Para refletir e entender a crise na USP: O que pensa o coletivo de Pós-Graduandos “Unindo Forças na USP” – Parte 3

Caríssimos, 

A discussão sobre o atual situação da USP é bastante complexa. Além dos assuntos que vêm ganhando maior destaque na mídia, como as recentes denúncias de violência sexual e moral, outros temas são de essencial importância, não apenas para trazer luz sobre o planejamento político-estratégico que vêm se desenhando sem que a sociedade (e mesmo a própria comunidade USPiana) tome conhecimento, mas também para que se apresentem e se resgatem, os valores que consolidam a universidade pública brasileira, como essencial para o empoderamento político e social de nossa nação.

O coletivo de Pós-Graduandos “Unindo Forças na USP”, que há menos de um mês assumiu a gestão da Associação de Pós Graduandos da USP Helenira “Preta” Resende e também, possui a maioria dos representantes discentes em nível de pós-graduação nos orgãos colegiados da USP, fez importantes reflexões sobre o que consideram como os pilares da universidade pública e da Universidade de São Paulo que queremos.  Assim,  serão apresentados a partir daqui, uma série de 4 textos, sobre cada um destes pilares e sua conexão com a crise da USP, seu planejamento político-estratégico, sua interferência na formação de excelência, bem como, na sociedade.

Boa leitura!

3. Extensão na Pós-Graduação

A extensão universitária, no contexto da América Latina, surgiu com movimento dos estudantes universitários de Córdoba. Esse movimento criticava o isolamento da universidade, prezando somente o ensino e a pesquisa, criando obstáculos em relação a uma maior interlocução entre a comunidade acadêmica e a sociedade.  Esse movimento ia contra o formato das universidades coloniais que compartilhava o controle do ensino com as elites locais e as Igrejas (Neto, 2004). O grande momento desta mobilização estudantil que ultrapassou os muros da Universida de Córdoba, ganhando adeptos da sociedade. O ponto central desta mobilização estudantil foi o “Manifesto Liminar ou La juventud argentina de Córdoba a los Hombres libres de Sudamérica”, ou o famoso “Manifesto de Córdoba” lançado em 21 de junho de 1918. Este manifesto continha princípios críticos a forma de gestão universitária, e a proposta de uma ampla reforma universitária, baseada nos príncípios da gestão democrática e autônoma, além da abertura do conhecimento científico para a sociedade, visando a sua vulgarização através da extensão. Esse movimento teve um forte impacto na América Latina, tanto pela capacidade de organização dos jovens, numa postura crítica em relação ao seu papel na universidade pública, como pelo surgimento e difusão do conceito de extensão universitária américa latina afora, consolidando um movimento próprio e inovador dentro da estrutura do ensino público superior.

No Brasil ocorreram diversos movimentos em prol da extensão do conhecimento para a sociedade, contudo, focaremos em dois exemplos: o primeiro, a União Nacional dos Estudantes, que surgiu a partir de movimentos estudantis críticos ao caráter elitista da universidade, onde se realizou diversos projetos de extensão, as margens da universidade, com o objetivo de levar o conhecimento as camadas menos abastadas da sociedade. Outro movimento relacionado e inspirador do primeiro, foram as obras teóricas e práticas de Paulo Freire, que pensava uma educação multicultural, ética, libertadora e transformadora. Segundo Paulo Freire, há a oportunidade concreta de se pensar a educação fundamentada na práxis, inserida numa política de esperança, revolucionária com amor e fé no ser humano. Os exemplos brevemente expostos revelaram o acirramentos das tensões entre forças conservadoras e forças radicais, e como consequência, a universidade começa a ser vista como uma ponte de contribuição para a transformação estrutural da sociedade.

O contexto de efervescência que direcionava o papel da educação crítica foi interrompido pela Golpe Civil-Militar ocorrido em 1964. Neste momento, os conflitos entre os movimentos sociais e o governo, ocupado pelos militares, são intensificados. Varios estudantes foram presos, além da proibição de manifestações de quaisquer tipos. Em 1968 o governo outorgou a reforma universitária, onde os principais pontos foi o isolamento das atividades de extensão, e a adoção de um enfoque tecnicista, baseado no trinômio racionalização, expansão e controle, e nos princípios da racionalidade, da eficiência e da produtividade.

A transição de um regime ditatorial para outro democrático se deu na Constituinte, processo de construção da Constituição Cidadã de 1988. Visando a criação de um novo paradigma da universidade pública, a Constituição Federal foi promulgada tendo a extensão como um pilar fundamental para o pleno desenvolvimento da universidade pública. Indo além, o artigo  207 da lei magna estabelece que “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre pesquisa, ensino e exntesão”, o que promove o caráter de integração dos pilares como fundamentais para uma universidade pública voltada para os interesses concretos da população brasileira.

Apesar desta grande vitória da educação pública, levada a cabo por diversos movimentos sociais e intelectuais, o ensino público superior ainda enfrentaria as reformas realizadas no âmbito do Consenso de Washington, que iria instalar o projeto neoliberal, visando a redução do estado e a abertura dos mercados para a economia capitalista globalizada. Assim diversas tentativas de reformas e a inclusão das figuras dos Centros Universitários e dos Institutos Superiores de Educação na Lei de Diretrizes de Bases da Educação de 1996, estipula que essas novas figuras precindindo-as da obrigatoriedade de pesquisa e extensão, o que revela uma clara influência dos grupos de interesses voltados para o mercado.

Desde então, as universidades públicas em sua maioria tem dado as costas para a extensão como pilar fundamental das instituições públicas de ensino. A não aplicação do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão não é uma mera retórica, mas tem implicações práticas tanto na sociedade como na construção do saber.

Não temos o intuito de se escrever uma longa abordagem teórica e analítca, mas podemos lançar mão dos pensadores que atualmente estão na frente da defesa da extensão universitária. Sueli Mazzilli (2011) aborda a importância da extensão afirmando que “a associação entre ensino, pesquisa e extensão, nesta perspectiva, constitui‑se em fator desencadeador do processo de ensino: os conhecimentos já produzidos, ao serem colocados em prática, evidenciam lacunas, que se transformam em problemas para pesquisa, que retornam ao ensino sob a forma de novos conhecimentos, que serão adotados pela extensão e assim sucessivamente, num movimento constante e interativo entre as três funções.”

Ou seja, tanto para a pesquisa, como para o ensino, a validação prática das pesquisas e das atividades de ensino servem como um norte para que essas dimensões não entrem o círculo vicioso de se repetir em si mesmas.

Neste sentido, entendemos que há a necessidade de recolocar a extensão universitária como pauta para o pleno desenvolvimento do ensino público superior. Se olharmos para a pós-graduação, essa necessidade se torna ainda mais relevante. É justamente a pós-gradução que possui maior interface com a pesquisa e com o ensino. Contudo, se olharmos para a realidade da Universidade de São Paulo, os alunos da pós-graduação não conseguem  ter outra possibilidade senão a pesquisa científica pura e simplesmente.

Portanto, como organização que pretende buscar formas de rever qual é o papel do pós-graduando dentro da universidade pública, pode-se encontrar importantes pontos de convergência com a proposta de integração dos três pilares fundamentais do ensino público superior. No mais, a materialização e internalização da extensão universitária como uma dimensão fundante é o caminho mais concreto para uma maior inserção e interlocução da sociedade civil, visando assim, quebrar os muros que transformam a Universidade de São Paulo numa verdadeira bolha, cuja comunidade vive quase que em outra realidade.

AÇÕES QUE PROPOMOS:

  • Apoio a criação do Programa de Apoio a Extensão na Pós Graduação – PAEx
  • Estímulo e apoio aos projetos de extensão na pós graduação

Referências:

Mazzilli, S. Ensino, pesquisa e extensão: reconfiguração da universidade brasileira em tempos de redemocratização do Estado. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, vol. 27, n0 2, p. 205-221, mai-ago, 2011.

Neto, J. A. F. A reforma universitária de Córdoba (1918): um manifesto por uma universidade latino-americana. Revista Ensino Superior Unicamp. p.62-70, 2011.

 

Redação

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