir no peito uma perplexidade feita de pedra, uma perplexidade dura, pesada, perversa, com esse festival de ódio, preconceitos, tosquices, mediocridades, fanatismos, cinismos, falta de cognição com a realidade, a falta total de sonhos, vindos de nossa elite social e classe média, num processo psico-social mais odioso ainda do que o havido em 64, um retrocesso medonho…..
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O que nos trouxe até aqui, até esse horror, onde a Globo é fonte de “notícias” e “verdades”, Moro é herói, Bolsonaro aparece em segundo lugar nas pesquisas, Aécio recebe 50 milhões de votos, e Lula é perseguido de modo covarde, cruel, injusto, criminoso mesmo, e parcela enorme da sociedade se delicia com esse processo, esse evento, essa violência a um cidadão? Que pessoas emergiram nesses últimos anos, para compor essa sociedade? Que faz as pessoas lúcidas, sentirem-se como devem ter se sentido os alemães lá pelo início da década de 30, com o evento do nazismo e Hitler……
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Onde morreu a alegria, o sonho, a brasilidade, as novidades em cascata, daqueles anos, daquela seleção de 82?
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As fotos tão díspares, foram colocadas lado a lado propositalmente, é claro!
Para que não esqueçamos, do que poderíamos ter sido, e disso, que não consigo nominar, que hoje somos….
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A “emoção boa”, que une, liberta, renova, emoção vinda dos sonhos, ou a “emoção ruim”, a que fratura, destrói, rouba os valores humanos e civilizatórios das pessoas, das sociedades e das nações, o novo ou o velho, o sonho ou o ódio, a tolerância democrática ou o fanatismo, o nojo do outro, que nação queremos ser? Que nação você luta para que nasça, desse caos degradante em que estamos todos mergulhados?
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E por favor, por favor, que nenhuma alma pequena pergunte algo do tipo: “Então só voltaremos a sonhar se o ódio a Lula passar e todos nos tornarmos petistas?”
Por favor, hoje não…. Hoje lembremo-nos de homens da grandeza de um Cláudio Lembo, um Bresser Pereira, tucanos de carteirinha, homens de direita, mas DIGNOS!, não se deixaram tornar rebanho fascista odioso, tosco, sempre reconheceram os feitos e a grandeza de Lula, sempre gritaram em alta voz sobre a injustiça e violência da perseguição a Lula…..
Tratar um adversário ideológico com respeito humano, justiça e buscar sobre ele as verdades, não é se aliar a ele, é apenas ser digno, justo, civilizado, obrigação de todo homem!
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Sabem porque doeu tanto, tanto, tanto, aquela perda em 82 para a Itália? Não, amigos, não era “apenas” porque amávamos aquela seleção, porque ela era pura arte, puro feitiço, pura criatividade….
É porque simbolicamente, e talvez de modo inconsciente, jogamos sobre ela toda a energia linda, lírica, urgente, de todos os nossos sonhos, reprimidos durante a ditadura…..
Paolo Rossi não derrotou nossa seleção, ele deu um murro e nocauteou pela dor, naquela tarde, – apenas temporariamente, é claro, mas foi essa a sensação – os sonhos pelo novo,
que emanavam no Brasil, como que do chão de nossa terra.
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Pobre país, que hoje sonha “tirar a anta do poder”, “ver o molusco preso”, “acabem com os petralhas, esses malditos bolivarianos que querem nos transformas numa Cuba ou Venezuela…..”
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Que emoção queremos em nossa alma, nosso povo, nossa nação?
Que tipo de sonhos queremos sonhar?
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Lembremos do tempo, que sonhar era bom, trazia o novo, a esperança, desejos urgentes, de construirmos um país soberano, democrático, socialmente justo.
e a palavra ódio, era motivo de risada, e os que a praticavam, eram poucos, e deles nos afastávamos…..
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As pessoas justas, reconhecerão quem foi o brasileiro que mais nos aproximou do sonho bom, da emoção boa, e causou admiração e respeito, em todo o mundo….
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(eduardo ramos)

Redação

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