A tirania do mercado x A política democrática

O fenômeno que ocorreu recentemente na Grécia é de extrema importância para aqueles que estudam política. O povo grego elegeu um governo de esquerda, mas este foi impedido de cumprir suas propostas políticas em razão das restrições que lhe foram impostas pela UE. A própria UE, por sua vez, não fez mais do que despolitizar a economia de maneira a garantir a predominância dos interesses do mercado aos do povo grego.

O resgate da Grécia não foi de maneira alguma o resgate do povo grego da pobreza e do desemprego. O empréstimo concedido pela UE mediante severas restrições fiscais e econômicas foi concedido apenas para que os credores da Grécia fossem pagos. Nenhum investimento direto foi feito na Grécia, que aliás já vendeu até suas rodovias e o Porto Pireu. Com dedos em riste, os burocratas da UE forçaram a Grécia a ampliar seu endividamento e a obrigaram a reduzir ainda mais os direitos dos seus cidadãos para que o mercado possa ser atendido. Acuado, o governo de esquerda renunciou, não sem criticar de maneira veemente a tirania do mercado e a falta de democracia na UE.

A falência da democracia formal é um fato na Grécia e na UE. Não importa mais quem será eleito para governar aquele país, pois o povo grego não tem qualquer soberania para decidir  sua política econômica. O espaço para a política deixou de existir na UE e a justiça do mercado substituiu totalmente a justiça social em solo grego. Apesar de poderem votar e ser votados, os gregos foram reduzidos à condição de escravos do mercado. E UE já deixou bem claro que se importa mais com o “povo do mercado” do que com o “povo da Grécia”. A despolitização da atividade governamental já é um fato na Grécia. Portanto, à desdemocratização da economia segue junto com a deseconomização da democracia  como disse Wolfgag Streeck (TEMPO COMPRADO, Editora Actual, Lisboa, Portugal, 2013, p. 160).

Streeck acertou na mosca quando disse que:

“O futuro que espera a Europa atual é o de uma implosão secular do contrato social da democracia capitalista na transição para um Estado de consolidação internacional, vinculado à disciplina orçamental. Isto torna necessário por uma muralha da China – no jargão da economia financeira: uma firewall – entre a economia e a política que permita aos mercados ampliar a sua versão de justiça sem serem incomodados por intervenções políticas discricionárias. A sociedade necessária para tal terá de possuir uma elevada tolerância às desigualdades económicas, A sua população excedente e desligada tem de aprender a olhar para a política como um entretenimento da classe média, do qual não pode esperar nada. As suas interpretações do mundo e as suas identificações não tem origem na política, mas nas fábricas de sonhos de uma indústria cultural global e altamente rentável, cujos lucros gigantescos também têm de servir para legitimar a apropriação de um valor acrescentado, em rápido crescimento, por parte das estrelas de outros setores em especial da indústria monetária. A classe média neoprotestante, orientada por uma ‘justiça baseada no desempenho’ e pela concorrência, constituída por proprietários de capital humano, com grande disponibilidade para investir no seu progresso individual e no dos seus filhos, assim como com padrões de consumo tão exigentes que não podem, quase por definição, ser satisfeitos por bens coletivos, também funciona como uma massa de base para libertar progressivamente o capitalismo de intervenções com motivação democrática.” (TEMPO COMPRADO, Editora Actual, Lisboa, Portugal, 2013, p. 179/180).

Refletindo sobre política no pós-guerra, período em que foi construído o Estado democrático com predominância da justiça social sobre as demandas do mercado, Hannah Arendt afirmou que:

“Por traz de nossos preconceitos atuais contra a política estão a esperança e o medo: o medo de que a humanidade se auto-destrua por meio da política e dos meios de força que tem hoje à sua disposição: e a esperança, ligada a esse medo, de que a humanidade recobre a razão e livre o mundo não de si própria, mas da política. Um meio de fazê-lo seria a criação de um governo mundial que transformasse o Estado numa máquina administrativa, resolvesse burocraticamente os conflitos políticos e substituísse os exércitos por forças policiais. Essa esperança é, evidentemente, pura utopia enquanto a política for definida no sentido usual, ou seja, como relação entre dominadores e dominados. Tal ponto de vista levaria não à abolição da política, mas a um despotismo de proporções colossais no qual o abismo que separa os governantes dos governados seria gigantesco a ponto de tornar impossível qualquer espécie de rebelião, para não dizer qualquer forma de controle dos governados sobre os governantes. o fato de nenhum indivíduo – nenhum déspota, per se – poder ser identificado nesse governo mundial não mudaria de forma alguma o seu caráter despótico. o governo burocrático, o governo anônimo do burocrata, não é menos despótico porque ‘ninguém’ o exerce. Ao contrário, é ainda mais assustador porque não se pode dirigir a palavra a esse ‘ninguém’ nem reivindicar o que quer que seja.” (A PROMESSA DA POLÍTICA”, Difel, 2008, p. 148/149)

Hannah Arendt rejeitou um governo mundial, pois a despersonalização da atividade governamental acarretaria a despolitização da política. A hegemonia de uma burocracia mundial acarretaria um distanciamento maior entre a população e o Estado. O  “governo de ninguém”, contudo, já não pode mais ser objeto de temor ou de reflexão. De fato, a consolidação do neoliberalismo tal como foi visto na Grécia sugere que não há mais necessidade de qualquer governo.

A queda do governo de esquerda grego e a posse de um novo governo não poderão mudar a realidade na Grécia, O mercado já governa os gregos pouco importando se eles votarão ou não na próxima eleição. Independentemente de quem for eleito pelo povo, apenas os seus interesses do mercado poderão ser levados em conta pela Grécia. A UE garantirá a predominância da justiça do mercado à justiça social. A soberania popular não poderá impor restrições aos credores da Grécia. Gostemos ou não, o mercado pode literalmente matar os gregos de fome para receber os juros fixados pelo próprio me

O regime democrático grego faliu e paradoxalmente continua existindo. A democracia brasileira é vigorosa e não está falindo, mas já ficou claro que dentro e fora do país existem aqueles que querem resgatar o Brasil das mãos do povo brasileiro para colocar o que é nosso nas mãos do povo do mercado. 

As seguidas tentativas de golpe esboçadas pelo PSDB (anulação da eleição, posse do derrotado, impedimento, revogação do diploma atribuído a Dilma Rousseff pelo TSE, investigação das despesas eleitorais do PT, anti-petismo diariamente insuflado pela imprensa, manifestações de rua cada vez mais violentas, atentado contra o Instituto Lula, etc…), tem sido orquestradas pelas mesmas pessoas que querem privatizar o Pré-sal. O mercado não deseja que os lucros do petróleo sejam distribuídos aos brasileiros através de investimentos na educação. A heróica resistência de Dilma Rousseff só tem feito aumentar a pressão dos agentes do caos político.

FHC desdenhou a democracia e exigiu a renúncia da Presidenta. José Serra apresentou o Projeto de Lei para entregar o petróleo aos norte-americanos. Aécio Neves se comporta como se tivesse sido eleito presidente. É evidente que aqueles que não conseguiram usar a democracia para impor a agenda do povo do mercado ao povo brasileiro querem destruir o regime constitucional. Em algum momento Dilma Rousseff deverá usar a força contra os golpistas. Eu estou pronto para apoiar nossa Presidenta. E você?

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. Conversei hoje sobre algo

    Conversei hoje sobre algo assim. O PSDB planejou governar por vinte anos; pelo menos era o que dizia Sérgio Motta. Por que vinte anos? Porque é o tempo mínimo necessário para redirecionar um projeto de país; passados vinte anos, as mudanças se estabilizam e perduram por um bom tempo. Só que ninguém manda na história e o PSDB só governou oito anos. Após sucessivas eleições petistas, um outro projeto de país está prestes a se estabilizar, pois ao final do governo Dilma serão 16 anos. O PSDB sabe que é agora ou nunca, daí o desespero e os tiros para todos os lados. 

    PS. Onde se lê PSDB, acrescente-se: representante do deus mercado em Terra Brasilis.

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