Venda de armas à Líbia, um bumerangue para o Ocidente

Por Thalif Deen, da IPS

Nova York, Estados Unidos, 10/3/2011 – Quando, nas décadas de 1970 e 1980, o líder líbio Muammar Gadafi gastou fortunas comprando material bélico no Ocidente e em vários países comunistas, os Estados Unidos alertaram que a Líbia poderia se converter em um dos Estados com maior excedente de armas. A Líbia armazenou uma enorme quantidade de armamento sofisticado, e se as forças dos Estados Unidos e da Organização do Atlântico Norte (Otan) decidirem impor uma zona de exclusão sobre esse país o Ocidente poderá dar de frente com seu próprio arsenal.

O regime do coronel Gadafi depende do que armazenou naqueles anos, disse à IPS Pieter Wezeman, pesquisador do programa de transferência de armas do Instituto Estocolmo de Investigação da Paz. “Gadafi, provavelmente, armazenou muitas armas porque não tinha pessoal para fazê-las funcionar”, acrescentou.

A vida útil do armamento da Líbia é discutível após 12 anos de embargo, imposto pelos Estados Unidos e pela Europa ocidental em meados dos anos 1980. “O certo é que não são de última geração e não poderão repelir um ataque aéreo dos Estados Unidos ou da Otan”, assegurou Pieter. Uma grande proporção do armamento líbio procede da extinta União Soviética e, depois, da Rússia, segundo especialistas em defesa.

Em setembro de 1994, por ocasião do 25º aniversário do golpe militar de Gadafi, desfilaram pelas ruas de Trípoli mais de mil tanques soviéticos T-62 e T-72. A Rússia perderá mais de US$ 4 bilhões em contratos de armas com a Líbia, anunciou na semana passada o diretor de uma companhia exportadora, Sergei Chemozov, reconhecendo que desde 1992 seu país vende lança-mísseis leves que podem ser usados contra a aviação ocidental.

Estatísticas da União Europeia, citadas na semana passada pelo jornal The New York Times, indicam que a Itália é o maior exportador de armas para a Líbia e que investidores líbios têm 2% das ações da Finmeccanica, empresa italiana aeroespacial e de defesa. Os Estados Unidos destinaram US$ 300 mil em 2010 ao treinamento de soldados líbios dentro do programa Capacitação e Educação Militar Internacional. Para 2011, estavam previstos US$ 350 mil.

Segundo o Departamento de Estado norte-americano, esse programa “se concentrou no compromisso da Líbia em renunciar às armas de destruição em massa, frear o rápido crescimento da ameaça que representa a Al Qaeda na região e promover forças de segurança e militar profissionais e efetivas de acordo com as práticas e normas internacionais”. Trípoli se mostrou interessada em comprar novos sistemas de armamento desde que a Organização das Nações Unidas e a União Europeia levantaram o embargo entre 2003 e 2004, informou Pieter à IPS.

Nada indica que houve intercâmbios comerciais de 2004 até hoje, apesar de rumores não confirmados de alguns acordos, a não ser pelos mísseis antitanques Milan da França. Produtores de armas desse país, da Grã-Bretanha, Itália e Rússia, com apoio de seus respectivos governos, mantiveram intenso intercâmbio comercial com a Líbia nos últimos anos, segundo Pieter. “A vontade de vender existiu, mas Gadafi se mostrou cuidadoso na hora de assinar contratos”, ressaltou.

Sabe-se que algumas dessas armas foram restauradas ou melhoradas nos últimos anos, afirmou Pieter. A companhia britânica GDUK forneceu um sistema de comunicação para usar nos tanques T-72 e a francesa Dassault renovou outras mais, possivelmente umas 12, incluindo o avião caça Mirage F-1, dois dos quais teriam voado para Malta há cerca de uma semana. A Finmeccanica restaurou helicópteros de carga pesada CH-47 e foi contratada para reformar o veículo de artilharia pesada Palmaria.

A Líbia investiu em projetos de segurança fronteiriça, comprou equipamentos e aviões de vigilância por centenas de milhões de euros da Finmeccanica nos últimos anos, acrescentou Pieter. Trípoli também adquiriu uma grande quantidade de rifles. A Ucrânia exportou 101.500 rifles para a Líbia entre 2006 e 2007, e uma empresa russa informou que recebeu um contrato para entregar outros 500 mil.

Uma companhia belga vendeu rifles de alta tecnologia à Líbia há alguns anos e, há um ano, uma empresa italiana fez outro envio para uso da política, disse Pieter. “Há motivos para crer que obteve mais dessas armas de outras fontes. O novo armamento se soma ao que já possuía das décadas de 1970 e 1980 e que ainda podem ser usados”, destacou o pesquisador.

Um ataque aéreo dos Estados Unidos ou da Otan sem dúvida destruiria a maior parte das armas, como ocorreu no Iraque em 1990 e 2003, disse Pieter. “Porém, por terra podem surgir os mesmos problemas que no Iraque. Com a grande quantidade de armas pequenas e leves existentes, será fácil para quem estiver interessado conseguir as que precisar”, concluiu.

Os lucros obtidos com a venda de petróleo permitiram ao regime líbio comprar um enorme arsenal militar que inclui armas de um fornecedor não convencional, o Brasil. O país entregou à Líbia, no começo da década de 1980, mais de mil veículos blindados para o traslado de soldados e outros de combate Urutu e Cascavel, que podem ser utilizados contra a população civil.

Além de bombardeiros Sukhoi Su-24, Tupolev Tu-22 e MiG-25, de fabricação soviética, a Líbia tem aviões Mirage e Dassault Falcon e helicópteros Aerospatiale, da França. A Itália forneceu a Trípoli mais de 120 aviões SIAI-Marchetti; os franceses, mísseis terra-ar Crotale; os Estados Unidos, aviões de carga Lockheed C-130, e os britânicos, tanques Centurion e veículos para transporte de pessoal Saladin e Ferret. As armas europeias também incluem rifles belgas, obuses suecos e sistemas de defesa antiaérea Artemis, da Grécia. Envolverde/IPS

FOTO
Legenda:
Líder líbio, coronel Muammar Gadafi.

 

 

(IPS/Envolverde)

http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=87727&edt=1

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