Gregório Duvivier, o riso super estimado

do blog de Gilberto Cruvinel

Ator, comediante e escritor diz que o humor é como a língua, fruto de uma cultura

O humor, assim como ocorre com a poesia, abre uma janela. Ou, como diria Oscar Wilde, todos nós estamos deitados na sarjeta, só que alguns estão olhando as estrelas. O humor são essas estrelas que dão sentido à nossa existência. Gregório Duvivier

 

Por Amilton Pinheiro – Revista Língua Portuguesa – Julho/2014

Seu currículo é extenso. Além de atuar em peças, filmes e na TV, Gregório Duvivier escreve roteiro, livros e é colunista da Folha de S.Paulo.  Sem contar o trabalho de redator e de ator no Porta dos Fundos, sucesso absoluto na internet.

Gregório é formado em Letras pela PUC do Rio de Janeiro e passou dez anos estudando no Tablado, um dos cursos de teatro mais conceituados no país. Quando lançou seu primeiro livro de poesia A Partir de Amanhã eu Juro que a Vida vai ser Agora, publicado pela 7 Letras em 2008, recebeu críticas elogiosas do poeta Ferreira Gullar e de Millôr Fernandes (1923-2012). 
Foi por conta dessas críticas que se aventurou no segundo livro de poesia, Ligue os Pontos Poemas de Amor e Big Bang, lançado no fim do ano passado pela Companhia das Letras. “Não poderia ter tido uma recepção melhor. Millôr é o meu humorista preferido, e Gullar é o grande poeta brasileiro vivo. O elogio dos dois vale por mil. Foi o que me incentivou a continuar escrevendo”, declarou.

Ele será um dos autores brasileiros convidados da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), entre 30 de julho e 3 de agosto, na cidade histórica de Paraty, Rio de Janeiro. O homenageado do ano será Millôr.

Alguns críticos torcem o nariz para a poesia do rapaz, a ponto de o site Sílaba classificar seus livros de “poesia-entretenimento”. Quando questionado sobre o fato de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, e se isso não enfraquece a qualidade do seu trabalho, responde na lata: “Acho que só melhora. Os artistas de que mais gosto são os humanistas, que não se restringem a uma atividade só. A especialização é uma invenção recente – e idiota.”

Há diferenças entre o humor da internet e a linguagem de humor em outros veículos? 
O humor feito na internet se caracteriza pela ausência de filtros. A comunicação entre o espectador e o produtor se dá sem intermediários, assim como no teatro: o artista dialoga diretamente com o espectador. No cinema e na televisão, o produto artístico passa por uma série de interferências.

A retórica do humor é universal ou é possível identificar um jeito brasileiro de contar piadas? 
Humor é um produto cultural.  Uma sociedade ri da mesma maneira que ela pensa. Por trás de uma piada, há sempre uma forma de ver o mundo.

Há uma forma de ver o mundo na linguagem brasileira? 
A língua, assim como o humor, é fruto de uma cultura e está muito intricada nela. O português brasileiro, assim como o humor que se faz no Brasil, traduz nossos preconceitos e nossas mazelas – há um abismo gigantesco entre o português falado e o português escrito. Esse mesmo abismo está presente na sociedade, que se divide entre os que leem e os que não leem.

O humor pode ser reacionário? 
O humor pode ser tudo: reacionário, óbvio, antigo, preconceituoso. Mas também pode ser revolucionário, anárquico, libertador. É uma forma de expressão assim como a poesia ou artes plásticas. Por meio dele, você pode dizer tudo.

Há um segredo para quem quer elaborar piadas? 
Não há segredos. Mas em geral uma boa piada é surpreendente, simples e, acima de tudo, verdadeira. O humor deve ter uma ligação muito forte com a verdade.

É possível fazer humor ao estilo de Mussum, que ridicularizava negros e alcoólatras? 
O Mussum ria disso porque era negro e alcoólatra. Ele estava rindo de si mesmo. A autoironia é uma das formas mais difíceis e corajosas de fazer humor.

Estamos mais caretas? 
Não. Estamos mais conscientes. 

Dizem que humor bom é o que faz rir, mas e se o sujeito quiser rir de cadeirantes?
O sujeito pode rir de tudo – isso não significa que ele deva rir de tudo. Rir de quem está por baixo não é crime, é falta de educação. A palavra “educação” muitas vezes é confundida com etiqueta. Parece que educação é algo supérfluo. Educação é essencial e é o que nos torna humanos. O humor deve ser educado – para se tornar humanismo.

Qual a pior piada do mundo? 
Aquela que perpetua preconceitos, mentirosas – não vou contá-las aqui porque são muitas, e não quero perpetuá-las.

O humor liberta? 
Sim. O humor, assim como ocorre com a poesia, abre uma janela. Ou, como diria Oscar Wilde, todos nós estamos deitados na sarjeta, só que alguns estão olhando as estrelas. O humor são essas estrelas que dão sentido à nossa existência.

O que representou a recepção favorável a seu primeiro livro de poesia? 
Não poderia ter tido uma recepção melhor. Millôr é o meu humorista preferido, e Gullar é o grande poeta brasileiro vivo. O elogio dos dois vale por mil. Foi o que me incentivou a continuar escrevendo, e a publicar o segundo livro.

Por que a preferência por títulos extensos para seus livros? 
Gosto de títulos que sejam, à sua maneira, poemas.

As gerações atuais leem menos? 
As gerações atuais continuam lendo muito. A diferença é que elas leem de tudo. A internet democratizou o acesso à literatura, ao mesmo tempo em que a vulgarizou: tudo pode ser lido e tudo parece ter o mesmo valor. Todos são autores e publicam seus pensamentos nas redes sociais. Todos são leitores dos pensamentos alheios. A quantidade de informação que circula é muito maior. No entanto, a nossa capacidade para ler a informação está cada vez pior.

Fazer tantas coisas, como roteirizar, atuar, escrever livros e uma coluna para jornal, não prejudica a qualidade do que você faz? 
Acho que só melhora. Os artistas de que mais gosto são os humanistas, que não se restringem a uma atividade só. A especialização é uma invenção recente – e idiota.

Muitas das esquetes do Porta dos Fundos não passariam na TV, pois são politicamente incorretas. O que pensa a respeito? 
Discordo que elas sejam politicamente incorretas. Aliás, discordo desse termo. Acho as esquetes politicamente responsáveis. E discordo que a televisão necessariamente dilua o humor. 

É possível fazer arte de qualidade sem dor? 
Acho que a arte em geral é a sublimação dessa dor. Mas não somente. Acho que ela pode ser muito mais do que isso. Não podemos supervalorizar a dor, nem achar que ela é suficiente. A experiência artística passa pela estetização desse incômodo, e só é completa quando ecoa no espectador, no leitor. Sem esse, não há arte – nem humor.

Redação

1 Comentário

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  1. Não vou me surpreender se

    Não vou me surpreender se esse aí, em 20 ou 30 anos, for reconhecido como um dos grandes do século. Tem dito algumas coisas fora do lugar-comum. Nem tudo que faz é de primeira linha, mas se arrisca, e constantemente produz material que faz pensar. Gosto de acompanhar o que diz esse sujeito.

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