Lula, Bertold Brecht e o “outro Dr. Spock” iluminarão as penumbras do Brasil?

A disputa eleitoral de 2018 começou oficialmente no dia em que Dilma Rousseff tomou posse para cumprir o segundo mandato. Este fenômeno bizarro foi produzido porque a imprensa e o candidato derrotado não aceitaram o resultado da eleição.

O golpe de estado de 2016 interrompeu o mandato de Dilma Rousseff e consolidou o vácuo político. O vazio está sendo preenchido pelo Judiciário ao custo do esvaziamento de sua própria autoridade na medida em que persegue injustamente Lula e o PT e garante a tranqüilidade de um governo constituído predominantemente por mafiosos do PMDB e do PSDB que assaltaram a presidência para garantir a própria impunidade.

Apesar de todos os truques tecnológicos empregados pelo MPF e das artimanhas processuais de Sérgio Moro, Lula não poderá ser condenado.  A prisão do líder petista só poderá ocorrer se a inexistência de provas da materialidade do crime e a ausência de culpa forem transformadas em fundamento da condenação. Caso em que depoentes como FHC terão que responder por crime de falso testemunho. 

Michel Temer acreditava que era a solução para os problemas econômicos brasileiros e só conseguiu agravar a crise. Isto explica porque o desempenho dele nas pesquisas eleitorais é medíocre. Aécio Neves, que fazia pose de campeão da moralidade e líder do golpe de 2016 está sendo sobrepujado nas pesquisas por Jair Bolsonaro (deputado que conseguiu ter menos votos que os votos em branco na disputa para a presidência da Câmara dos Deputados.

Os golpistas sonhavam em transformar o Brasil num paraíso neoliberal europeu com taxas de crescimento chineses. Mas só conseguiram aproximar o país do Haiti. Isto explica porque estamos sendo invadidos por nossos próprios militares.

As greves de policiais e o uso das Forças Armadas para estabilizar o Espírito Santo e o Rio de Janeiro são apenas reflexos de uma distorção que começou a aparecer. Estropiados pela queda de arrecadação, os Estados da federação não conseguem mais sustentar os privilégios senhoriais de governadores, secretários, promotores, juízes e desembargadores (inclusive aposentados) e pagar os salários de professores, médicos e policiais.

Realidade e ficção são diariamente misturadas na imprensa para salvar a corja de ladrões que deu um golpe de estado em 2016. Os barões da mídia não conseguem aceitar uma verdade trivial: o jornalismo de guerra não conseguiu e não conseguirá destruir o PT ou impedir a população brasileira de eleger Lula em 2018. As únicas coisas que a imprensa está conseguindo destruir são: a) a credibilidade dos jornais, revistas e telejornais; b) a economia brasileira e, eventualmente, a unidade territorial do Brasil.

Assim como a imprensa usa a ficção para tentar construir a realidade usarei a ficção para desconstruir ficções jornalísticas que impedem o Brasil de se conhecer sem as exclusões políticas desejadas pelos barões da mídia. Afinal, como diz Hannah Arendt:

“…apenas o conhecer pode ter um objetivo, seja ético, religioso ou político. O pensar não tem um objetivo real e, a menos que encontre seu sentido em si mesmo, não tem absolutamente nenhum sentido. (Isso, evidentemente, aplica-se apenas á atividade de pensar em si, não ao escrever pensamentos, ato este que tem muito mais a ver com processos artísticos e criativos do que com o pensar em si. O escrever os pensamentos tem de fato um objetivo e um propósito; como todas as atividades produtoras, tem um começo e um fim.) Pensar não tem começo nem fim; pensamos enquanto vivemos, pois não podemos fazer de outra forma. É por isso que, em última análise, o ‘Eu penso’ de Kant deve acompanhar não só todas as ‘noções’, mas todas as atividades e passividades humanas.” (Homens em tempos sombrios, Hannah Arendt, Companhia de Bolso, editora Schwarcz, São Paulo, 2008, p. 140/141)

Em 27/02/2015 morreu Leonard Nimoy, ator que representava o Dr. Spock na série Star Trek.  Spock foi meu personagem preferido na infância. Talvez tenha sido por influência dele que, já na fase adulta, estudei Lógica Formal durante e depois da Faculdade de Direito. Vez por outra retorno aos meus estudos de Lógica Formal ou acrescento uma nova obra sobre este tema à minha biblioteca.

Há um episódio da série Star Trek https://pt.wikipedia.org/wiki/Mirror,_Mirror_(Star_Trek) em que quatro tripulantes da Enterprise são acidentalmente teletransportados para “outra nave” num mundo paralelo. Lá cada personagem tem seu duplo perverso. Os “outros tripulantes” da “outra Enterprise” não pertencem a uma Federação pacífica e sim a um Império belicoso que impõe sua vontade pela intimidação, extorsão, chantagem e assassinato em massa. Eles não são promovidos por mérito e sim mediante assassinatos.

A versão alternativa de Spock usa barba e é o único capaz de praticar uma conduta que poderia ser considerada virtuosa. Ao descobrir o que ocorreu, o “outro Spock” ajuda os protagonistas a retornarem para seu próprio mundo para que os “outros”, que estão presos na verdadeira Enterprise, possam retornar  ao mundo paralelo.

Revi o episódio e lembrei um poema de Bertold Brecht citado por Hannah Arendt no livro “Homens em tempos sombrios”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Abaixo o poema originalmente escrito em alemão sua versão em português.

 

“Denn die einen sind im Dunkeln

Und die andern sind im Licht.

Und man siehet die im Lichte

Die in Dunkln sieht man nicht.””

 

“Alguns ficam na penumbra

E outros na luz

Você não vê aqueles na sombra –

Somente os que estão na luz”

 

O tema do poema de Brecht é a limitação da percepção humana. Não conseguimos ver aquilo que não estiver iluminado. No contexto da obra, o vocábulo “luz” pode ser entendido como o fenômeno físico que possibilita a visão e como um sinônimo de conhecimento. Nas sombras há um mundo desconhecido. Não podemos ver aqueles que o habitam, mas eles podem nos ver porque estamos iluminados.

A origem etimológica do vocábulo “luz” é a palavra latina “luce”, vocábulo que está na raiz do substantivo “lúcifer” (portador da luz). Num contexto religioso ou teológico, Lúcifer (diabo, satanás) é algumas vezes associado paradoxalmente às trevas. Onde se espalha a ciência difundida pelo Portador da Luz há sombras e não luz. A luz obscurece o verdadeiro conhecimento.

O que é visto ou percebido pela visão pode ser enganoso. Seria um engano imaginar que Brecht (filho de um católico com uma protestante que foi batizado na igreja da mãe) não tinha consciência destas sutilezas quando escreveu o poema analisado. A beleza estética desta obra reside no divórcio entre o texto de aparência singela e a profundidade do conteúdo e da linguagem simbólica utilizada pelo autor.

O episódio de  Star Trek acima mencionado não chega a ter a profundidade do poema de Bertold Brecht. Mas tem um mérito.  Ele sugere que a lógica do “outro Spock” é ou pode ser tão virtuosa quanto a do verdadeiro Spock. Recuperar o equilíbrio natural que havia nos dois mundos é uma necessidade que se impõe, pois é evidente que o deslocamento dos dois grupos de tripulantes provocou desarmonia nos dois universos.

Em razão de sua natureza peculiar, ambos Spocks seriam forçados a raciocinar e a agir da mesma maneira apesar de pertencerem a contextos absolutamente diferentes. A pegadinha escondida no roteiro deste episódio foi mostrar a diferença sutil entre os dois Spocks: enquanto o “outro Spock” fez o que era necessário o verdadeiro Spock se limitou a mandar os duplos dos 4 tripulantes para a prisão. Neste caso o Portador da Luz não projetou sombras. Quem fez isto foi aquele que deveria ter tido uma visão perfeita na escuridão.

A política brasileira também é feita de luz e sombras. A imprensa concebe, projeta e amplifica a penumbra, pois raramente é capaz de admitir às claras os interesses obscuros dos barões da mídia que estão em jogo. Neste momento de crise (se é que existe algo semelhante a “este momento” e não estamos diante de uma “realidade alternativa que artificialmente perdura mediante a autodestruição da respeitabilidade do Judiciário”; se é que existe uma ”crise”, pois no Brasil luz e sombras sempre dançaram a mesma música de maneira muito semelhante) a única coisa que nós, os ignorantes do poder e desprovidos dos meios necessários à construção da realidade (mídia e armas) só podemos fazer uma coisa: esperar… e rir.

A esquerda diz que defende a “nossa Petrobras”. Mas a Petrobras de fato não é de todos os brasileiros, pois os royalties do petróleo não tem sido rateados entre 200 milhões de brasileiros. Tenho 50 anos e até hoje nem uma gota de petróleo foi depositada na minha conta-corrente. A direita quer privatizar a petrolífera como se a mesma já não pertencesse apenas a alguns brasileiros (aqueles que ganham fortunas para comandar a companhia, os que mantém contratos com a mesma e os políticos que desde os tempos de FHC recebem a gordura acrescentada contratos investigados na Lava a Jato).

Há pouca luz e muita sombra nesta história. Há, também, os defensores histéricos dos dois campos. Num terceiro campo estamos nós, os demais brasileiros tratados como espectadores indolentes fadados a ser ignorados porque não pensamos ou porque somos incapazes de representar nossos pensamentos.

Com a vitória quase certa de Lula nas eleições de 2018 (isto se o Judiciário não resolver cancelar as eleições e atribuir unilateralmente mais um mandato a Michel Temer) a Petrobras continuará no centro da disputa política. Fora dela estarão os cidadãos brasileiros, pois continuaremos a não receber os royalties do nosso petróleo. Se realmente quer mudar algo, Lula deveria desde já dizer que empossado ele começará a ratear entre todos os cidadãos a riqueza petrolífera. Só assim a realidade irá conseguir empurrar a ficção para a escuridão e sairemos da realidade paralela criada pelo golpe de 2016.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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