São Paulo, um Estado ditatorial dividido entre Morlocks e Elóis

Em 28 de setembro, publiquei um texto sobre o racismo https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-racismo-e-seu-avesso-por-fabio-de-oliveira-ribeiro. Alguns dias depois publiquei as memórias do esgoto paulista https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/memorias-do-esgoto-paulista-por-fabio-de-oliveira-ribeiro. Hoje falarei um pouco sobre a natureza racista do esgoto. Mas antes de fazer isto, farei algumas digressões sobre as ditaduras e as democracias.

Os dois termos tem origem na Antiguidade, mas passaram a designar coisas diferentes. A ditadura é um instituto da República Romana. Quando a urbe estava em perigo por causa de sedições internas ou guerras externas, o Senado romano autorizava os Consules a nomear um dictator com imperium magnum https://en.wikipedia.org/wiki/Roman_dictator. O ditador tinha poder para tomar medidas drásticas (inclusive destituir magistrados, prender suspeitos e condenar cidadãos à morte), mas seu mandato era limitado no tempo e sua autoridade não lhe permitia fechar o Senado.

O termo democracia é, como todos sabem, originário de Atenas. Este regime foi criado para por um fim às imensas tensões políticas produzidas pelo sinecismo. Pouco antes da primeira Guerra Médica, Atenas começou a levantar suas muralhas e usou a força bruta para transferir para dentro da cidade populações dos vilarejos contíguos. Os novos habitantes de Atenas eram homens livres, mas não podiam participar das decisões na Ágora nem se candidatar a cargos eletivos e isto levou a cidade à beira de uma guerra civil. A situação somente foi normalizada quando a cidade adotou a democracia, regime que permitiu a inclusão política dos novos cidadãos de Atenas.  

As ditaduras modernas não tem qualquer semelhança com a ditadura romana.  Os ditadores modernos geralmente chegam ao poder por intermédio de um golpe de estado violento (como o que ocorreu em 1964 no Brasil). Como todos governantes ilegítimos, os ditadores se sentem inseguros e em razão disto se investem de poderes especiais (como aqueles que constam do AI-5) não para proteger o Estado  e sim para realizar expurgos que o permitam ficar no poder. Não conheço nenhum ditador que tenha beneficiado o povo. Eles geralmente beneficiam apenas suas famílias, seus amigos e os soldados que os protegem.

As democracias atuais também não guardam qualquer semelhança com a democracia ateniense. No Brasil, por exemplo, as eleições são muito caras e isto acabou produzindo três tipos de cidadãos: os milionários e as grandes empresas que financiam candidaturas em troca de favores políticos, os políticos que já ganharam a confiança dos financiadores de campanha  e que se candidatam  a cargos eletivos até morrer e a esmagadora maioria da população que só pode fazer uma coisa: votar e observar as disputas políticas. Como disse em outro lugar, nós não vivemos numa democracia, mas num regime que pode ser chamado de “liberalismo oligárquico” https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/democracia-ou-liberalismo-oligarquico.

Nas ditaduras os governantes são absolutamente irresponsáveis pelo que fazem (isto explica, por exemplo, porque nenhum membro da Ditadura militar foi condenado por ter mandato matar e torturar prisioneiros). Em razão de seu poder ilimitado eles cometem abusos de toda natureza e seduzem parlamentares e juízes com dinheiro e amedrontam os descontentes com porretes e baionetas. Nos liberalismos oligárquicos (caso do Brasil), os governantes podem ser responsabilizados pelos seus atos. O poder deles não é ilimitado, muito embora a impunidade dos tucanos seja uma triste realidade no Brasil em geral e em São Paulo em espacial.

A regra de ouro nas ditaduras é o segredo e o silêncio. Os ditadores detestam divulgar o que estão fazendo, porque fizeram algo e, sobretudo, em benefício de quem algo foi feito. Eles escolhem o que vão divulgar e geralmente não divulgam nada sobre os abusos que cometem. E se alguém viola o segredo o resultado é sempre o mesmo: cárcere, tortura e morte.

No liberalismo oligárquico brasileiro a regra é a publicidade de todos os atos da administração pública. Isto consta expressamente da Constituição Federal. O segredo só existe em relação a questões sensíveis (militares e diplomáticas) e mesmo neste caso há regras que determinam o que não pode ser divulgado e por quanto tempo será mantido em sigilo.

Em São Paulo, contudo, há uma verdadeira cultura do segredo. A PM não quer divulgar quanto gastou em cada item utilizado para reprimir manifestações públicas. Alckmin tentou manter em segredo relatórios de falhas no Metro e voltou atrás. Hoje foi anunciado que os abusos da Sabesp não poderão ser conhecidos pela população http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/seca/2015-10-13/sabesp-ve-risco-de-acoes-terroristas-e-impoe-sigilo-sobre-dados-do-abastecimento.html. Resumindo: os cidadãos que pagaram o Imposto de Renda devolvido pela União ao Estado de São Paulo para o mesmo realizar as obras hídricas que a Sabesp não realizou (porque distribuiu seus lucros na Bolsa de New York) serão privados do seu direito de fiscalizar a empresa.

É evidente que o esgoto paulista funciona exatamente como uma ditadura. Apesar de obrigados a respeitar o princípio da publicidade, os preferem manter segredo de tudo que fazem. Qualquer coisa que possa manchar o PSDB ou macular a imagem dos tucanos (que eles cuidadosamente construíram e preservam entregando centenas de milhões de reais às empresas de comunicação privadas que atuam em São Paulo) é mantido em segredo. Não é segredo que alguns segredos do Metrô foram criminosamente queimados.

O racismo dos tucanos paulistas não é muito evidente. Mas se observarmos com cuidado, perceberemos que o PSDB dividiu a população de São Paulo em duas classes: os “superiores” que governam o Estado com mão de ferro e podem manter em segredo os abusos que cometem a fim de se tornar irresponsáveis pelos seus atos e; os “inferiores” que são governados, a esmagadora maioria da população que apenas pode votar, pagar impostos, consumir feliz a propaganda jornalística oficiosa paga com dinheiro público e se resignar em razão não saber o que foi feito em seu nome. Em São Paulo, portanto, existem 500 mil Morlocks e 43,5 milhões de Elóis.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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