Poltergeist 2015 e o terror da hierarquização geográfica

Há alguns dias publiquei aqui algumas referências ao filme Poltergeist de 1982 e ao terrorismo político diariamente praticado por uma certa rede de TV. Hoje falarei um pouco sobre a nova versão do filme de terror.

Poltergeist 2015 segue o roteiro do filme de Spielberg. Algumas alterações foram feitas na história, mas no geral os dois filmes são bem parecidos. Os efeitos especiais digitais conferem realidade ao irreal mundo paralelo dos mortos para o qual a menina é atraída e do qual ela é enfim salva. Quando tudo parece terminado, bum… o terror recomeça. Mas no fim tudo acaba bem.

A única coisa que me chamou atenção neste filme foi um diálogo. Durante um jantar, uma personagem secundária diz ao chefe da família que acabou de se mudar para a nova casa, que naquele local havia um cemitério. Esclarece que os mortos foram transferidos para um “bairro melhor”.

A referência ao “bairro melhor” é interessante. A expressão lembra os famosos “bairros nobres” exaltados pela imprensa brasileira em oposição às depreciadas “periferias” ou às “comunidades” (eufemismo politicamente correto que substituiu o termo favelas).

No Brasil as cidades são hierarquicamente divididas. No filme Poltergeist 2015 a geografia urbana hieraquizada é transferida para o além. O diálogo sugere que no “bairro melhor”, para onde o cemitério foi transferido, não há a menor possibilidade de algo ruim ocorrer. O filme, todavia, não responde à questão de alta indagação que sugere: como a hieraquização sócio-econômica deste mundo se reflete no mundo dos mortos e permite ou impede que o terror se propague entre ambos?

Na vida real o terror que os EUA pratica no estrangeiro, se propaga no território norte-americano de várias maneiras: atentados terroristas praticados por imigrantes ou por norte-americanos fanáticos; militarização das políticas e aumento exponencial da violência policial; paranóia administrativa e vigilância massiva da população (NSA coletando ligações telefônicas de todos os norte-americanos, FBI e CIA espionando todo mundo o tempo todo através do Facebook ou usando backdoors do Windows etc…).

No mundo dos vivos, portanto, a hierarquização sócio-econômica dos espaços e a separação dos mesmos por fronteiras (e barreiras) é incapaz de impedir curtos-circuitos geográficos. O que ocorre fora dos EUA se reflete dentro do país mesmo que os norte-americanos não desejem isto ou justamente porque o Estado tenta impedir que isto ocorra.

Nada sei sobre o mundo dos mortos. Na verdade bem pouco me interesso pela sua geografia, se é que isto existe no outro mundo. No nosso mundo, contudo, a geografia da morte é um fato.

Em São Paulo, por exemplo, alguns bairros nobres tem seus próprios cemitérios. Este é o caso do Cemitério da Consolação, que fica bem próximo da badalada Av. Higienópolis. É para lá que vão os cadáveres dos paulistas nobres? Sim, sem dúvida. Mas também podemos supor que alguns novos-ricos consigam comprar jazigos naquele cemitério para poder, enfim, galgar os píncaros da sociedade paulistana no fundo da terra.

O que a geografia urbana hieraquizada de São Paulo separou a morte raramente será capaz de juntar. Os moradores das periferias e das favelas não tem entrada franca no Cemitério da Consolação. Por isto, os vermes que comem os restos mortais dos paulistas nobres devem ser de uma progênie diferente (e quem sabe até melhor) do que aqueles que frequentam os cemitérios periféricos.

São Paulo não é uma exceção. Em Paris algo semelhante ocorre. A badalada Av. Foch, fica bem próxima do Cemitério de Montemartre onde vários personagens importantes da história francesa e mundial estão enterrados.

O ex-presidente FHC morou na Av. Higienópolis em São Paulo. Segundo divulgado pelos Blogs Sujos atualmente FHC reside num apartamento na Av. Foch. Portanto, ele sempre esteve perto de um cemitério nobre. A julgar pelo diálogo acima referido e pela dinâmica do filme Poltergeist 2015, não há qualquer possibilidade de horror nas proximidades do Cemitério da Consolação (São Paulo, Brasil) e do Cemitério de Montemartre (Paris, França). Descanse em paz e, principalmente, deixe o Brasil e os brasileiros em paz FHC, diremos quando o Poltergeist Tucano for transladado para sua nobre e última morada em Paris ou em São Paulo.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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