Chego ao restaurante pontualmente ao meio-dia. Minha companhia ainda não chegou. Enquanto aguardo dois colegas de profissão para o almoço, olho sem prestar muita atenção para uma TV sintonizada na Rede Globo. Começa o telejornal.
Notícia: colisão de vários e motocicletas em razão da neblina. Dois mortos. Corta para uma foto da Ponte Estaiada mergulhada na nuvem rasteira. O jornalista Cesar Tralli comenta a imagem: como em Londres nos velhos tempos…
O padrão global de jornalismo desterritorializado entrou em ação. Não basta ser neblina, tem que ser fog. A atual cidade de São Paulo ganha destaque europeu ou perde sua beleza latino-americana ao ser comparada com a capital inglesa do século XIX?
Londres mergulhada no fog é uma imagem bonita, cinematográfica. Evoca os becos de Whitechapel nos filmes da Hammer Film Productions. Jack, o estripador, continua degolando prostitutas? Sinto que há algo errado no comentário de Tralli. O que será?
Consulto o Google no smartphone Samsung. A busca virtual pelo sagrado fog londrino me conduz à História de Londres, cidade insuportavelmente poluída mergulhada no smog produzido pelo uso intensivo de carvão. O telejornal não noticiou os níveis de poluição na capital paulista no momento do acidente fatal. A comparação tralliana é abusiva.
O estripador atacou novamente. No telejornal os fatos foram degolados para que a ideologia da subserviência cultural ocupe um lugar de destaque no imaginário do respeitável público paulista. Meus amigos chegaram. Guardo minha navalha virtual e dou uma gargalhada macabra, digna daquele ator inglês que morreu há algum tempo. Durante o almoço ninguém ficará sabendo que acabei de degolar a prostituição jornalística.
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