A votação do impeachment não é solução para o País

Analistas políticos, intelectuais e sociedade discutem: o impedimento da presidente Dilma vai se concretizar? Ele é justo? É importante para a superação da crise política e econômica em que seu governo mergulhou o país (é certo que não sem uma boa ajuda da oposição e de outros atores)? É a melhor alternativa? O que vai acontecer agora? E, principalmente, qual é a saída mais rápida e eficaz para a crise?

Não consigo prever o resultado da votação na Câmara. Há vinte dias tive a impressão, como muita gente teve, de que a tentativa de virada de mesa teria sucesso. Agora me parece que as maiores chances de vitória nesta batalha estão do lado do governo, embora não me arrisque a cravar um prognóstico. Ambos os desfechos são plausíveis.

Dito isto, que cenário temos pela frente? Primeiramente vamos descartar a hipótese de renúncia, seja da presidente, seja de seu vice. Por mais que muitos considerem ser esse o caminho mais curto e indolor para termos um governo com mais legitimidade, a decisão não está, neste momento, nas mãos dos que pensam assim.

Outra coisa importante a notar é que, independente do que ocorrer na Câmara, a indefinição vai continuar. Se o governo for derrotado, o atual vice assume, mas somente até a votação final no Senado, o que pode demorar seis meses para acontecer. E não há dúvidas de que o PT não economizará esforços, tanto políticos como jurídicos, para reverter o resultado. Se Dilma sair vencedora, o quadro não será muito diferente. A presidente ainda terá contra si, além da instabilidade de sua base parlamentar, a ameaça, séria e concreta, da cassação do mandato pelo TSE.

Em resumo, antes do último trimestre deste ano a questão não estará resolvida. Pode ser que leve mais tempo.

O que ocorrerá nesse ínterim? Tanto Dilma como Temer vão, evidentemente, tentar governar como se estivessem seguros no cargo. Não será fácil. Ambos estarão carentes de legitimidade. Ao governo Dilma faltam apoio popular e parlamentar e sobram obstáculos para elaborar um plano consistente e articular sua execução. Já o governo Temer teria contra si o fato de haver conspirado abertamente para conquistar o poder sem ter de passar pela eleição e, principalmente, a de se haver aliado a figuras políticas de consistência ética mais que duvidosa nesse processo.

Não se pode tomar a falta de legitimidade no momento presente como um dado permanente, insuperável. Qualquer governo, por mais espúria que tenha sido sua origem, consegue ganhar alguma legitimidade perante a sociedade se obtiver bons resultados. E, inversamente, nenhum governo eleito de forma democrática, com amplo apoio da sociedade, preservará a legitimidade obtida pelo voto se se mostrar inteiramente incapaz de exercer suas obrigações básicas.

Dito de outra forma: Dilma ou Temer têm saídas para a desconfiança que enfrentam: precisam entregar resultados.

Conseguirão? Cada um tem seus trunfos. Dilma pode obter o reforço de Lula no ministério e, com ele, a recuperação da interlocução com o Congresso e a capacidade de aprovar medidas essenciais para o governo. Já Temer poderia contar com quadros técnicos alinhados com o establishment do PSDB e o apoio de algumas figuras preeminentes desse partido, o que, no mínimo, daria um rosto e uma direção à sua gestão.

Essa é a parte boa. Contudo, não é demais lembrar que, longe de estar pacificados, os conflitos entre governo e oposição tendem a se acirrar ainda mais após a votação na Câmara. Terá sido ganha uma batalha, mas durante o subsequente interregno de indefinição a guerra pelo poder seguirá sem trégua. Outro aspecto negativo é o de que, à falta de um horizonte claro, os agentes econômicos tendem a permanecer reticentes, o que dificultará a retomada. Somente no final deste ano ou no início de 2017 é que o panorama estará mais nítido.

Um terceiro fator desfavorável é o elevado custo da obtenção de uma base de apoio parlamentar, fator comum a Dilma e Temer. O presidencialismo de coalizão funcionou bem nos anos FHC e Lula por dois motivos básicos: número de partidos relativamente pequeno e alta popularidade do governo. Nessas circunstâncias, montar uma base de apoio parlamentar é factível. Ambas as condições estão ausentes agora. Dilma e Temer têm baixa popularidade e há um número muito grande de partidos, todos com bancadas médias ou pequenas. O custo da montagem de uma base parlamentar se tornou proibitivo. A margem de manobra do governo ficou muito reduzida.

Nesse meio-tempo a Lava-Jato pode produzir novas surpresas, mas duvido que sejam capazes de introduzir mudanças estruturais. Podem-se trocar personagens, mas as condições gerais permanecem.

Diante desse cenário desolador é natural que se busquem e proponham saídas alternativas capazes de zerar o jogo, ainda que não estejam previstas em nosso ordenamento constitucional. É um bom debate, com argumentos de parte a parte. Estamos falando, por exemplo, de uma emenda parlamentarista. Golpe? No mínimo, é altamente questionável. Mudam-se as regras com o jogo em andamento. Foi feito em 1961, como solução de compromisso para que João Goulart substituísse o renunciante Jânio Quadros sem assumir efetivamente o poder. Golpe, por um lado; saída para o impasse, por outro.

Na Folha de São Paulo deste domingo Eduardo Giannetti da Fonseca discute precisamente a possibilidade de uma emenda parlamentarista. Ele rejeita tal solução com o argumento de que ela não enfrenta a verdadeira origem do problema, que é de natureza institucional: o sistema partidário e a relação parasitária entre Executivo e Legislativo. Sua proposta é a de uma Constituinte exclusiva com o escopo específico de elaborar uma reforma política.

O grande problema dessa proposta, que não temos como detalhar aqui, é o timing. Uma reforma política profunda demandaria longos e acalorados debates e demoraria mais de um ano para ser aprovada com razoável consenso. A implementação da reforma, por sua vez, certamente levaria uma ou duas legislaturas. Além disso, a viabilidade política é, no mínimo, problemática. Por que razão o Congresso abriria mão de sua prerrogativa de modificar a Constituição?

O melhor que pode acontecer nos próximos meses ou anos talvez seja os agentes econômicos e a sociedade em geral perceberem que não vale a pena investir energia em atritos ideológico-partidários que nada lhes trarão de palpável e passarem a se organizar em torno de propostas e ações concretas para a retomada do crescimento.

(Data original do texto: 10/04/2016 às 23:30)

Redação

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