Bem vindo ao Brasil, um ‘Estado fracassado’ em construção

Os governos Lula e Dilma Rousseff se caracterizaram por terem proporcionado um salto de qualidade na educação no Brasil. Além de construírem diversas universidades, ambos criaram programas que facilitaram o acesso da população de baixa renda e dos racialmente excluídos (índios e negros) às universidades públicas e privadas. O programa Ciência Sem Fronteiras fez aquilo que o mercado nunca seria capaz de fazer: dar aos pobres brasileiros uma valiosa experiência e formação no exterior.

Tudo isto, porém, é passado. Michel Temer já começou a desmantelar a infra-estrutura educacional cuidadosa e lentamente construída nos governos do PT. Aliado ao congelamento de investimentos em educação por 20 anos e à privatização de universidades públicas, o Brasil voltará aos bons tempos da Colônia e do Império. Época em que a educação universitária era um luxo que o mercado só proporcionava para os filhos das famílias abastadas.

As propostas educacionais de Michel Temer não tem apoio popular. Mas isto não o incomoda, pois como todo tirano o usurpador se gaba de sua impopularidade. O mal que ele fará ao Brasil, porém, não será temporário. Afinal, como disse Ulrich Beck:

“A chave da garantia de subsistência reside no mercado de trabalho. A aptidão para o mercado de trabalho exige formação. Quem quer que não a receba estará socialmente à beira do abismo material. Sem os respectivos certificados escolares, a situação é tão desastrosa quanto com eles, exceto pela possibilidade de obter um emprego. Chegando a essas condições, aqueles a quem já de entrada foi vedado o acesso a uma formação profissional caem no abismo social. A oferta ou a recusa de vagas de aprendiz se converte numa questão de entrada na sociedade ou saída dela. Ao mesmo tempo, ‘altos e baixos’ conjunturais e demográficos podem jogar gerações inteiras para o escanteio existencial. Isto é: situações individuais institucionalmente dependentes fazem surgir, justamente ao longo de variações conjunturais da economia e do mercado de trabalho, medidas que, apoiadas nos respectivos ‘espíritos de corpo’, favorecem ou discriminam em função da geração dos afetados. Essas medidas emergem invariavelmente sob a forma de serviços insatisfatórios de previdência e provisão por parte das instituições estatais, que se expõe assim à pressão pela adoção, por meio de regulações jurídicas e programas redistributivos, de medidas compensatórias ou de combate à falta institucionalmente pré-programada de oportunidades, fases da vida e faixas etárias inteiras.” (Sociedade de Risco, Ulrich Beck, editora 34, São Paulo, 2010, p. 197).

Todavia, nem Michel Temer, nem seus comparsas na Câmara dos Deputados e do Senado estão preocupados em proporcionar “…regulações jurídicas e programas redistributivos, de medidas compensatórias ou de combate à falta institucionalmente pré-programada de oportunidades, fases da vida e faixas etárias inteiras.” Eles estão fazendo o oposto. Capturadas pelo golpe de 2016, as instituições brasileiras estão, com ajuda da grande imprensa (grande beneficiária do rompimento da legalidade, pois passou a ser irrigada com verbas publicitárias bilionárias), jogando os jovens pobres e velhos em idade de se aposentar no abismo social mediante a redução de direitos trabalhistas e previdenciários.

As vítimas da hecatombe social programada por Michel Temer só restará fazer uma saída: procurar na religião um consolo para a exclusão social. Todavia, nem a Igreja Católica, nem os templos evangélicos conseguirão sustentar tanta gente jovem e idosa excluída do mercado de trabalho e dos benefícios da economia. A teologia do sucesso material, por outro lado, só conseguirá uma coisa: produzir riqueza para os pastores evangélicos e legiões de eleitores empobrecidos e estupidificados para os “políticos ungidos” para conservar a situação como ela está sem prejudicar os interesses dos templos e dos seus donos.

O resultado desta combinação será não uma redistribuição de poder político e da riqueza para o topo da pirâmide social e de pobreza e de culpa para a base da mesma. Algo semelhante foi notado por Ulrich Beck:

“Se anteriormente o que lhe afetava era um ‘golpe do destino’, sob a forma de intervenção divina ou natural, por exemplo, guerra, catástrofes naturais, morte do cônjuge, em suma, um evento pelo qual ele não aceitava qualquer responsabilidade –, agora tais eventos representam muito mais um ‘fracasso pessoal’, desde a reprovação num exame até o desemprego ou o divórcio. Portanto, na sociedade individualizada, os ricos não apenas aumentam de um ponto de vista meramente quantitativo, como também acabam surgindo qualitativamente novas formas de risco pessoal: somam-se-lhes novas formas de ‘atribuição de culpa’, o que é ainda mais agravante. Com base nessas pressões por auto-configuração, autoplanejamento e autoprodução, acabarão surgindo cedo ou tarde novas demandas educacionais, tutelares, terapêuticas e políticas.” (Sociedade de Risco, Ulrich Beck, editora 34, São Paulo, 2010, p. 200).

Quais são as propostas do governo ilegítimo para as “…novas demandas educacionais, tutelares, terapêuticas e políticas” que ele mesmo pretende provocar? Menos inclusão social e mais encarceramento. De instituições em que os criminosos comuns cumprem suas condenações, os presídios (públicos e privados) passarão a ser depósitos de rejeitos sociais abertos à todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, rejeitarem a exclusão social. Não por acaso as prisões políticas estão se tornando comuns após o golpe de 2016.

A política foi deslegitimada pelo discurso jornalístico. Com ajuda da imprensa venal e elitista, o Estado está rapidamente aumentando o abismo entre pobres e ricos. A ciência social não é mais capaz de fornecer à administração pública qualquer parâmetro de governança. O mercado está tomando posse de tudo, inclusive da riqueza petrolífera em nosso litoral. E ao invés de proteger os interesses duradouros da União, o Procurador Geral da República foi à Europa dizer que é “pró-mercado” (uma maneira não muito elegante de dizer que o nosso Estado se tornou “anti-povo brasileiro”).

Em 1964 o “mito do Estado forte” venceu a coexistência pacífica entre direita e esquerda dentro dos limites da Constituição de 1946. O resultado foi a exclusão política daqueles que ousavam discordar dos tiranos fardados. Em 2016, o “mito do mercado onipotente” tomou o lugar que competia ao Estado. O resultado será a brutal exclusão programada da vida econômica de gerações inteiras da população brasileira.

“Hegel falou não só do poder do Estado, mas também da sua ‘verdade’, e era um grande admirador da ‘verdade que reside no poder’. Mas ele nunca confundiu esse poder com a simples força física. Sabia muito bem que o mero crescimento da riqueza material e do poder não deve ser considerado como padrão da riqueza e da sanidade do Estado. Esse ponto de vista é salientado numa passagem de sua Lógica Maior. Como ele acentua, o alargamento territorial de um Estado pode enfraquecê-lo e precipitar sua ruína.” (O Mito do Estado, Ernst Cassirer, editora Codex, São Paulo, 2003, p. 319)

A ruína do Brasil não será provocada pelo acréscimo de riqueza e poder proporcionados pelo alargamento do Estado. Aqui o oposto provocará o mesmo fenômeno.

Ao excluir da vida social e econômica imensos contingentes populacionais dentro do seu território para poder proporcionais mais riqueza e poder à uma diminuta parcela de sua população, o Estado brasileiro está condenado a se transformar numa prisão continental. Não por acaso o Exército foi convocado a intervir nos presídios. Os soldados brasileiros terão assim uma excelente oportunidade para aprender a lidar com as populações que o Estado brasileiro rejeitou e do qual a elite não poderá se libertar sem o uso de violência extrema quando os motins começarem.

Todavia, enquanto o Estado estiver se dissolvendo à medida que reforça a inexistência de vínculos sociais entre os brasileiros violentados e aqueles que os brutalizam, mediante subornos os estrangeiros poderão se apropriar da riqueza do petróleo no nosso litoral. Não é isto o que ocorre nos “Estados fracassados” africanos? 

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. O Brasil é um estado

    O Brasil é um estado fracassado por que tem uma elite lesa-pátria, uma classe média fascista e um povo de fracassado de MERDA que aceita tudo.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador