Querem água? Recoloquem a Itaecerá no Inhapuambuçu!

São Paulo não nasceu em volta da Pauerpercula Domo construída por José de Anchieta. Na verdade, a pobre casinha do jesuíta foi levantada próximo a um aldeamento Tupi que ficava numa elevação chamada de Inhapuambuçu que tinha de um lado o Tamanduateí (rio do tamanduá verdadeiro) e do outro, um pouco mais distante, um riacho alimentado por três córregos que corriam para uma baixada que alagava durante as chuvas. O vale alagadiço era, provavelmente, um imenso criatório de mosquitos evitado pelos índios que chamavam  o local e o riacho de Anhangabaú (nome que faz referência a Anhangá, uma entidade diabólica temida pelos Tupis).

Não faltava água no aldeamento que foi crescendo e povoado por índios, mamelucos, colonos e, é claro, por jesuítas. A água tinha que ser buscada no Tamanduateí ou no Anhangabaú. Armazenar a chuva pode ter sido uma estratégia importante no princípio de São Paulo. Além de limpa, a água da chuva estava sempre à disposição e seu armazenamento evitaria longas caminhadas ladeira abaixo e acima.

Próximo à Pauerpercula Domo ficava um dos maiores objetos de culto dos Tupis: a Itaecerá (uma imensa rocha partida). Segundo relatos antigos, a Itaecerá no Inhapuambuçu teria sido rachada com um raio por Tupã. O espetáculo luminoso e barulhento deve ter convencido os índios de que a rocha passou a conter a essência da divindade que a tocou. Seu culto concorria com aquele que era ensinado pelos jesuítas.

Logo que a maioria dos indígenas do local e das redondezas aderiram à fé católica, os jesuítas e os colonos trataram de destruir a Itaecerá a golpes de marreta. Os restos dela devem ter sido utilizadas nas fundações das primeiras edificações permanentes que foram levantadas nas proximidades. Os índios ficaram sem seu objeto de culto e Tupã pode ter se vingado alguns séculos depois.

Em pleno século XXI voltamos aos tempos da Pauperpercula Domo. O Estado neoliberal paulista é incapaz de armazenar e distribuir água para os habitantes do centro da maior cidade da América do Sul. Os descendentes dos colonos e dos índios terão que comprar tonéis para armazenar chuva? Sim, sem dúvida. Os três córregos que alimentam o Anhangabaú e o próprio rio do Anhangá foram canalizados. Os paulistas não conseguirão usar estes mananciais que foram enterrados vários metros abaixo do nível da cidade. O Tamanduateí ainda corre a céu aberto, mas nem tamanduá falso beberia a água dele.

O que devemos fazer em razão do governo estadual não ter feito nada durante duas décadas após a privatização da Sabesp? Novenas, marchas para Jesus, promessas, procissões? Nossos antepassados fizeram muitas delas. Nem por isto conseguiram resolver com devoção a seca no nordeste. O que resolveu a carência do nordestino não foi a fé, mas a dedicação do governo federal (algo que os governantes paulistas não tiveram, não tem e não terão).

A única solução que me parece viável neste momento é apaziguar Tupã. O deus dos Tupis deve ter se aliado a Anhangá para maltratar os descendentes dos paulistas que destruíram seu monumento no Inhapuambuçu. Devemos, pois, procurar os pedaços da Itaecerá e, tanto quanto for possível, reconstruir o monumento em frente ao Patio do Colégio. Quem sabe assim Tupã resolva fazer o que Alckmin não fez ou nos livre dele despejando milhares de raios poderosos e destrutivos no Palácio dos Bandeirantes.  

Fábio de Oliveira Ribeiro

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