por Fred Maia: “Povo nas ruas, agenda de direitos e retorno de Dilma”

Por Frederico Maia (em entrevista concedida ao “Outras Palavras“)

Que estratégias políticas permitirão virar a página do golpe e dos retrocessos?

Certamente o golpe e os retrocessos só poderão ser derrotados com articulação da sociedade civil organizada, com os movimentos sociais e os partidos comprometidos com a democracia. Essa articulação de alguma forma já acontece, desde o impeachment da presidente, mas ainda circunscrita a uma parcela desses grupos, mais à esquerda. Todavia, os desmontes promovidos pelos golpistas, quer dos programas sociais, quer das famigeradas reformas trabalhista e da previdência, têm provocado um enorme desagrado de setores da sociedade, que até aqui se mantiveram calados. A greve geral que paralisou o Brasil no dia 28 de abril é um exemplo claro da reação a estas arbitrariedades e da crescente insatisfação popular. O povo na rua pode ser a saída, com uma agenda pactuada em defesa dos direitos conquistados pela classe trabalhadora, incluindo a garantia dos direitos previdenciários e a radical defesa da democracia e do Estado de Direito, certamente restituirá ao povo brasileiro, a liberdade e o desejo de sonhar.

Como superar, além dos tempos ásperos de hoje, os erros do passado recente?

O processo de representação por meio do voto, no Brasil, padece dos males de uma redemocratização que se deu sem expurgos ou julgamentos daqueles que praticaram toda a sorte de malfeitos e crimes, no período da ditadura. O processo eleitoral do país, ainda que tenha sido modernizado com urnas eletrônicas, é eivado de velhos problemas que vão da compra de voto ao caixa dois. Muitos políticos brasileiros gastam fortunas em campanhas para garantirem foro privilegiado. A reforma política, de verdade, é um tema necessário para a mudança desse quadro de corrupção e ineficácia da representação política no Brasil. Todavia, os cidadãos e cidadãs não podem prescindir de outras formas de representação, pela via da participação direta nas decisões dos seus destinos, sendo este, no meu ponto de vista, o melhor dos caminhos. Compreendo que uma reforma política no Brasil deva radicalizar o processo, criando mecanismos de transparência, prestação de contas e responsabilização, de tal forma que não seja mais permitido o financiamento de campanha e que os salários dos políticos sejam estabelecidos de acordo com os ganhos médios de um profissional do setor publico: professor, médico ou policial, retirando-lhes todos os privilégios.

O mundo da política, tal como o vivenciamos, criou aberrações em todos os campos da vida social e produtiva do país. Precisamos realmente de reformas consequentes no judiciário, nos tributos e na mídia. Mas também é urgente lutar contra a usurpação dos direitos trabalhistas e previdenciários. É inadmissível que a justiça brasileira continue a criminalizar apenas os pobres, feios e periféricos – que proteja os ricos, os de colarinho branco, os de nomes pomposos, enquanto são mortos milhares de jovens negros nas periferias às mãos da polícia e do tráfico, como também, centenas de trabalhadores rurais e indígenas são massacrados todos os anos a mando de agro negociantes, madeireiros e mineradores. A justiça brasileira assiste ao genocídio de uma geração inteira, sobrando para aqueles que escapam das covas rasas nas periferias, o subemprego ou enjaulamento em cadeias fétidas e desumanas. O Brasil precisa taxar grandes fortunas e tributar mais quem ganha mais, devolvendo em serviços públicos o que é de direito de todos: as riquezas do País.

Certamente o Brasil precisa voltar-se para si mesmo e pensar uma interiorização e reterritorialização, de forma a desconcentrar as grandes cidades e as regiões metropolitanas. O Brasil precisa voltar a incluir os brasileiros e as brasileiras no seu PIB, criando sistemas de distribuição de riqueza mais equitativos, que permitam maior qualidade de vida, mais acesso à educação, à saúde, habitação, mobilidade e cultura. Definitivamente o Brasil precisa pensar o meio ambiente e reconstruir suas bacias fluviais, recuperando matas ciliares e protegendo as suas nascentes. O Brasil precisa produzir alimentos saudáveis em vez de só “commodities” para o Agrobusiness.

O Brasil no século XXI é o país com mais condições para oferecer ao mundo um projeto de desenvolvimento sustentável, produzindo alimentos saudáveis em vez de colocar “veneno na mesa”.

Onde devemos concentrar esforços? Nas eleições de 2018?

Derrotando os golpistas e devolvendo o governo à presidente eleita democraticamente. O povo brasileiro deverá ser devidamente informado sobre os fatos por trás do golpe e o STF deverá anular o impeachment.

Num processo mais profundo de lutas sociais? Mas, neste caso, começando por onde?

Pela restituição do Estado de Direito e anulação do impeachment, sem desconsiderar os crimes cometidos por aqueles que o perpetraram.

*Frederico Maia é jornalista, educador social e doutorando em Sociologia. É, também, poeta e letrista bissexto.

Entrevista concedida originalmente ao site “Outras Palavras”, disponível em: http://outraspalavras.net/blog/2017/05/11/fred-maia-povo-nas-ruas-agenda-de-direitos-e-retorno-de-dilma/.

Redação

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