O que move os manifestantes da Paulista?

Para sentir o estado de ânimo dos manifestantes da Paulista, reproduzo a lúcida exortação da um amigo nas redes sociais:

Vem pra rua! Isso provavelmente não vai mudar o país. Não vai derrubar a Dilma. Mas vai mostrar que você cansou de ser otário. Vai mostrar que está de saco cheio de ser roubado. Vai ensinar seu filho que você se importa. Vai esquentar um pouquinho o caldo, que daqui a dois dias, três meses, vinte anos, dez gerações, sei lá, pode fazer esse país ser alguma coisa. […] Pode ser que tenha gente [ainda] pior fora do governo. A gente derruba eles depois. Até entenderem que o Brasil não é mais um país de carneiros. Que quem paga propina pra pegar obras agora quebra, que mudou. E se você for pra rua hoje, terá sido parte dessa mudança!

Meu comentário foi:

Fiquei em casa, assim como fiquei em 15/03.
Esse ente abstrato e disseminado, sem nome e sobrenome, chamado corrupção, não é o real motivo do protesto. A manifestação de hoje só tem corpo e alma porque seu alvo é claro e definido: o governo federal, a presidente Dilma e o partido a que ela pertence, com tudo o que encarnam de vícios e erros aos olhos de uma parcela da população cada vez mais majoritária. O propósito explícito é o de pedir a saída ou a derrubada do governo.
E aí não concordo. O governo foi democraticamente eleito, e não consigo ver os protestos de hoje e de 15/03 como algo substancialmente diferente de uma tentativa de mudar o resultado da eleição que ocorreu há escassos seis meses. Isso me incomoda profundamente.
É possível que minha posição seja mais simpática aos protestos quando perceber que o desejo de mudar o resultado da eleição ficou em segundo plano, superado por reivindicações mais autênticas – e com isso quero dizer: menos influenciadas por posições políticas.
Se a maioria da população continuar insatisfeita com o governo federal por seis meses ou mais, são grandes as chances de mudança no caráter dos protestos a médio prazo. Se isso de fato acontecer, tenho certeza de que a dinâmica das manifestações será bem diferente da que estamos observando hoje.

Qual é a diferença que estou visualizando? Há muita gente, mas falta alguma coisa nesses protestos da Paulista. Existe a indignação, mas falta o vigor, a energia e o senso de urgência que testemunhamos em outros movimentos.

Uma coisa são movimentos que, como os da Paulista e como o das Diretas Já, respondem a posturas políticas ou ideológicas. Outra bem diferente são os que derivam de potentes interesses contrariados e de reação a ameaças reais ou imaginárias: seja de uma grande massa popular, seja de alguns dos players (potências estrangeiras, Forças Armadas, lideranças políticas, corporações privadas…) em aliança com a classe média. A dinâmica dos últimos é bem mais intensa e imprevisível que a dos primeiros. (Já em março de 1964 tivemos uma combinação de ambos os fatores, propiciada pela polarização da Guerra Fria.)

Só para dar um exemplo e me fazer mais claro: se, por uma infelicidade, chegar o momento em que tivermos uma grande massa de desempregados e subempregados em decorrência de uma crise econômica aberta, e essa massa fizer uma conexão clara (se certa ou errada, para efeitos práticos não importa) entre a desgraça que atingiu sua vida e a corrupção e a incompetência do governo federal, então teremos manifestações realmente capazes de abalar o governo e as instituições. Esse cenário ainda não foi atingido, mas é mais provável agora do que era em junho de 2013.

Não quero com isso dizer que as manifestações da Paulista não tenham efeito algum. Têm, na medida em que os players que detêm algum poder tenham interesse em instrumentalizar as manifestações a seu favor. Se essa capitalização da energia das ruas for capaz de alterar significativamente a correlação de forças, estão criadas as condições para um endurecimento no jogo de poder. Mas os resultados desse processo provavelmente vão coincidir apenas superficialmente com as demandas das ruas – vide o que resultou das Diretas Já e o que estamos vendo agora no Congresso Nacional. 

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador