Vidas paralelas: Sérgio Moro e Mao Tsé-Tung

Na sua autobiografia – que citarei aqui apenas de memória, pois dei o livro a uma amiga – o Dalai Lama narra o encontro que teve com Mao Tsé-Tung. O governante do Tibete era muito jovem naquela oportunidade. Ele afirma que o líder comunista foi muito gentil e lhe ofereceu doces feitos na província chinesa em que ele havia nascido. Todavia, quando Mao passou a falar de política, da natureza feudal do regime tibetano e da necessária reintegração à China daquela parcela do território chinês que era o Tibete, Tenzin Gyatso soube imediatamente que o líder chinês era o destruidor do Dharma*.

A legislação civil brasileira atribui a propriedade do imóvel àquele em cujo nome o mesmo se encontra registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Na aplicação da Lei Penal, o juiz não pode deixar de reconhecer a validade e eficácia de uma certidão imobiliária, mas foi exatamente isto que Sérgio Moro fez ao condenar Lula por ter recebido o Triplex como propina apesar do imóvel estar em nome da construtora e ter sido dado por ela em garantia a CEF.

Todos os elementos constitutivos do crime prescritos em devem estar presentes para que se possa atribuir o fato criminoso ao réu impondo-lhe a pena correspondente. Lula não tem a propriedade e a posse do Triplex, portanto, ele não poderia ser condenado por ter recebido aquele imóvel como propina. Todavia, Sérgio Moro ignorou o rigor do Direito Penal para condenar Lula porque ele não recebeu o imóvel.

A Lei obriga o juiz a condenar ou absolver o réu levando em conta a prova produzida nos autos. Matérias jornalísticas são unilaterais e, portanto, não fazem prova dos fatos que enunciam em relação a terceiros. Se o jornalista diz uma coisa e a certidão do Cartório de Registro de Imóveis diz outra, o documento público tem precedência jurídica à reportagem (um documento particular).

Lula foi condenado porque Sérgio Moro acreditou na matéria de jornal que sugeriu que o ex-presidente cometeu crime de corrupção. Contudo, a hipótese de que Lula é criminoso, que foi formulada pelo jornal, não configura o crime descrito na Lei Penal que lhe foi atribuída pelo juiz.

Ao julgar o processo Sérgio Moro criou um crime específico para atribuir ao réu no momento que redigiu a sentença. Isto fere violentamente o princípio constitucional de que não há crime sem Lei anterior que o defina. Se analisarmos com o devido rigor a sentença do juiz da Lava Jato, concluiremos que o verdadeiro crime imputado a Lula é um crime impossível. No Brasil não constitui delito ser acusado por jornalistas de ter cometido um crime. Neste caso quem eventualmente cometeu um delito foi o jornalista que ofendeu a honra do acusado e não quem ele acusou injustamente.

A presunção da culpa de Lula que motivou o jornalista foi considerada prova absoluta da culpa do réu pelo juiz a despeito da prova documental de que o Triplex é da construtora. Curiosamente, o próprio juiz não determinou o bloqueio e o arresto deste imóvel. Ele tinha receio que construtora pudesse exigir seus direitos em juízo expondo a chicana que ele cometeu?

Nós não somos tibetanos, o budismo não é a religião que organiza, fundamenta e sustenta o nosso Estado. Nós vivemos num Estado laico, portanto, apenas uma coisa deveria ser considerada sagrada pelas autoridades encarregadas de cumprir e fazer cumprir a legislação: o texto escrito da própria Lei, a jurisprudência e a doutrina. Sendo assim, nós podemos dizer que de certa maneira o Direito é o nosso Dharma.

De tudo que foi aqui exposto, fica evidente que Sérgio Moro condenou injustamente Lula. Portanto, ao proferir a sentença ele se equiparou a Mao Tse-Tung. O juiz da Lava Jato destruiu deliberadamente o Dharma do Estado laico brasileiro. O que ficou em seu lugar é apenas uma coisa: a vontade de Sérgio Moro e dos seus seguidores de purificar o Brasil, excluindo da vida política e da comunidade dos cidadãos o réu Lula.

O que a sentença do processo do Triplex diz sem ter enunciado abertamente é que Lula não tem qualquer direito. Ele é culpado mesmo que não tenha cometido qualquer crime, pois a culpabilidade do ex-presidente não foi e não deveria ser aferida à luz das provas, da Lei, da jurisprudência e da doutrina.

Nesse sentido, a sentença de Sérgio Moro me fez lembrar uma passagem do livro Purificar e Destruir:

“…intelectuais elaboram, em um momento-chave da história dos seus países, ferramentas ideológicas que, aplicadas, podem acarretar uma violência de massa. A ‘solução’ que propõe não oferece, com efeito, perspectiva alguma de compromisso. Suas análises, fundadas em uma afirmação de identidade radical, consistem exatamente em ‘essencializar’ as diferenças: ariano/judeu, hutu/tutsi etc. Elas legitimam um enfrentamento existencial entre o ‘eles’ e o ‘nós’. É a identidade do ‘eles’ que se coloca, para o ‘nós’, como sendo de natureza ameaçadora. Não há, por isso, negociação possível, pois a diferença se impõe como intangível. Mas para tal é necessário, ainda, que o quadro de identidade se traduza, precisamente, em força política conseqüente – o que, uma vez mais, não se configura como um processo automático.” (Purificar e Destruir, Difel, Rio de Janeiro, 2005, 100)

O intelectual Sérgio Moro, jurista formado no Brasil e nos EUA, estabeleceu uma distinção clara entre dois tipos de pessoas: ‘nós’, o grupo dos fanáticos defensores do juiz da Lava Jato, que não se dão ao trabalho de avaliar racionalmente as decisões que ele profere; e ‘eles’, Lula e os petistas que não tem quaisquer direitos constitucionais, que podem ser condenados por crimes impossíveis ou, pior, que devem ser exterminados porque são inocentes inúteis.

A Rede Globo,a Veja, o Estadão e a Folha de São Paulo são as caixas de ressonância do juiz tirano. Diariamente estas empresas de comunicação se esforçam para automatizar o processo de destruição do Direito por Sérgio Moro. Tanto isto é verdade que os “canetas” dos barões da mídia já começaram a pressionar os juízes do TRT-4, do STJ e do STF: a condenação de Lula é justa, injusta foi a pena; ele deve ser condenado a 90 anos de prisão. A dinâmica criada e alimentada pelo destruidor do nosso Dharma com ajuda dos seus megafones midiáticos será a violência genocida. Não por acaso, milhares de tibetanos também foram exterminados pelos soldados chineses.  

 

*Sobre o significado da palavra Dharma vide https://pt.wikipedia.org/wiki/Darma_(budismo)

Fábio de Oliveira Ribeiro

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