William Shakespeare, 450 anos

Enviado por Gilberto Cruvinel

William Shakespeare (23 de abril de 1564 – 23 de abril de 1616)

Um retrato do artista

Barbara Heliodora

    Se o bom teatro nos ajuda a compreender o ser humano, William Shakespeare o faz como ninguém. Sua paixão sem limites pela humanidade resultou em imensa viagem pelo corpo e pela alma de seus semelhantes, tratados todos com a mesma compaixão; tinha o mesmo fascínio pelos incontáveis aspectos do potencial humano. Se for necessário apresentar motivos pelos quais se deva ler Shakespeare hoje em dia, todos eles poderão ser encontrados em sua capacidade de investigar e compreender a fundo os processos do ser humano, tanto em sua condição de indivíduo como de integrante do grupo social. Nestas palavras estão incluídos não só o grupo social imediato, mas também o quadro mais amplo no qual esse grupo imediato se insere, pois o bem da comunidade é o primeiro referencial de todas as obras teatrais shakesperianas, sejam elas comédias, peças históricas ou tragédias.

     Nada parece fascinar mais William Shakespeare que a abrangência do potencial humano, e não aparece em sua produção nenhum tipo de preconceito ou julgamento mesquinho. Porém, com sua imensa galeria de mais de oitoscentos personagens, ante cada ação, cada atividade, ele parece alertar-nos para o fato de que o homem também é capaz de mais esta ou aquela ação ou emoção. Sem jamais se voltar para lições de moral, Shakespeare prefere deixar bem claro que o homem é sempre responsável por suas ações e que toda ação tem consequências. O mais incrível, no entanto, é ele ter conseguindo expressar tudo o que observou, em termos de uma dramaturgia apaixonada e apaixonante, em impecável forma poética. Se a beleza da forma é uma das grandes atrações desse memorável conjunto de peças, ele prova também que o anti-realismo pode nos remeter à realidade com imensa força. Para usufruir o grande prazer que a leitura nos oferece é preciso, apenas, superar o preconceito contra o texto em verso. Nas mãos de um autor fundamentalmente dramático e teatral, o verso se transforma em preciosa ferramenta de auxílio ao ator na execução de sua tarefa de interpretação, pois seguir o rtimo e a música do verso significa encontrar a essência do personagem e da situação.

 

Soneto 55
tradução de Ivo Barroso

Nem mármore, nem áureos monumentos
De reis hão de durar mais que esta rima,
E sempre hás de brilhar nestes acentos
Do que na pedra, pois o tempo a lima.
Pode a estátua na guerra ser tombada
E a cantaria o vil motim destrua;
Nem fogo ou Marte apagará com a espada
Vivo registro da memória tua.
Há de seguir teu passo sobranceiro
Vencendo a Morte e as legiões do olvido,
E os pósteros, no juízo derradeiro,
Hão de a este louvor prestar ouvido.
…..Pois até a sentença que levantes,
…..Vives aqui e no lábio dos amantes.

 

Soneto 66
tradução de Ivo Barroso

Farto de tudo, a paz da morte imploro
Para não ver no mérito um pedinte,
E o nulo se ostentando sem decoro,
E a fé mais pura em degradado acinte,
E a honra, que era de ouro, regredida,
E a virtude das virgens violada,
E a reta perfeição ser retorcida,
E a força pelo fraco subjugada,
E a prepotência amordaçando a arte,
E impondo regra o tolo doutoral,
E a verdade singela posta à parte,
E o bem cativo estar do ativo mal:
….Farto de tudo, a morte é o bom caminho,
….Mas, morto, deixo o meu amor sozinho.

 

Soneto 76
tradução de Geraldo Carneiro

Por que meu verso é sempre tão carente
De mutações e variação de temas?
Por que não olho as coisas do presente
Atrás de outras receitas e sistemas?
Por que só escrevo essa monotonia
Tão incapaz de produzir inventos 
Que cada verso quase denuncia 
Meu nome e seu lugar de nascimento?
Pois saiba, amor, só escrevo a seu respeito
E sobre o amor, são meus únicos temas. 
E assim vou refazendo o que foi feito, 
Reinventando as palavras do poema.
…..Como o sol, novo e velho a cada dia,
…..O meu amor rediz o que dizia.

 

Hamlet, ato III, cena 1

tradução: Barbara Heliodora

 

Ser ou não ser, essa é que é a questão:
Será mais nobre suportar na mente
As flechadas da trágica fortuna,
Ou tomar armas contra um mar de escolhos
E, enfrentando-os, vencer? Morrer, dormir,
Nada mais; e dizer que pelo sono
Findam-se as dores, como os mil abalos
Inerentes à carne – é a conclusão
Que devemos buscar. Morrer – dormir;
Dormir, talvez sonhar – eis o problema:
Pois os sonhos que vierem nesse sono
De morte, uma vez livres deste invólucro
Mortal, fazem cismar. Esse é o motivo
Que prolonga a desdita desta vida.
Quem suportara os golpes do destino,
Os erros do opressor, o escárnio alheio,
A ingratidão no amor, a lei tardia,
O orgulho dos que mandam, o desprezo
Que a paciência atura dos indignos,
Quando podia procurar repouso
Na ponta de um punhal? Quem carregara
Suando o fardo da pesada vida
Se o medo do que vem depois da morte –
O país ignorado de onde nunca
Ninguém voltou – não nos turbasse a mente
E nos fizesse arcar co’o mal que temos
Em vez de voar para esse, que ignoramos?
Assim nossa consciência se acovarda,
E o instinto que inspira as decisões
Desmaia no indeciso pensamento,
E as empresas supremas e oportunas
Desviam-se do fio da corrente
E não são mais ação. Silêncio agora! 
A bela Ofélia! Ninfa, em tuas preces
Recorda os meus pecados.

…………………………………………………………………………………………………………………………………………

Fontes: 

1. Heliodora, Barbara, “Por que ler Shakespeare”, p.8,9, 81 e 82; São Paulo: Globo, 2008 (Coleção por que ler / coordenador Rinaldo Gama)

2. Shakespeare, William; in Barroso, Ivo (tradução e apresenatção). “William Shakespeare 50 Sonetos.”. Rio de Janeiro: Nova Froneira, 2011.

Redação

13 Comentários

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    1. Não deixa de ser uma hipótese

      Chico Buarque é um dos melhores exemplos de “renaissance man” no Brasil.

      Mario Henrique Simonsen foi outro.

      1. Bom, eu so tava meio serio. 

        Bom, eu so tava meio serio.  Shakespeare introduziu centenas de expressoes e neologismos, enquanto Chico eh estritamente conservador com o vocabulario, com a “assombrosa producao” de um unico neologismo que eu conheco:  baioque.

        No entanto, esse eh Renascente mesmo.  Ate o aparecimento de Lula, Chico Buarque permanecia como o unico brasileiro que ainda vai ser lembrado em 500 anos!

  1. E também de Miguel de Cervantes

    Foram duas grandes perdas no mesmo dia. A morte de Cervantes aparece como tendo ocorrido no dia 22 ou 23 de abril, dependendo da fonte.

    Biografia de Miguel Cervantes. Por Gomes Leal.

    Miguel de Cervantes Saavedra. Retrato de Eduardo Balaca.

    Miguel de Cervantes Saavedra o mais destacado escritor espanhol e uma das grandes figuras da literatura de todos os tiempos. Retrato de Eduardo Balaca.

    Miguel de Cervantes Saavedra foi um génio, e pode-se dizer mesmo o génio do Bom Senso. Na sua obra, cujo herói é um dementado, vibram-se profundos gilvazes a todas as demências humanas: e ela não fere tão vivamente o espírito de todos só porque é cáustica: mas sim porque é causticamente, crudelissimamente, sensata. Daí todo o seu sucesso. Daí toda a perdurabilidade desta obra que não teria um carácter tão imutável se fosse unicamente alegre, ou se fosse simplesmente imaginosa. A imaginação é um grande dom, que tem uma larga influência nos povos infantis: mas o bom senso é uma faculdade rara, quando aliada à imaginação, que se esculpe imperecivelmente nos povos lógicos, nos povos racionalistas, nos povos reflectidos das civilizações adiantadas. Quando, porém, à imaginação e ao bom senso se acrescenta a irresistível, a demolidora Ironia, essa obra toma um carácter mais imutável do que o bronze de Corinto, ou a estátua grega de um mestre, feita com mármore pentélico.

    Assim se explica a acolhida que ela tem ainda hoje, como no tempo de Filipe III, e que continuará a alcançar dos nossos pósteros, quando já não restar na memória do homem um hexâmetro grego de Homero, nem um versículo hebraico do Pentateuco de Moisés. Acrescente-se a isto que o seu herói tem o carácter profundamente objectivo, na sua subjectividade, e ter-se-á explicado as causas que fizeram deste livro um monumento verdadeiramente cosmopolita e humano. Neste género, com tais requisitos, só uma obra conhecemos que rivalize com D. Quixote, e que talvez para os espíritos delicados e subtis, se avantaja ainda: é as Viagens de Gulliver, de Swift.

    Nesta obra tudo tem um carácter de mais originalidade e de mais subtileza. Sendo eminentemente humana, isto é, sendo uma sátira dum carácter verdadeiramente universal, tem talvez como vantagem para nós, empregar um humour muito mais ático, — se é possível fazer ático sinónimo de delicado, — em vez do grosso sal de cozinha de que em largas doses se serve Cervantes, como condimento. A sua imaginação é decerto muito mais rica: e em bom senso cáustico não lhe fica também, em nada, inferior. Falta porém ao seu herói aquele entusiasmo simpático do D. Quixote , que tanto nos prende a ele, mau grado todas as suas demências, e todas as suas insânias cavaleirosas e andantes. Falta-lhe também aquele já hoje lendário escudeiro de Sancho Pança, cavalgando no seu lendário sendeiro, através dos montes e dos vales de Espanha, atrás do seu cavaleiro, que vai em demanda de gigantes e do elmo de Mambrino: tipo patusco e bon vivant, folião e pantagruélico, tão dementado como positivo, tão burlesco como escudeiro leal, símbolo de burguês de todas as eras, e do materialismo ventrúdo de todos os tempos. A firmeza de traços com que estão pintadas, à Velásquez, estas duas figuras típicas, no meio dos episódios e dos vários acidentes, sem nunca se desmentirem, nem nunca se desmancharem, é decerto dum relevo cómico, que os não torna inferiores, antes os sobreleva aos personagens do teatro de Lope de Vega, ou de Calderón de la Barca.

    O herói de Swift é um aventureiro também: não tem, contudo, o mesmo arranque, a mesma viveza, a mesma chispa peninsular do manchego.
    É sempre um saxão: e guarda sempre, como este povo, a sua frieza reflectida, o seu espirito de exame, e de ironia tranquila. Assim como, D. Quixote, produto do ibero, povo brigador e aventuroso, é um cavaleiro de aventuras, da mesma forma. Gulliver, produto do saxão navegador, é um marinheiro audaz, e um viajante intrépido, à busca do incognoscível. O aventureiro saxão não é, contudo, um dementado. Conserva no meio dos seus perigos, e dos riscos estranhos, a ingenuidade um tanto feminil desses louros ou ruivos marinheiros bretões, de pescoço branco e de músculos de aço, que sulcam as ondas de todos os mares, conservando na memória e no coração os traços da sua cabana, nas verdes serranias do Erin, ou da Escócia nevoenta, cheia de lendas e de lagos, de onde se evapora a neblina.Mas essa ingenuidade não é destituída de malícia, nem da mordacidade humorística, tão particular ao saxão.

    Ambos eles, no entanto, têm o supremo mérito filosófico e ético de, representando cada um, em particular, o tipo especial da sua raça, simbolizarem, em geral, os afectos e as paixões comuns de toda a humanidade.
    Como Fausto, como D. João, como Hamlet, como o Misantropo, são eternos, e mais perduráveis que a grande pirâmide do Faraó Ramsés no deserto de Menfis, no Egipto, porque são universais, são humanos.
    Não é nosso intento, alongarmo-nos, agora, na análise crítica da obra capital de Cervantes. Convidados, amavelmente, por um nosso amigo dos bancos colegiais, D. José Carcomo Lobo, tradutor desta obra, e tradutor dela tão fiel e vernáculo, quanto o seu talento é modesto e retraído, e pelo seu esclarecido editor, o sr. Fidalgo, a delinear os principais traços biográficos de Miguel de Cervantes, vamos desempenharmo-nos deste encargo, resumindo os factos capitães desta vida tão acidentada.

    do site da Biblioteca Nacional de Portugal: http://purl.pt/920/1/cervantes-biografia/biografia-cervantes-1.html

    1. Boa lembrança

      Boa lembrança Gilberto, Cervantes, o inventor do romance é contemporâneo e tão importante quanto o  bardo inglês.

      As datas de nascimento e morte de escritores deste período como Shakespeare e o nosso Camões são um problema para os pesquisadores. Sobre o inglês o registro que se tem é do seu batizado na igreja de Stratford-Upon-Avon em 26 de abril de 1564. Como o costume nesta época era que as crianças fossem batizadas em até três dias após o nascimento, assume-se que o dramturgo tenha nascido em 23 de abril, o que é provável mas não é um fato comprovado. Há quem defenda que, além disso, esta data foi escolhida também porque é o dia de São Jorge, padroeiro da Inglaterra. A data da morte foi assumida no mesmo dia do nascimento. Essas datas são pelo calendário Juliano, usado na Inglaterra durante a época de Shakespeare. Pelo Gregoriano, o Bardo de Avon morreu em 03 de maio.

      1. Diferenças de data

        Pois é Gilberto,

        Se estas discrepâncias servirem para lembrarmos mais vezes destas figuras fundamentais, ótimo!!!

        Abs

         

    2. Entrei justamente para avisar disso

      da Wiki:

      “Cervantes, por outro lado, teria morrido em 22 de abril de 1616, sexta-feira, tendo sido registrada a morte no sábado, dia 23, em sua paróquia, em San Sebastián. Conforme costume da época, no registro constava a data do enterro. Em 23 de abril é comemorado o Dia do Livro na Espanha.1

  2. Nassif
    Fui compartilhar esse

    Nassif

    Fui compartilhar esse ótimo post no Facebook e quando eu boto “https://jornalggn.com.br/blog/gilberto-cruvinel/william-shakespeare-450-anos” aparece na caixa “http://www.bit.ly/1hnb2og#.U1exC-E8AFo.facebook ” e não aparece a foto com o texto. 

    Deixo de divulgar muitas coisas boas porque isso tem acontecido repetidamente. E quando eu insisto, como foi o caso do meu “https://jornalggn.com.br/noticia/o-aniversario-de-charles-chaplin”, depois de um tempo não aparece mais nada, apenas “jornalggn.com.br”, sem link para levar a algum lugar.

    Abraços

    Mara

      1. Compartilhamento

        Vou experimentar. Estranho é que uns comentários ficam perfeitos no FB, outros dão “defeito”. Obrigada pela informação.

        Abraços

        Mara

        1. Não deu certo…

          Gilberto

          Fiz o que você sugeriu, mas, infelizmente, aconteceu a mesma coisa! Se clicar até abre o site mas sem aparecer a foto. Fica aquela linha de endereço é só!! E, como já aconteceu, depois de tempinho, a notícia não aparece nem clicando.

          Já vi postagens do próprio Nassif no Facebook só com a linha, sem aparecer a notícia inteira.

          Obrigada, mesmo assim

          Abraços

          Mara

          PS: SOS Nassif, por que acontece isso?

           

          1. Funciona quase sempre

            Mara,

            Para mim funciona quase sempre. Publiquei o Post do Cruvinel desta forma hoje. Em alguns momentos, no Face, os links de outros sites também não carregam.

            O Nassif respondeu hoje, em outro post, que é um problema do GGN que os desenvolvedores não conseguem resolver. Mistérios da Web…

            abs

          2. É uma pena

            Gilberto,

            É uma pena que não funcione bem sempre. Eu gosto de compartilhat no FB quando aparece a notícia com a foto bonita. Quando não der certo vou continuar tentando como você sugeriu.

            Abraços

            Mara

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