Donald Trump e os imigrantes

Nenhum outro país tem a história tão profundamente marcada pelo cinema quanto os EUA. A indústria cinematográfica não somente construiu capital financeiro e simbólico como remodelou a percepção que norte-americanos tem da sua história e de si mesmos na história da humanidade. Não causa espanto a história do cinema ter se fundiu de maneira perfeita à história daquele país em alguns momentos (fenômeno retratado no filme Argo- 2012).

É possível pensar numa história do Brasil, da França, da Inglaterra e da Rússia sem cinema. Sem este a história dos EUA praticamente deixa de existir, pois os norte-americanos (especialmente aqueles que são fanáticos religiosos) estão mergulhados num mito que os liga diretamente aos hebreus e, paradoxalmente, aos romanos. A arquitetura de Washington, a águia que simboliza o Departamento de Estado, o imperialismo irritante e violento da Casa Branca e do Pentágono sugerem que os EUA se esforça muito para mimetizar Roma. Mas a retórica que predomina nos discursos dos políticos norte-americanos é tributária quase sempre do Velho Testamento.

Na atualidade os imigrantes, especialmente os mexicanos, são tão indesejados nos EUA quanto os romanos eram odiados na Judéia no século início do I dC. O tema central do filme Machete-2010 dominou totalmente a cena política norte-americana nos últimos dias. Donald Trump se esforça para ser o candidato cinematográfico-político que derrotará os imigrantes com milicias e cercas eletrificadas que se elevarão aos céus e afundarão nos infernos para que as almas puras dos norte-americanos puros não sejam diabolicamente misturadas com as almas dos impuros mexicanos.

Os imigrantes, contudo, continuarão para sempre sendo essenciais à história do cinema nos EUA. Foram eles, os indesejados por Donald Trump, que construíram o American dream consumido dentro e fora dos EUA. Para citar apenas alguns deles: Greta Garbo (sueca), Arnold Schwarzenegger (austriaco), Ingrid Bergman (sueca), Michael Fassbender (alemão), Audrey Hepburn (belga), Antonio Banderas (espanhol), Natalie Portman (israelense), Toshirō Mifune (japonês nascido na China), Sophia Loren (italiana), Vincent Cassel (francês), Monica Bellucci (italiana), Ricardo Montalbán (mexicano). A lista dos imigrantes no cinema “made in USA” é grande demais, então paro por aqui. De fato não consigo citar um único filme memorável feito nos EUA que não tenha um imigrante no elenco ou atrás das câmeras.

Donald Trump se apresenta como o campeão do americanismo como se o próprio americanismo não tivesse sido construído por imigrantes no imaginário dele e no dos eleitores que ele pretende conquistar. Racionalidade, meus caros, não é uma característica típica da política e da cultura norte-americana. Isto talvez explique porque gostamos tanto dos filmes feitos nos EUA, especialmente, daqueles que foram protagonizados por “norte-americanos autênticos”, ou seja, por imigrantes.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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