A mediocridade da ciência brasileira: tudo depende do referencial

Por Francy Lisboa

Não há jeito, também não fujo a regra. A vaidade de qualquer cientista é ter seu trabalho reconhecido pelos seus pares. As janelas de reconhecimento da pesquisa científica são os periódicos científicos considerados de alto impacto pela comunidade científica internacional, Nature, Science, Cell, PNAS, são exemplos de publicações almejadas por nove entre cada dez cientistas brasileiros e mundiais em busca do reconhecimento acadêmico.

Em recente entrevista à revista Época, a neurocientista brasileira Suzana Herculano que chefia o laboratório de neuroanatomia comparada da UFRJ fez duras críticas ao baixo investimento em ciência feita pelo governo brasileiro. Impossível não concordar com as colocações da neurocientista. De fato, nossa ciência é desprestigiada, não só pelo governo, mas pela sociedade como um todo, a mesma que louva  e diz fazer preces pela educação, mas que considera qualquer bolsista, menos parentes é claro, como parasitas estatais ou lhes veste com a pergunta desvalorizadora: mas você só estuda?

Como defensor do quinhão em uma sociedade multifacetada, o espírito de corpo coloca-me a fazer coro com as palavras da Dr. Suzana, No entanto, os ecos dessa concordância só vão até onde a concepção sobre o quem a ser reconhecimento científico  parece divergir da concepção da neurocientista.

Afirmar que a pesquisa brasileira, a ciência brasileira, é medíocre é desvalorizar as vantagens comparativas que o Brasil tem em relação aos badalados centros de excelência mundial. Esse é a questão cerne desse texto: as publicações consideradas “top” valorizam tais vantagens comparativas?

Por exemplo, a produção de alimentos no Brasil tem por trás conhecimento solidificado, fruto do trabalho de diversos cientistas brasileiros ao longo dos últimos cinquenta anos. A FAPESP mantém uma base de publicações científicas, Scielo, a qual congrega periódicos tipicamente locais, mas que nem por isso podem servir para adjetivar seu conteúdo como ciência medíocre. E por que não?

Mais uma vez: vantagens comparativas. Falando da pesquisa agropecuária, especificamente, dentro dos periódicos não badalados da Scielo não se escreve para o mundo, mas para informar e melhorar o desenvolvimento local. Ou seja, na nossa escala, para as nossas necessidades reais de país, a ciência não internacionalizada, e por isso erroneamente chamada por alguns de medíocre, serve para a solidificação e melhoria naquilo que de fato somos bons: produção agropecuária.

Como se percebe, o problema reside no fato de nossas vantagens comparativas em termos de ciência e conhecimento acumulado serem relativamente preteridas em relação às outras áreas da ciência, incluindo a neurociência, nos periódicos considerados de relevância internacional. Isso é razoável quando se pensa que os títulos internacionais estão em busca do ineditismo onde é mais provável de ocorrer em áreas que estão ainda incipientes em termos de informações, ou seja, representam fronteira de um conhecimento onde ainda há muito para se percorrer. A neurociência sem dúvida é uma delas

A quantidade de recursos para áreas da neurociência são de fato relativamente maiores do que para a pesquisa agropecuária de base, no geral. Assim, é natural que em um país onde falte recurso para aquele que demande menos, faltará ainda mais para aquele que demande mais. A Dr. Suzana está certa em criticar e pedir novos recursos federais, mas um ponto chamou a atenção na entrevista.

Há na entrevista de fato um viés comparativo com o resto do mundo no sentido de legitimar as criticas ao baixo financiamento científico no Brasil; porém parece não haver vontade de imitar sistemas internacionais de financiamento em sua plenitude, em especial no que diz respeito à participação privada é bem mais saliente. A guerra entre pesquisadores brasileiros pelas migalhas cedidas pelos editais de agências de fomento mostra que nossa dependência estatal parece ter feito com que ficássemos cegos e apenas olhássemos o orçamento federal como única e exclusiva fonte de recursos.

Obviamente isso não depende exclusivamente de Governo. A mudança de mentalidade deve também vir da sociedade, o empresariado deve enxergar nos cientistas, jovens e nem tão jovens ainda, oportunidade de perpetrar e aumentar seus lucros. Essa visão deve ser acompanha de investimento privado em inovação e ciência de base. Mas a falácia do “espírito animal” empresário brasileiro parece entrar em cena novamente, pois por aqui eles são tão estado-dependentes quanto nós, cientístistas brasileiros. Tem solução?

Redação

29 Comentários

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  1. Fato

    O primo do Nassif, já aqui mencionado várias vezes, é um exemplo de cientista, professor, músico e figura humana da maior qualidade. Um exemplo de como se virar, e bem, com o que tem em mãos. como exemplo a tese por ele orientada que foi motivo de artigo em revista de tecnologia inovadoras do MIT.

    1. Iberismo patológico

      Tudo bem que seja primo do Nassif, mas enquanto perdurar essa mentalidade ibérica do pessoalismo laudatório, do coronelismo dos nomes e sobrenomes, e enquanto não cairmos na real de que, no mundo do conhecimento, as ideias são mais importantes que as pessoas, que a excelência e o rigor são mais importantes que as etiquetas de origem, vamos continuar no terceiríssimo mundo da indigência intelectual.

      1. Ou eu ou você não entendeu.

        A referência ao primo foi circustancial, poderia ser outro, por exemplo o Moysés Nussenzveig do Rio. Só quis mostrar que há, sempre há, os que superam as dificuldades, burocracias, falta de interesse, o escambau a quatro em razão de seus ideais, talvez até mais que idéias, ou mesmo de suas vocações. E lendo um pouco de história da Ciência, vemos como nomes são citados em profusão. Há aqueles que a movimentam e são referências e sempre são mencionados.

  2. Comentário repetido…
    Planejamento e Inteligência! Temos?
    seg, 27/07/2015 – 16:08

    Nassif, está semana a Raizen inaugurou nova fábrica de Álcool É o chamado etanol de segunda geração.

    Vcs não precisam ir muito longe para descobrir porque o Brasil não consegue competir. Basta analisar o setor de álcool e açúcar para entender TUDO.

    Vamos aos fatos:

    Um belo dia, um presidente carismático de um imenso país tropical foi ao mundo para dizer que tinha a solução para o aquecimento global, para a economia mundial em recessão, para o emprego no mundo, para o fim da miséria, enfim, foi dizer ao mundo que Ele era O Cara.

    Qual era a grande soluão? Plantar combustível! Simples! Colocar o miserável na produção de energia!

    E assim sonhou o Brasil com o domínio da África! Não vou nem entrar no méritoda falta de INTELIGÊNCIA do Brasil propor isso ao descobrir grande quantidade de óleo. A vontade de parecer bonito na foto falou mais alto!

    O tempo passou e dois(2(dois)) anos depois, seu país foi obrigado a CAIR NA REAL!

    Sabe porque? Porque dois anos depois do grande anúncio brasileiro os EUA suplantaram a PRODUÇÃO brasileira de alcool. E sem cana, tudo feito de milho ou de qualquer outro DEJETO orgãnico.

    Mas como em dois anos fizeram o que o Brasil levou 30 anos para construir?

    A resposta é a mais simples do mundo. ANTES de começar a produzir, foram à universidade. O Capital foi a universidade, não O Governo!

    Entendeu aí nosso problema? Nosso capital não acredita no conhecimento. O setor sucroalcoleiro ficou 30 anos investindo em POLÍTICA para impedir reforma agrária porque achava que seu negócio era este. Terra de graça, mão de obra escrava e tudo como sempre foi feito por estas bandas. Queriam levar isso para o mundo.

    Quando foram ao mundo, descobriram que nada sabiam. Que eram apenas coisa do passado, gente burra e ignorante com conceitos de negócios baseado na idade média.

    Descobriram ainda que poderiam dobrar sua produção com a mesma quantidade de terra investindo QUASE NADA em pesquisa. TUDO mudou! O setor ficou paralisado na expectativa.

    Aí…investiram num centro de pesquisas. Mas colocaram a Shell junto porque, sabe como é, eles é que sabem pesquisar. Bom, o centro de pesquisa mal iniciou e JÁ ACHOU solução comercial. Da vontade de rir! Descobriram a pólvora! Assim, abriu centro de pesquisa, descobriu na hora. Sabe porque? Porque estava lá para ser descoberto. Poderiam ter feito isso na década de 80! Ficaram 30 anos lutando contra reforma agrária a alto custo por nada!

    Enfim, o setor descobriu que para competir no mundo, precisa de conhecimento. Porque o mundo todo tem!

    Se vc examinar outros setores, vai descobrir a mesma coisa. No nuclear, com os militares, a mesma coisa. Nos atrasaram 30 anos no mínimo!

    Sabe aqueles milionários do setor de açucar e alcool com seus diversos aviões? Não são gente qualificada e é normal que quebrem.

    A evolução do setor provou que quebraram porque não eram qualificados! E continuam lá…no mesmo lugar e agora se acham inteligentíssimos. Agora…que perderam O Mercado!

    Vamos ver como a coisa contece em outros países?

    Nos EUA por exemplo. “Descobriram” a Internet e o que fizeram?

    Resolveram ARRECADAR menos(de teles, ATRAVÉS da NEUTRALIDADE) para desenvolver O Mercado para DEPOIS, lucrar mais.

    Inteligência e planejamento em contraponto ao PODER FINANCEIRO das suas poderosíssimas telefônicas.

    Vc imagina no Brasil inteligência e planejamento se contrapondo ao poder financeiro? Por isso o setor sucroalcoleiro foi por este caminho. Pois é o único que existe no Brasil, terra sem inteligência e planejamento!

    Sem inteligência, vc não concorre no mundo! Só no seu quintal, onde tem outras pessoas concorrendo com vc, que não usam inteligência.

    Um setor para ir ao mundo, precisa estar na crista da onda da tecnologia! Por isso O Capital TEM QUE acompanham sempre e estar lado a lado com o conhecimento sempre. Isso é uma garantia, um seguro para o seu negócio. Mas no Brasil é custo!

    1. Maiis ou menos isso:
      “Quando

      Maiis ou menos isso:

      “Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto-sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada.

      Ayn Rand

      1. Ela fez a descrição…

        … da sociedade capitalista em sua fase financeira oligopolizada, a sociedade monetarista que está aí, do 1 % de detentores do dinheiro.

    2. Exatamente, mas como se

      Exatamente, mas como se percebe é preferível ver os estado como babá, até mesmo aqueles que se dizem liberais. Só rindo mesmo.

  3. Se é para comparar…

    Certa vez tentei formalizar minhas idas e vindas do trabalho para a instituição que faço doutorado. Apesar de ter ciência de todos meus superiores diretos, a coisa acontecia “de boca”. Como em todo orgão público fiz um dossie e tramitei por 99% de quem deveria assinar, o problema é que o 1% assinou com ressalva, questinou por qual motivo uma instituição de ensino médio precisaria de um doutor?

    Moral da história: a distância entre a academia e o mundo prático é abissal, não me pergunte a razão. O empresário brasileiro olha a pesquisa da mesma forma que um burro admira um castelo – acha muito bonito mas não sabe pra que serve.

    Em contrapartida o pesquisador de ciência básica ou aplicada tenta sobreviver a burocracia estatal e ao ceticismo do pra que serve mesmo, ein?

    O desenvolvimento de uma droga anti-câncer pode levar 30 anos e não render nada até lá, mas alguém publico ou privado ou os dois tem que botar dinheiro nisso. Caso contrário nunca aquela aquela proteína da bactéria encontrada no solo se tornará um fármaco.

    Caso perguntem, mesmo continuando na informalidade para fazer meus experimentos e disciplinas ano que vem termino o doutorado. 

    1. “Moral da história: a

      “Moral da história: a distância entre a academia e o mundo prático é abissal, não me pergunte a razão. O empresário brasileiro olha a pesquisa da mesma forma que um burro admira um castelo – acha muito bonito mas não sabe pra que serve”

      Ótima analogia. De fato há incompreensão da maioria das pessoas sobre a Ciência em si. Mas devemos ter em mente que cada ser tem um roll de coisas que ele pode julgar importante e não importante. Pode ser que para a mairoia das pessoas o que eu faço é desperdício de grana, ou pode ser que não.

      Quanto ao doutorado…boa final e boa defesa.

    2. Pesquisa pública pela sociedade

      Pois é.  Que órgão privado vai fazer pesquisa para cura do câncer? Os laboratórios que têm interesse em produzir e lucrar com os remédios para a doença. Claro que não. Quem faz isso é a pesquisa pública, que tem como objetivo o bem estar do cidadão e não o lucro. Ou pelo menos deveria ter, senão estaria injetando dinheiro na pesquisa e não destruindo-a. 

  4. A ciência não deixa também de

    A ciência não deixa também de ter influências política e de dominação, em outras palavras não existe neutralidade. As publicações cientificas valorizam o que se chama de ciência central, propriedade quase exclusiva dos países ricos em detrimento de uma ciência periférica, menos badalada, mas, nem por isso menos importante para a sociedade. Outro ponto interessante é que as transnacionais mantêm centros de pesquisas em suas matrizes ou em filiais de países ricos, sendo preferível a investir nas empresas sediadas nos países fora do eixo da ciência central. Ocorre então a exportação do nosso pessoal para onde as pesquisas estão sendo desenvolvidas, desta forma como a tecnologia, a ciência serve também para assegurar a nossa dependência em relação aos países como maior riqueza.

  5. Nos EUA, Japão e Europa, o grosso do financiamento

    científico é governamental sim, falo por experiência própria. A Dr. Suzana está coberta de razão, ciência aqui é tratada quase como atividade artística. Não somos um país gerador de tecnologia, mas produtor e  vendedor de matéria prima, como fazíamos a trezentos anos atrás. A única diferença é que, no lugar de café e açúcar, agora vendemos mais soja produzida com semente e agrotóxico da monsanto e não com tecnologia nacional. Desperdiçamos diariamente nossa capacidade humana, nossa criatividade, nossa biodiversidade tremenda por que somos muito medíocres, enquanto nação, para pensarmos em políticas públicas que levem mais de quatro anos para serem inauguradas por que esse e o período de um mandato político. Não temos dinheiro? Somos a sétima economia do mundo, mas preferimos ter a educação e ciência do zâmbia para enriquecer cada vez nossa elite e garantir mão de obra sempre barata para eles.

    1. A doutora Suzana está

      A doutora Suzana está parcialmente coberta de razão e convenhamos, esse tipo de afirmação de que toda a ciência no Brasil é medíocre ou querer nos equiparar ao Zâmbia, não tem fundamento e é contraproducente. Exercite diariamente o anti viralatismo pois até mesmo aqueles que são louvados (EUA, Europa, Japão) já reconhecem o salta de qualidade na ciência brasileira, mesmo que ainda incipiente. Menos derrotismo, por favor.

      1. Temos pesquisadores excelentes, extremamente dedicados,

        mas que são tratados como lixo, ganham uma miséria e são atolados de aulas e burocracia sem fim e isso afeta nossa ciência, que eu considero medíocre sim perto do nosso potencial. Quantas vezes você ouvir falar de contrabando de material cientifico para montar um equipamento? Nossos professores são obrigados a isso para fazer pesquisa. Quantas vezes você já pagou, com seu salario, para ir para  congressos ou publicar artigos? Um professor universitário com mestrado/doutorado/pos-doc aqui vale 10% de um Moro. Nosso governo nos limita a um subdesenvolvimento cientifico inaceitável se você considerar nosso potencial. Imagina o que nós faríamos se, com  nossa criatividade, diversidade biológica e dedicação, tivéssemos também dinheiro e condições descentes de trabalho. Condições descentes, para mim, significa trabalhar em laboratórios sem goteiras e infiltrações, ter material, equipamentos e reagentes, ter carga de aulas e burocracia burra que não consumam mais do que 50% do tempo de um professor. O Brasil não é uma potência cientifica e tecnológica por que é parasitado pelos próprios políticos e elite financeira, se nosso financiamento cientifico fosse 10% do que gastamos em juros para rentistas, nossa ciência certamente estaria entre as melhores do mundo em quantidade e qualidade.

        1. Não é bem assim

          Gabi, nossos pesquisadores são tratados como lixo e ganham uma miséria? Concordo que os pesquisadores poderiam ser mais valorizados, isso é certo, mas dizer que somos tratados como lixo e ganhamos uma miséria é forçar a barra. Veja o salário de um professor universitário ou de um pesquisador de carreira e compare com essa informação: https://norbertobobbio.files.wordpress.com/2014/01/14014502.gif Nossos salários, dos profissionais do ensino superior e da ciência, até são menores comparativamente aos salários nos EUA e em países da Europa (http://www.eui.eu/ProgrammesAndFellowships/AcademicCareersObservatory/AcademicCareersbyCountry/Index.aspx), mas são muito acima da média nacional. E levando em consideração o custo de vida de cada país, não ganhamos mal, não. Professores universitários e pesquisadores do sistema público conseguem ter casa boa, carro, pagar boas escolas para os filhos etc. 

           

          Já quando falamos de pós-graduandos e postdocs, a situação financeira não é tão boa, mas ainda assim compare o valor das bolsas aos dados da nossa população. Não que isso seja uma desculpa para não melhorar o pagamento e as condições de trabalho, mas mesmo lá no exterior, os pós-graduandos e postdocs não ganham tanto assim. Eu tinha colegas que ganhavam 1000 e poucos dólares como pós-graduandos e eu ganhei cerca de 2.500 dólares líquidos como postdoc, isso nos EUA. Parece muito, mas comparado ao custo de vida lá, na época, era como se eu ganhasse 2.500 reais no Brasil.

           

          Ainda assim, vejo que precisamos discutir seriamente nossa ciência e, em especial, a nossa universidade: salários, infraestrutura, condições de trabalho, estabilidade, cobrança de metas, dentre outras coisas. Arrisco a dizer que precisamos mudar nossa cultura e aproveitar melhor o recurso público. Precisamos tornar o sistema eficiente e mudar a forma como os novos profissionais são inseridos no sistema. Acho que as coisas não mudarão se não forem tomadas medidas drásticas. Mas me arrisco a dizer que se encontrará uma forte resistência da parte dos próprios profissionais da ciência brasileira, acostumados ao sistema. E digo, o sistema tem seus privilégios, como a estabilidade sagrada (já vi coisas do arco da velha serem feitas por professores, de prejudicar departamentos e colegas de trabalho, e ninguém consegue tirar a pessoa de lá, pois a estabilidade dela é praticamente de adamantium), a falta de cobrança com respeito à presença no local de trabalho, dentre outras coisas. Será que estaremos dispostos a abrir mão disso para melhorar a eficiência do sistema?

           

          Só pra mostrar algo que precisa mudar: é comum encontrar professores com laboratórios que parecem palácios, enquanto outros nem laboratório têm. OK, existe o mérito nessa equação (gente que corre atrás e gente acomodada), mas até que ponto essa situação deve ser sustentada? Se investe muito na formação de um jovem professor/pesquisador e quando ele ou ela chega à universidade, se encontra com uma mão na frente e outra atrás, as vezes até sem sala pra ficar, quando poderia chegar já produzindo se fosse inserido(a) em um grupo de pesquisa estruturado. Um jovem professor chega às universidades, mesmo tops como as estaduais de SP, e tem que montar um laboratório do zero. Tenho colegas em universidades consideradas de alto nível no Brasil e que não têm um laboratório, mesmo depois de anos, ao ponto de ter que colocar equipamentos no corredor. Existe até fila de gente esperando pra ter o próprio lab. Enquanto isso, nos laboratórios que existem, os equipamentos são duplicados, triplicados, quadruplicados… É comum encontrar laboratórios com um monte de equipamentos iguais, as vezes subutilizados. Ainda vivemos na vibe do “meu laboratório”, quando o que conseguimos é, na verdade, do povo, pois mesmo que consigamos equipar um lab por nosso esforço, escrevendo projetos, o fazemos isso em grande parte com dinheiro público; mesmo que seja com recurso privado, devemos satisfação às nossas instituições, pois afinal, o que ganhamos se torna delas e nossos salários são financiados com recurso público. Por que não pensar na lógica de laboratórios multiusuários? Por que não inserir as pessoas em grupos de pesquisa já estruturados, ou pelo menos, permitir que usufruam de sua infraestrutura? Imagine se um jovem pesquisador, formado nas melhores universidades nacionais e internacionais, chega à universidade e é inserido prontamente em um grupo de pesquisa ou pode dispor de laboratórios já equipados para começar sua linha de pesquisa? Enquanto isso, ele ou ela tem que passar anos e anos até conseguir um espaço, conseguir aprovar projetos de grande monta para equipar o lab, pra aí se tornar finalmente produtivo(a) e se achar dono(a) do laboratório, pois afinal, tudo foi conseguido com muito esforço próprio. E por que compartilhar isso de mão beijada com os outros? Nada mais que justo. Eles que sigam o mesmo caminho! E o ciclo se retroalimenta. Que improdutivo isso, não? Só essa mudança de cultura já permitiria grandes avanços.

    2. Da onde tiraste isto?

      Cara Gabi Lisboa, então a Europa acadêmica que conheço há quase três décadas é outra. Financiamento público de pesquisas é cada dia mais escasso para um número crescente de instituições. Não sei de onde tiraste esta afirmação. Era assim até 1990, agora as universidades e institutos de pesquisa tem que se virar para conseguir recursos privados e cobram dos alunos taxas que são crescente dia a dia.

      1. Eu morei no Japão, nos EUA e na Europa, trabalhei nos

        três lugares como neurocientista, então, minha visão reflete o que eu sei sobre o financiamento na área. Em todos esses lugares, Japão, EUA e Europa, o grosso do financiamento ainda vem dos estados, mesmo para instituições privadas e de capital misto. Na Europa, pelo menos nos países que conheci, o financiamento vem, em grande parte, dos estados e da UE, mas concordo, o financiamento diminui a cada dia. As mensalidades para mestrado e doutorado para alunos que estão seguindo carreira cientifica, na Europa e EUA, geralmente são cobertas por programas de bolsas ou de financiamento dos professores que empregam os alunos como mestrandos/doutorandos, etc. Concordo, o financiamento é cada dia mais escasso, na Europa principalmente, os salários/bolsas são cada vez menores, e o financiamento misto é comum para manter muitas instituições, mas o financiamento publico ainda é a principal fonte de recursos e é muito maior que no Brasil em todos esses lugares.

        1. Talvez tenhas criado uma visão distorcida pela área.

          Como a neurociência não tem uma aplicação comercial tão próxima os financiamentos são mais publicos do que privados, porém nas engenharias e outras áreas em que há alguma chance de comercialização dos resultados o financiamento público praticamente se tornou inexistente.

  6. alcool de segunda geração

    Prezado Athos,

     

    Por favor me dê mais (desta e de outra) referências para eu ler mais acerca desta produção de álcool de segunda geração. 

     

    grato

     

  7. E o nosso maior cientista

    E o nosso maior cientista nuclear está preso pelo Moro, acusado de embolsar R$ 30 milhões em 10 anos.

    Ora, faça-me rir.

    Se o sujeito quisesse poderia embolsar umas dez vezes este valor e em menos de um mês.

    Era só vender para os interessados os segredos das centrifugas brasileiras desenvolvidas por ele.

    Se multiplicar o salário mensal do Moro por 120 meses dá quase isso(R$ 30 milhões). O Moro é corrupto(pode ser, porque recebe quase o dobro do teto do funcionalismo público por mês) ou é ignorante(também pode ser, porque não procurou saber porque o Almirante movimentava valores em suas contas. Talvez fosse por causa dos segredos nucleares que ele detinha e a coisa era feita no submundo)

     

  8. texto lúcido

    Ciência e aplicação nem sempre andam juntas, mas quando se encontram, coisas muito interessantes podem acontecer. Exemplos estão em toda a parte. O Brasil produz ciência sim, de alto nível, mas aquela ciência abstrata, aquela que está muito distante da aplicação. Basta ver o número de artigos publicados em revistas específicas de alto nível. Mesmo em campos aplicados, o uso por parte da indústria ainda é insipiente. 

    O perfil do nosso pesquisador ainda é daquele voltado para as grandes idéias, um pensador, como costumava ser até o início do Século XX. Mas é aquilo, porque formar um profissional de alto nível, moldado para se dedicar a inovação na indústria se o mercado não está interessado… Pesquisa abstrata é o que se faz e é que vai continuar a se fazer enquanto essa mentalidade arcaica de nossos empresários não mudar.

  9. A ciência brasileira
    Li todos os comentários presentes até agora. Concordo em parte com todos. Mas tenho que fazer algumas ressalvas.

    Pelas palestras que já assisti, há muita ciência aplicada no campo, tanto que a EMBRAPA foi muito ampliada e valorizada nos governos do PT. Não temos mais informações porque não interessa a mídia nativa mostrar o que de bom está sendo feito neste governo.

    Os políticos fazem a política científica baseada no direcionamento de um cientista. Tem sempre alguém no governo que dará as diretrizes. Então, se há um erro estratégico, fatalmente este erro pode ser colocado nas costas de um cientista.

    Se tivéssemos uma atitude firme do governo para orientar a pesquisa nacional para os interesses nacionais apenas, teríamos muita inovação, pois, apesar de tudo, acredito que a maioria dos pesquisadores brasileiros são muito competentes e dedicados. O problema está em centralizar esta dedicação nos interesses nacionais.

    As pesquisas no Brasil, em sua maioria, são feitas para gerar artigos nas revistas internacionais. Quando se fala em publicar em periódico do Brasil, uma boa parte dos cientistas torce o nariz. A exposição internacional valoriza o cientista em termos de candidato a verbas dos órgãos de fomento à pesquisa. Quem decide isto é um outro cientista que está no momento como avaliador do órgão de fomento. Então o cientista viaja ao exterior, consegue mais verbas, mais alunos etc.

    A associação entre empresa e instituição de pesquisa está sendo tentada em São José dos Campos. Fui a uma e vi que compareceram pouquíssimos pesquisadores. Então, não será na base da conversa ao pé de ouvido que se fará esta união. Tem que ser uma medida governamental. O empresário quer lucro!!! E o governo tem que promover a interação entre pesquisa e negócio, de forma que o empresário enxergue lucro no final. Não digo a curto prazo, mas em algum prazo.

    Pedir simplesmente verba para pesquisar é uma coisa muito complicada. Pois, o cientista, na maioria das vezes, não pensa em produto final, que não seja capacitação para dar aula ou continuar a pesquisar. Quando se toca no assunto sobre a necessidade de qualquer coisa mais tangível, eles se escondem atrás da “importância da ciência básica”. Pois é ali que eles querem ficar.

    Quanto ao nível da pesquisa, muita coisa é feita no país e com alto nível. Mas, a maioria não será aplicada no país. É como se fôssemos um apêndice das instituições de pesquisa do primeiro mundo. Eles estão estudando uma determinada propriedade de um material. Nós emprestamos a nossa força de trabalho (pessoal e laboratórios) quando nos debruçamos no mesmo tema. Eles encaminham para uma pesquisa aplicada e agente continua a pesquisa básica. Eles transformam em produto e vendem pra gente. Só que não nos remuneram pela “ajudinha”. Quem paga isto é o povo brasileiro. E depois querem mais verbas para continuar no mesmo procedimento e continuar a reclamar porque ninguém dá a mínima para a ciência brasileira.

    No meu ponto de vista, uma boa parte dos pesquisadores brasileiros, tal como juízes e promotores, acreditam que são uns iluminados. E que, se alguma coisa vai mal, não é por culpa deles. Eles só querem pesquisar, mesmo que a sua pesquisa, em virtude do orçamento nacional, não fosse a mais adequada a se fazer naquele momento.

    1. Ciencia brasileira

      Octavio, tens toda a razao. Somos nos os cientistas que delegamos ao estrangeiro o juizo sobre a pertinencia do nosso trabalho. Por que os peerreviewers de la deveriam saber de que pesquisa nossa sociedade precisa?

    2. Excelente crítica.
      Mas não
      Excelente crítica.
      Mas não consigo enxergar essa culpa nos cientistas de uma maneira geral.
      Penso que este tipo de comportamento é o normal e esperado de um cientista SE seu governo não dá ênfase à nada.
      Se não tem ênfase, cada um faz o que quer e ninguém entra neste ramo para “descobrir ” o próximo produto campeão.

      Só sei de uma coisa, se for partir para ciência séria, a maioria ficará sem o que fazer porque serão nichos de investimentos e não investimentos generalizados.
      E aí é exatamente onde a porca torce o rabo. Estão preparados para não serem os escolhidos por políticos?
      O Brasil recentemente deu uma focada mínima em nanotecnologia. Mas depois de uma força, vem a contra força. São. .. os outros, os não relativos a nanotecnologias.

      Então, ficamos nessa até um político decidir mesmo! Preparados?

  10. Em termos gerais, a sociedade

    Em termos gerais, a sociedade brasileira não valoriza a educação, e consequentemente a ciência, como deveria. Os governos (federal e estaduais) são os grandes fomentadores, indutores e avaliadores da pesquisa científica nacional. A iniciativa privada nacional ainda tem uma visão predatória em relação às universidades, apenas como locais de formação de mão de obra ou repósitos de soluções prontas e gratuítas. Em relação ao sistema de publicação científica (ainda dominado pela Thomson Reuters e seu famigerado JCR) é um dos piores negócios do mundo para os países. O país fomenta a pesquisa científica, através de bolsas para alunos, projetos de pesquisa, salários e tempo dos professores. Com muito trabalho e sofrimento os pesquidasores publicam os resultados de suas pesquisas científicas, algumas vezes ainda pagando para revista com a intenção de aumentar a visibilidade da produção (open acess). Por fim, as agências governamentais pagam caro às editoras científicas para poderem ter acesso aos artigos publicados nas revistas. Em áreas como agropecuária e saúde, há assuntos que simplesmente não interessam às revistas científicas com maior fator de impacto, mas são estratégicas para os países. Enfim, a ciência assumiu um caráter essecivamente comercial e mercantilista nos dias atuais e é necessário discutir abertamente a situação para podermos, como nação soberana, romper a situação de colônia científica e tecnológica. Competência e capacidade nacional há, mas é preciso se libertar mentalmente primeiro.

  11. Ciência Brasileira

    Eu acho que o fazer ciência no Brasil tem dois pontos de grande importância, que nos mantêm na periferia do desenvolvimento científico, salvo bravas exceções. Uma é a falta de investimento. Neste contexto, bastou um pouco de avanço nos anos de governos petistas, para que pudéssemos crescer em nível de importância mundial. A outra é o enquadramento ao Lattes que nos faz refém de quantidade. 

    A falta de investimento, acrescida à comodidade de mutios cientistas, deixa o Brasil sempre um passo atrás da vanguarda nos mais diversos assuntos, nas mais diversas áreas. Neste caso, acabamos como mero continuadores, quando não, reprodutores, do que é feito nos grandes centros.

    No caso do enquadramento ao Lattes, há um “frisson” pela busca de mais e mais quantidades de publicações em periódicos de elevado qualis para agregar valor ao cientista, que por sua vez culmina com mais chance desse cientista arranjar verbas para novos projetos. Muitas vezes são projetos que se enquadram no “modismo” do momento. O cientista, por sua vez, aceita mais e mais estudantes para orientar. Estes voltam a fazer jus à alcunha de alunos (sem luz), pois acabam “desorientados”. Os “desorientados” de agora serão os desorientadores do futuro, com uma formação científica cada vez mais pífia, subserviente e dependente da “aceitação” dos pares Qualis A, dentro da formatação do Lattes.

    E neste círculo vicioso, como bem foi dito num comentário anterior, o Estado paga para formar o cientista, fomenta o mesmo, que usa esta verba para montar estudos que se enquadrem nas exigências de uma boa revista, que é paga também pelo dinheiro do Estado, com verbas retiradas de projetos para o pagamento de trâmites de publicações. No final das contas, o Estado paga uma assinatura para deixar os artigos disponíveis.

    Estamos muito bem formatados ao processo mercantilista da ciência no mundo, e colaborando para que continuemos a ficar na periferia.

    Investimento maciço em educação e pesquisa, seguido de planejamento estratégico de prioridades nacionais nas quais se precise avançar a curto, médio e longo prazos, poderiam favorecer a um verdadeiro desenvolvimento científico no Brasil. Mas isso já seria utopia.

     

     

  12. Pesquisa também tem que ser feita pelo Estado

    Falar que temos que ter pesquisa privada vai na contra mão das necessidades de grande parte da sociedade. Quem se interessa por pesquisas que são de interesse da sociedade e não da área privada?

    É dever do Estado garantir que a pesquisa beneficie à todos, senão ficamos nas mão dos interesses de Monsatos que criam transgênicos, conseguem aprovar seu uso com lobby e ninguém sabe os efeitos de seu consumo e no solo.

    O Estado tem que garantir que pesquisas que não geram lucros possam ser feitas com recursos públicos para garantir que a sociedade como um todo seja beneficiada.

    O Estado de São Paulo está sucatenado seus Institutos de Pesquisa que têm importância fundamental para toda ciência nacional. Se a sociedade nem sabe nosso papel e se os cientistas acham que o Estado deve ficar fora, como fica a democracia?

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