Chile: condenação de pai violador de Direitos Humanos atinge apresentadora de TV

Ivette Vergara na TV

Frederico Füllgraf

Exclusivo para Jornal GGN

Ivette Vergara é um dos mais belos rostos do Chile, e os fotógrafos indiscretos costumam registrar closes de suas pernas cruzadas, não menos esculturais. Faz parte do tititi, Ivette gosta.

Ex-modelo, “Miss Paula 1990” (organizado pela revista homônima) e animadora do programa de variedades “Mucho Gusto”, no canal privado Mega TV, nestes dias de outubro estourou uma bomba nos meios de comunicação, salpicando com seus destroços a imagem do símbolo sexual chileno: a Corte Suprema sentenciou a três anos e um dia de reclusão o capitão reformado do exército, Aquiles Muñoz Vergara, como autor de homicídio qualificado, perpetrado em 1973 no interior de uma delegacia de polícia de Puerto Aysén, na Patagônia. Além deste, o ex-militar pinochetista foi indiciado por outros dois assassinatos de simpatizantes do então presidente Salvador Allende, fuzilados a sangue frio e enterrados clandestinamente em valas anônimas. A falta de sorte de Ivette Vergara: o militar sentenciado é seu pai. Sua primeira reação à notícia foi: “Estamos tranquilos, porque sabemos que meu pai é inocente”.

Retronarrativa: fuzilamentos na Patagônia

Outubro de 1973.

Poucas semanas após o golpe militar contra o governo Salvador Allende, chega a Puerto Aysén – que à altura mal contava 5.000 habitantes, mas hoje é o principal núcleo de aquicultura de salmão do Chile, localizado 2.300 quilômetros ao sul de Santiago – um batalhão de artilharia comandado pelo capitão do exército Aquiles Vergara Muñoz, “para contribuir à manutenção da ordem interna ante eventuais insubordinações e violações do toque de recolher”, segundo a linguagem eufemística da ditadura Pinochet.

A rigor, naquelas semanas estava aberta a “temporada de caça” aos simpatizantes allendistas. Realizar prisões arbitrárias, torturar e matar estavam na ordem do dia. Foi em suas rondas ostensivas que no dia 2 de outubro de 1973, o capitão prendeu o jovem Julio Cárcamo e seu amigo apelidado “Cachorro [filhote] Alvarado”, que supostamente teriam insultado e ameaçado o funcionário da polícia, Oscar Carrasco Leiva.

Debaixo de coronhadas de fuzil e chutes em todo o corpo, ambos foram arrastados à segunda delegacia de Carabineiros de Aysén e jogados numa cela imunda.

Madrugada alta, os dois presos foram retirados da cela e conduzidos a uma baia de cavalos, onde os esperava Vergara Muñoz. Primeiro, o capitão descarregou sua pistola nos presos, em seguida formou um pelotão irregular e ordenou fogo, que crivou de balas Cárcamo e o “Filhote” – em flagrante assassinato a sangue frio de dois presos ilegais, sem acusação formal, sem tribunal nem direito à defesa.

Completada a chacina, os corpos das vítimas foram levados para a morgue, onde um médico emitiu o laudo sem qualquer autópsia. Porém, o atestado de óbito de 20 de outubro de 1973 atesta “anemia aguda” e “ferida de projétil” como causas mortis dos dois patagoneses, que foram colocados nus em um jipe, conduzidos até o cemitério local e jogados em uma vala anônima, devidamente preparada.

A selvageria do “Caso Aysén” é emblemática porque tortura, fuzilamento e ocultação de cadáveres foi o modus operandi da repressão não apenas pinochetista, mas da posterior Operação Condor, em todo o continenente.

Negando evidências durante 40 anos

Ninón Neira de Órdenes, uma senhora em provecta idade e presidente da Comissão de DDHH da Região de Aysén, protestou em alto e bom som contra a sentença dos ministros da segunda turma do Supremo, por considerá-la tímida: o septuagenário Muñoz Vergara é notório assassino e merecia pena mais drástica do que três anos de liberdade vigiada.

Embora muito mais criativa e eficiente do que a brasileira, a Justiça chilena tem sabido contornar e esvaziar a Lei da Anistia pinochetista ainda em vigor, julgando violadores de DDHH pelo viés dos “crimes comuns”, tais como formação de quadrilha, sequestro e homicídio, contudo, em casos como o de Muñoz Vergara, atropelando a jurisprudência internacional, ao reduzir a pena em primeira instância, alegando “meia prescrição”. Tanto a Corte Internacional de Justiça como a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceram que crimes de lesa-humanidade não prescrevem.

Detido pela primeira vez em 2009, o ex-capitão Aquiles Vergara negou tudo. Afirmou que não teve “faculdade legal para determinar nenhuma detenção”, não constituiu pelotões de fuzilamento e que, ademais, sequer teve conhecimento do nome ou da fisionomia dos executados.

“¡Yo no sé de nada!”, insistiu o ex-capitão pinochetista – simples assim.

Inesperadamente, em setembro de 2014, o ministro Sepúlveda Coronado o indiciaria em novo processo, desta vez pelo homicidio qualificado de Elvin Alfonso Altamirano Monje, “detido à margem de qualquer processo legal” e também assassinado em uma delegacia dos Carabineiros de Puerto Aysén.

Como você reagiria, se seu pai fosse condenado por violação de DDHH?

No início de 2014, um caso semelhante ao de Ivette Vergara derrubou a recém-nomeada Subsecretária do ministério da Defesa do governo Michelle Bachelet, Carolina Echeverría Moya. Em 2009, durante a primeira administração Bachelet (2006-2010), a funcionária já articulara o arquivamento de um processo por violação de DDHH, iniciado por ex-marinheiros allendistas, e em janeiro de 2014 omitiu em seu currículo o parentesco com o coronel da reserva do exército, Víctor Echeverría Henríquez, seu pai. Vivendo em liberdade impune, Echeverría Henríquez foi reconhecido por ex-presos políticos como comandante do famigerado Regimento de Infantería N°1 “Buin”, que durante a ditadura Pinochet funcionou como centro clandestino de detenção e tortura.

A sublimação dos crimes paternos por Ivette Vergara e Carolina Moya pode ser considerada uma síndrome.

Indagado sobre a reação de familiares de militares processados por violações de DDHH, o psicólogo chileno Marco Antonio Grez aponta um curiosa racionalização: ”Quando familiares diretos são confrontados com fatos acobertados por mentiras, delitos ou ilícitos envolvendo seus pais, em sua mente costuma ocorrer uma contradição. Quando crescemos, habituando-nos a justificar uma situação que nos faz sofrer, tratamos de dar um sentido às justificativas, inventando o pretexto de que o pai teve que cumprir ordens, deste modo conseguindo restabelecer um estado de equilíbrio”.

Somente arrependimento redime imagem dos filhos

Em entrevista ao semanário Cambio21, o sociólogo Manuel Antonio Garretón adverte contra generalizações: “A única solução para estas coisas são sociedades  mais educadas, menos familísticas, menos fechadas em grupos estanques, até mesmo religiosamente, já que a tendência é atribuir aos filhos as características que têm os pais ou parentes”.

Contudo, até quando mulheres como a musa da TV ou a secretária de Estado continuarão a tampar o sol com a peneira, escondendo-se onde não há mas refúgio?

Garretón é taxativo:”A única maneira de superar esta situção é que os que cometeram os crimes os admitam, peçam perdão e deem mostra de seu arrependimento. Só assim ninguém mais poderá insinuar que ´tal pai, tal filho´”.

Talvez ão seja exatamente este o ponto: se o capitão assassino admitisse a verdade, talvez aliviasse a dor de sua filha Ivette Vergara e ela não precisasse mais encobri-lo.

Talvez.

 

Redação

17 Comentários

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  1. fogoooo

    Quantos vão me xingar, mais la vai.

    Coronel foge para a italia que la é facil um criminoso condenado ganhar a liberdade e mais ainda sera chamado de heroi por alguns dos seu conteranios.

    E de preferencia usando passaporte falso, que é crime, mais pensando bem mais um crime menos um não vai fazer a menor diferença.

     

    1. Só pode ser provocação mesmo.

      Só pode ser provocação mesmo. Comparar o caso de Pizzolato ao desse milico assassino é o mesmo que defender o assassinato.

      1. Provocação

        Obrigado, Jair Fonseca, faço minhas suas palavras.

        Mais: o comentarista solenemente desdenha os assassinatos com sua frase truncada,

        segundo a qual um crime a mais não faz diferencaça.

        Indigência mental e política de mãos dadas com dislexia.

        Abraços.

      2. Provocação

        Obrigado, Jair Fonseca, faço minhas suas palavras.

        Mais: o comentarista solenemente desdenha os assassinatos com sua frase truncada,

        segundo a qual um crime a mais não faz diferencaça.

        Indigência mental e política de mãos dadas com dislexia.

        Abraços.

      3. È

        Isso mesmo, pra provocar, é muito facil voce comparar um criminoso com outro, um matou e torturou, o outro simplimente foi corupto e quando condenado e fugiu usando um documento falso, de um irmão ja morto. 

        Os dois cometeram crimes e foram condenados, então posso comparar sim, pois os dois representam tudo o que ha de pior no carater humano, pois eram homens que tinham um certo poder, mais resolveram usar isso para proveito proprio e não pensaram nas consequencias.

        1.   Meu querido, com você não

            Meu querido, com você não dá pra ter meias palavras: se você acredita mesmo que um crime como o do Pizzolato (nem vou discutir o processo) é o mesmo que assassinato premeditado, você é um IMBECIL. Não é adjetivo, no seu caso é substantivo mesmo.

           

  2. Na boa, assassinar uma pessoa

    Na boa, assassinar uma pessoa e ser condenado (?) a TRÊS ANOS de prisão é praticamente a mesma coisa que não conseguir colocar as mãos no Brilhante Ustra. Dá no mesmo, talvez seja até mais frustante.

  3. Chile: condenação de pai violador de Direitos Humanos atinge apr

    Distinto, é essa a tua argumentação para contestar o caso Pizzolato? É flagrante a falta de brilhantismo de quem se pauta em informações advindas do consórcio Globo-Vejo-Folha-Estadão, que é, a meu ver, o teu caso. 

  4. Provocação

    Obrigado, Jair Fonseca, faço minhas suas palavras: comentário degradante!

    Mais: a indigência mental e política, de maõs dadas com a dislexia do comentarista,[

    solenemente se lixa com crimes hediondos, pois os desdenha como “mais um, que não faz diferença”.

    Caso de BO por incitação ao crime violento.

    Abraços.

    1. Discordo de voce parcialmente.

      AInda que ela não tenha culpa de ter tido o pai que teve, se beneficiou do prestígio dele na época da ditadura, bem como aproveitou da situação economica favorável decorrente do prestígio da “autoridade” do pai. Como sabemos, a maioria esmagadora ds torturadores de lá e de cá, roubava os pertences de suas vitmas (dinheiro, jóias, etc,) bem como chantageava seus familiares lhes extorquindo dinhero, além dos casos de abusos sexuais contra esposas, mães e filhas de suas vítimas.

      Não apenas, tais crimes contra a humanidade não podem prescrever, como o Estado deveria eliminar proventos e pensões destes assassinos, bem como é necessário a retirada dos bens destes assassinos, incluida a anulação das doações dadas à familiares, destinando os bens confiscados ao reparo das famílias das vítimas ou a programas sociais.

      1.   Por opiniões como esta que

          Por opiniões como esta que eu tenho repulsa dos fanaticos de direita e de esquerda. 

         Por pior que seja o sujeito, pai é pai e ninguém pode condenar uma filha por ama-lo.

         

         Parabéns ao Chile por fazer o que não fazemos aqui no Brasil.

         

        1. Cavalheiro

          Por ventura neguei à moça o direito de amar o pai?

          Que ela se locupletou do prestígio e bens do pai, é apenas uma óbvia constatação.

          Seus conceitos sobre fanatismo carecem de uma melhor avaliação. Minhas observações patrimonialistas acima decorrem de uma visão sobre jurídica sobre os atos praticados pelo assassino e suas consequências e  reparações devidas  aos ofendidos e vítimas.

  5. Como estarão os filhos dos

    Como estarão os filhos dos país assassinados pelos ditadores? Também não concordo que essa senhora tenha que pagar pelos crimes do papi, mas, ele SIM. Exatamente porque tirou a vida de muitos pais, muitos filhos que lutavam pela democracia. Os lutadores pela democracia, em pleno século XXI, estão sendo presos (vide Dirceu, Genuino e os que já partiram), mas ninguém pediu respeito aos filhos desses senhores que foram, EM PLENO SÉC.XXI , presos sem prova alguma, são, novamente, presos políticos como eram na ditadura.. Ou, seja, prender lutadores pela democracia, é muito mais fácil para os justiceiro$ das justiças, do que prender assassinos ditadores. Continuamos sendo um país órfão de justiça, em qualquer de suas instãncias, em qualquer dos seus comitês antidemocracias. Infelizmente.

  6. Cínicos, covardes, infames todos que apoiam a tortura

    Pedro Luiz

    Amigo Nassif:

    Esses criminos infames e covardes poderão se esconder por intermédio de juízes pusilânimes e covardes que os protegem – mas sempre pairará sobre eles novas denuncias e provas dos seus crimes.

    Nunca dormirão em paz, a hitória não deixa tanto a eles ,os criminosos, quanto aos seus protetores,uma justiça pusilãnimee e covarde – qual? A BRASILEIRA NATURALMENTE!!!

     

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