Furia na noite o vento

Cleonice Berardinelli: Furia, não preciso botar o acento porque é um verbo que ele [Fernando Pessoa] inventou. E esse poeminha, esse poema é um mimo porque é o poema em que ele define o que a poesia é. Eu “estou preso ao meu pensamento como o vento preso ao ar”. Como é que o vento está preso ao ar? Porque é feito de ar. Eu sou o pensamento.

Maria Bethânia: Que coisa linda isso!

Cleonice Berardinelli: Não é? é lindo. 

Maria Bethânia: Isso é maravilhoso!

Cleonice Berardinelli: Também gosto muito dele.

Maria Bethânia: Agora, traduz ele completamente, não é?

Cleonice Berardinelli: Exatamente. É uma regra de três. Isto está para isto, assim como isso está para isso. E isto aqui sou eu, como o vento preso ao ar. Eu, como o vento preso ao ar. Não pode estar mais preso do que o vento ao ar. É o ar, o próprio ar em movimento. Eu sou o pensamento em movimento. 

 

Fernando Pessoa

23-5-1932

 

Furia na noite o vento

Num grande som de alongar.

Não há no meu pensamento

Senão não poder parar.

 

Parece que a alma tem

Treva onde sopre a crescer

Uma loucura que vem

De querer compreender.

 

Raiva nas trevas o vento

Sem se poder libertar.

Estou preso ao meu pensamento

Como o vento preso ao ar. 

 

 

………………………………………………………………………………………

 

Fontes:

 

1 O texto deste poema é baseado na edição Fernando Pessoa Antologia Poética (com organização, apresentação e ensaios de Cleonice Berardinelli, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012) e difere da edição da INCM * (conforme se pode ver na imagem do original abaixo).

* INCM: edição da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, preparada por Ivo Castro e outros membros da Equipa Pessoa, para os poemas escritos a partir de 1915 e “não publicados em vida do poeta”.

 

2 CD (o vento lá fora) um filme de Marcio Debellian, realização Quitanda 2014, coprodução Sesc São Paulo, gravado e mixado por Fernando Prado nos estúdios Biscoito Fino, 2014.

 

 

Redação

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