O Judiciário, a Folha de São Paulo e a tradicional impunidade dos poderosos

Em editorial publicado no dia 30/03/2015  a Folha de São Paulo criticou de maneira suave a impunidade dos criminosos do PSDB e a leniência com que os mesmos são tratados pelo Poder Judiciário: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/03/1609973-editorial-justica-tarda-e-falha.shtml .

O tom indignado utilizado pelo editorialista da Folha dá a entender que o fenômeno é uma novidade. Por isto resolvi reproduzir aqui uma pérola da história judiciária brasileira:

“Havia no Rio de Janeiro uma padaria cujo proprietário era frequentemente condenado a multas pelo juiz Petra de Bittencourt, pelo furto, que fazia ao povo, no pêso e na qualidade do pão. Apadrinhando-se com um fidalgo prestigioso, êsse comerciante deshonesto conseguiu que o ministro, assinasse um aviso, ordenando ao magistrado que não mais perseguisse o fabricante de pão pequeno.

Portador do aviso, o comerciante entregou ao juiz Petra, o documento, e esperou a resposta.

-Vá descansado, – declarou o magistrado, ao terminar a leitura do documento. – Vá descansado.

E nos seus modos desabridos:

-Vá descansado, e póde furtar á sua vontade, porque o ministro o autorizou: e tôlo será o senhor si não furtar dez vezes mais do que até afora tem feito!” (O Brasil Anedótico, obras completas de Humberto de Campos, livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 1936, p. 162/163)

Duas coisas são evidentes nesta história, que é verídica muito embora não seja narrada na página dedicada ao juiz Petra Bittencourt no STF http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stj&id=247. A primeira é a existência no Brasil da nefasta tradição do poder se impor à Lei e ao Juiz. A segunda é a maneira pusilânime como, em nosso país, um Juiz se submete ao abuso de poder, quer porque se sente ou é impotente, quer porque ao fazer isto ele mesmo sabe que não sofrerá qualquer represália.

Dois séculos não foram suficientes para resolver este “pequeno problema” do nosso Judiciário. Em geral os juízes brasileiros seguem sendo arrogantes quando podem e servis quando percebem que serão vítimas de abusos de poder. A ilegal subserviencia ao poder político ou econômico raramente acarreta alguma punição. Isto explica a impunidade dos poderosos e corrompidos assessores, camaradas, parceiros, compadres, comparsas e amigos de FHC, que sequer foram levados a julgamento pelos abusos que cometeram durante a “era de ouro da corrupção no Brasil”. Época em que o Procurador Geral da República era, com justiça, chamado Engavetador Geral da República.

É verdade que lamentamos e, por algum tempo, lamentaremos as estranhas decisões proferidas por Gilmar Mendes e por outros membros do STF, sempre prontos a atender aos desejos impublicáveis ou publicados nos jornais e telejornais dos poderosos, mas nem tudo está perdido. O atual presidente do STF é uma honrosa exceção à regra empregada por Petra Bittencourt no episódio acima narrado.

Quando Ricardo Lewandowski, durante o julgamento do “Mensalão petista”, foi atacado ferozmente por seus pares e pela imprensa ele não se curvou ao poder. Ele sustentou com argumentos racionais sua convicção profunda e, aliás, correta, de que os réus não poderiam ser condenados por presunção e com base numa teoria jurídica alemã contrária aos princípios constitucionais de Direito Penal em vigor. Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki também tem contrariado a tradição nacional e merecem aplausos.   

Sob o governo Dilma Rousseff, que tem sido sistematicamente atacada pela imprensa – por esta mesma imprensa que de maneira hipócrita lamenta a impunidade dos poderosos que ajuda a eleger – a justiça vai lentamente chegando aos grandes sonegadores de impostos (dentre os quais algumas empresas de comunicação) e aos corrompidos membros do PMDB, PP, PSDB etc… A resistência dos eternamente impunes, entretanto, é e continuará a ser grande. Os presidentes do Senado e da Câmara, por exemplo, tudo farão para tropeçar num Petra Bittencourt nos próximos meses. José Serra, Geraldo Alckmin e outros ladrões do Metrô pagador estão tranquilos, dormem em berço esplendido. No TJSP não tem nenhum Ricardo Lewandowski.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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