Falando de Sistema Tributário, por Gunter Zibell

Por Gunter Zibell

Antes de tudo, não vamos esquecer das atribuições de cada poder ou ente. Ao Poder Executivo, através da Receita Federal, cabe combater a sonegação e, através do Ministério, usar bem os impostos. Ao Poder Legislativo cabe propor e aprovar alterações do sistema tributário. Aos partidos cabe oferecer propostas com as quais buscarão aumentar suas bancadas. À Academia e à Mídia cabe realizar estudos independentes e fazer divulgação. À Opinião Pública cabe escolher que discursos lhe soam críveis.

Cada pessoa dispõe de um conjunto particular de informações e crenças. As minhas não são imutáveis, mas por ora são as seguintes:

1) Eu não acredito que os níveis de sonegação fiscal no Brasil sejam elevados. Mas há setores da Economia que são estruturalmente subtributados. Isso é resultado de decisões racionais em função da facilidade de monitorar cada setor ou origem de renda.

2) O Brasil historicamente é um país com viés arrecadador. Não há diferenças nisso entre Regime Militar e os vários governos civis que o sucederam. O maior aumento anual de carga tributária, inclusive, foi obtido na gestão FHC de 1993-2002, passou-se de 25% para 33% nos três níveis.

3) A carga tributária/PIB no Brasil, atualmente 36%, é muito maior que a de outros países de renda média (de US$ 8 a US$ 20 mil anuais em PPP) e há questionamentos da sociedade em relação à efetividade do retorno obtido na gestão desses recursos. Costuma-se usar o México como referência, pois a carga tributária nesse país é entre 20 e 25%, a renda média é maior e a maioria dos indicadores sócio-econômicos se apresenta melhor. Outras referências são EUA e Argentina, ambos em torno de 30%. Então, no mínimo, análises e estudos são necessários, pois questionamentos da sociedade devem ser respondidos.

4) Eu não tenho expectativas com maiores tributações aos mais ricos. Por um lado grandes rendas e patrimônios soem ser constituídos na forma de Pessoas Jurídicas, por outro lado existem inúmeras formas de escapar legalmente de aumentos de tributação (como constituir empresa no Exterior.) Eu não acredito que se possa elevar substancialmente a arrecadação com IRPF, Imposto sobre Grandes Fortunas ou ITCMD. De qualquer modo, se hoje temos um Congresso em 85% Centro-Direita (em geral contrários a maior progressividade tributária), nada impede que políticos estimulem esse debate com vistas a no futuro aproximar essa questão da vivida em países desenvolvidos.

5) No Brasil se costuma falar que a Classe Média estaria subtributada em relação aos mais pobres, que a progressividade não é o suficiente ou adequada. Eu discordo disso porque percebo que os 25% mais ricos no Brasil (que são a CM em uma acepção) costumam pagar por serviços privados de saúde e educação (o que não ocorreria na Europa) e também elevadas alíquotas de IPI+ICMS em bens de consumo e energia (o que não ocorre do mesmo modo nos EUA.) É uma situação perversa por ser classista, mas o fato é que setores expressivos da população não confiam no Estado como provedor de serviços essenciais. E o Estado, a invés de buscar obter essa credibilidade, dá-se por satisfeito em não tributar mais a renda da CM, sendo que, no entanto, tem consciência da dificuldade de lhe fornecer serviços. Algo como “fingimos que pagamos impostos, fingimos que retornamos à sociedade”.

6) A Sociedade Brasileira “coxinhizou” com o tempo, com valores mais social-liberais em alguns temas perpassando de cima a baixo os vários estratos sociais. Por isso acredito que se forma grande resistência a novos impostos (a propaganda de Skaf/PMDB/FIESP não é à toa) e também que se exigirá cada vez mais da Classe Política que justifique os impostos e os usos dados a eles. Uma pressão cada vez maior por Reforma Administrativa será sentida, concomitante a uma Reforma Tributária que busque simplificação e melhor equalização na tributação entre os vários setores de atividade econômica.

Redação

21 Comentários

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  1. Livre crença

    Eu não acredito que os níveis de sonegação fiscal no Brasil sejam elevados.

    Então explica a Zelotes, que é só a ponta do iceberg.

    Um dos grandes problemas do Brasil é que sonegação é vista com uma condescendência que daria náuseas em outras partes do mundo civilizado.

  2. O sistema tributário e judiciário são truncados para…

    … simplesmente favorecer quem tem o poder da informação e o poder propriamente dito.

    Por isto a carga tributária é alta para a classe média e baixa.

    Enquanto o governo não estimular a “caça ao tributo” vai continuar assim.

    1ª coisa é mudar o sistema de remuneração para os agentes de fiscalização. Salário base mais participação sobre a elaboração e pagamento de multas ou imposto arrecadado.

    Assim o agente público vai sair a procura do dinheiro e não ficar sentado numa cadeira de escritório. E fazerem as leis serem respeitadas. 

    Lembro que autuações já dão direito a defesa. E falar sobre excesso de multas é abominação. Fale isto para quem perdeu um ente querido no trânsito (por exemplo).

  3. Há estudos que mostram que

    Há estudos que mostram que quem paga mais impostos, proporcionalmente, é a classe mais empobrecida. Também se sabe que ninguém paga impostos na distribuição de lucros das empresas. Também se sabe do alto índice de elisão fiscal, que anda por volta de 400 bi (segundo o Impostômetro). Que os brasileiros estão em quarto lugar no número de contas em paraísos fiscais.

    Também se sabe das várias trampas feitas com o dinheiro do governo federal, via SUS, Bolsa Família e que tais.

    E sabemos também que, com esse congresso, é praticamente nula a hipótese de alguma mudança para melhor.

  4. Nào precisa accreditar em

    Nào precisa accreditar em nada. Basta analisar os fatos. Quanto está para esperando ações na Justiça ou no CARF.

    Também,a comparação com a carga tributária de outros países é despropositada. É preciso avaliar a o tamanho da base de contribuição. em um país com tamanhas desigualdades de renda igual ao Brasil a base de contribuiçAo é muito baixa embora o retorno desta contribuição deva ser distribuido entre todos.

    Ou diminui-se a desigualdade,permitindo que todos contribuam com a arrecadação ou aumenta-se a tributação sobre os mais ricos ou,melhor ainda,as duas coisas.

    O resto é defesa da livre iniciativa de quem não tem iniciativa.

  5. “A carga tributária/PIB no

    “A carga tributária/PIB no Brasil, atualmente 36%, é muito maior que a de outros países de renda média (de US$ 8 a US$ 20 mil anuais em PPP)”

    Não basta comparar indíces isolados para justificar carga tributária. O Brasil tem uma distribuição de renda muito inferior comparado com estes paises de renda media. Isto resulta em mais aporte feito pelo estado para atender as necessidades básicas da população, enquanto nestes outros paises, um contingente maior tem possibilidade de buscar serviços privados. Além disso, a distribuição de renda mais distorcida, gera mais demanda na saúde, pois não é feita uma prevenção do próprio cidadão, como em paises de melhor distribuição de renda.

    Outra questão é que a carga tributária é muito mais pesada para os extratos de renda mais baixos de que para a classe média, por conta da característica da tributação indireta.

    “Eu discordo disso porque percebo que os 25% mais ricos no Brasil (que são a CM em uma acepção) costumam pagar por serviços privados de saúde e educação”

    Pagam por serviços privados de saúde e educação, mas através da declaração de imposto de renda, descontam valores que são bem próximos daqueles que são utilizados pelo estado para custear a saúde e educação. Ou seja, estão em situação privilegiada, porque o mesmo real que custeia um serviço publico de péssima qualidade, custeia um serviço privado de boa qualidade para a CM.

     

     

     

    1. Acrescentando

      Em comparação com os países da OCDE a carga tributária total é ligeiramente maior, mas o IR é muito menor. Ou seja, penaliza quem paga imposto embutido em serviço e produto (os mais pobres) e livra a renda, o que ajuda os mais ricos…

      http://glo.bo/1MbZ8Td

  6. Quanta bobagem…

    A sonegação no Brasil não é grande, é imensa! Mesmo com uma legislação que parece ter sido feita sob medida para sofrer “engenharia tributária”.

    O que o sábio, ou esperto, autor parece propor é que os pobres carreguem nas costas a sociedade e sua plutocracia, porque, afinal, não tem outro jeito mesmo …, veja bem, é mais fácil assim…, não vamos incomodar os ricos que já contribuem muito e não sonegam … Ah, tenha a santa paciência!

    Argumento: “Não adianta aumentar impostos dos mais ricos, pois eles não vão pagar mesmo. Vão para paraísos fiscais.” Sei… Então, Não adianta existirem leis penais, uma vez que os criminosos sempre podem fugir pelas fronteiras.

    Que Tributem patrimônio e apertem contra a criação de empresas fictícias, apenas para fugir de tributos e blindar patrimônio. Fusca velho paga IPVA; aviões, lanchas, yates, helicópteros não pagam! 

    Imposto territorial rural: Na prática, se paga o que se quer!

    Não há imposto sobre distribuição de lucros. Além disso, criaram a jabuticaba dos juros sobre o capital próprio.

    Fiscalização? Parece que, tendo muita grana, tudo se ajeita no Carf.

    Classe média não tem retorno dos impostos? E a segurança pública, as ruas e estradas, o saneamento, o sistema judiciário, o sistema prisional, a própria moeda e a sua garantia, e …

    Quanto aos subsídios, incentivos fiscais, swaps cambiais bancados pelo tesouro, socorros aos grandes demais pra quebrar? 

    Eu poderia ficar horas argumentando, mas não tenho tempo nem paciência.

    1. um item chamou a atenção:

      Classe média não tem retorno dos impostos? E a segurança pública, as ruas e estradas, o saneamento, o sistema judiciário, o sistema prisional, a própria moeda e a sua garantia, e …

       

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      eles podem alegar que recebem bem menos do que pagam em impostos, podem até falar que “pagam impostos europeus para receber serviços africanos”

  7. carga tributária líquida

    Na questão da carga tributária, 36% mencionada no post, não se pode ignorar as transferências de renda. A maior parte dos tributos cobrados do setor privado volta imediatamente para ele por pagamento de rendas pelo Estado.

    Exemplos:

    FGTS arrecadado vai direto para as contas vinculadas dos trabalhadores;

    Contribuição do INSS (5% dos salários) vai para o sistema “S”, inclusive para ajudar o Skaf pagar as propagandas dele (quanto será que vai receber de rebates das emissoras para sua próxima eleição?);

    Aposentadorias e pensões voltam para os beneficiários; e aqui começam as meras transferências: cobrar de um setor e repassar para outro;

    Programas de complementação de renda: Bolsa Família, Alimentação dos trabalhadores (PAT), subsídio ao transporte de trabalhadores, etc.;

    Bolsa juros, um quinto da carga vai para o pagamentos de juros: impostos de todos viranda renda financeira de alguns

     

    Muito tempo atrás li um artigo do Prof. André Franco Montoro Filho que argumentava exatamente com isto: para se fazer uma comparação justa entre países, há que se levar em conta a carga tributária líquida. Tenho a impressão que, fazendo as contas direito, o Brasil deve ter uma das menores do mundo!

    1. Com o povo sendo bombardeado de mal uso do Erário

      acha mesmo que a sonegação alta vai sensibilizar?? vai é causar inveja em quem não consegue sonegar…

      1. Sei lá se vai sensibilizar…

        Não sei se vai sensibilizar, mas a minha intenção não era essa: era rebater o argumento de que se sonega pouco no país ou que a sonegação é um mal menor.

        E eu não sei você, mas na minha ideia sonegação é crime, e eu pelo menos não tenho a menor inveja de criminoso…

  8. IGF funcionaria sim

    Nunca concordei com esse papo de que tributar fortunas não adianta nada, porque elas simplesmente “fugiriam do país”.

    Bobagem! Tribute todos os imóveis com valor de mercado superior a R$ 2 milhões em 0.1% e os sócios de todos as empresas que faturam mais de R$ 5 milhões em 0.1% do valuation – use um múltiplo do faturamento para facilitar.

    Faça o mesmo com lanchas, barcos, carros esportivos, motos caras, obras de artes, jóias, etc.

    Se o ativo encontra-se no Brasil, o dono tem que pagar. Não tem como o ativo sair voando para as Ilhas Cayman.

    Dá bilhão fácil.

    Use o dinheiro para extinguir os confusos e injustos impostos sobre valor agregado, como o IPI e o ICMS

    1. O Brasil tem uma Alemanha de

      O Brasil tem uma Alemanha de terras na mão de investidores extrangeiros.

      Sem contar que imóvel não da para levar embora! 

  9. E as soluções que o país precisa?

    Os Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil têm realizado um amplo trabalho visando tornar mais efetiva a cobrança e arrecadação do montante de R$ 258,65 bilhões em créditos tributários devidos – que estão prontos para cobrança imediata. Com a campanha Brasil Sem Crise, lançada no início deste mês, apresentam-se alternativas aos ajustes fiscal realizados até o momento e possíveis cortes orçamentários que podem comprometer programas sociais e diversos setores do serviço público.  As propostas tem como foco a cobrança desses créditos, o que pode resultar no aumento da arrecadação sem necessidade de sobrecarga tributária ou aumento de impostos.

    Acreditamos que, a partir do aproveitamento devido da mão-de-obra dos Analistas-Tributários, somado a ações voltadas para dar maior agilidade ao julgamento de créditos nas Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ) e no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), teremos, com certeza, formas concretas de viabilizar essa cobrança, além de fortalecer o combate à sonegação fiscal no País.

    Como sugestão encaminho o link do estudo “Alternativas para enfrentar a crise fiscal – Propostas dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil”,  http://sindireceita.org.br/wp-content/uploads/2015/10/Alternativas-para-enfrentar-a-crise-fiscal-revisada-final.pd

  10. Ainda bem que são só crenças,
    Ainda bem que são só crenças, Gunter… Algo pode aclarar um pouco mais a discussão é o conceito de carga tributária liquida, ou seja, no nosso caso, é o que sobra depois das transferências obrigatórias (aposentadorias, pensões, assistência e programas de renda mínima, subsídios financiamento habitacional, da produção industrial e agrícola) e do pagamento de juros. Há países que não possuem um sistema de cobertura previdenciário como o nosso e nem pagam esse valor exorbitante de juros. Para se ter uma idéia, (e acredito que os valores não devem diferir muito, aliás devem ter piorado muito), segundo o IPEA em 2007, nossa carga tributária bruta era de 34,7% do PIB, passou para 19,3% depois das transferências obrigatórias e finalmente chegou a 13,1% do PIB depois do pagamento de juros !!!!Além disso, gostaria de acrescentar uma outra distorção do nosso sistema tributário, o desconto dos gastos de educação e saúde na declaração de imposto. As restituições pagas privilegiam principalmente a classe média, não cobre os gastos, mas a maioria da população pobre não tem essa opção devido a simplicidade de gastos a que está restrita. Trata-se de uma autêntica “bolsa classe média”!!!! 

  11. “Eu não acredito que os

    “Eu não acredito que os níveis de sonegação fiscal no Brasil sejam elevados” 

    Assim começa seu discurso de opinião.

     

    Menos crença mais ciência!

  12. Essa querela envolvendo

    Essa querela envolvendo impostos vem desde o big bang. Ninguém gosta de pagar impostos. Daí, por consequência, emergir a tinhosa da sonegação. Esta, um “pecado” realmente universal. Mais do que a masturbação. 

    Empresários reclamarem de impostos é tão novidade como as marés. Mesmo que os danados não passem de reles repassadores do que nós, consumidores, pagamos quando compramos mercadorias. 

    E por falar em “nós”, são as  classes média baixa, pobres e arremediados os que – proporcionalmente –  mais pagam impostos. O que só causa “cosca” a eles, a “nós”, arranha, rasga a carne e quebra os ossos. Imaginem se os filhos do Roberto Marinho, o Abilio Diniz, o Walter Faria, o Paulo Lemann, o José Safra, e outros em escala menos, estão preocupados com impostos. Mal comparando, seria o mesmo que este escriba cabisbaixo porque a dose de cana subiu de R$ 0,50 para R$ 1,00. 

    Nessa discussão sobre imposto o foco, ou por ignorância ou por má fé, é só no governo federal. E os estados e municípios? Isoladamente, o imposto maior em volume arrecadado é o malfadado ICMS. Sem falar na sua perversa regressividade. Se o governo fosse do PSDB tenho absoluta certeza que esse “detalhizinho” não seria olvidado(apenas um palpite). 

    O que observo é todos abrirem as bocarras para exigirem mais educação, saúde, segurança, transporte, o diabo a quatro, esquecendo que isso tem um custo. Exigem saúde da Suécia pagando impostos não compatíveis. Hoje esse insumo caminha para um espetacular estrangulamento financeiro na sua gestão. Razões: imersão de novas tecnologias cada vez mais eficientes e CARAS; impasse de caráter “malthusiano”: a população envelhece em proporção geométrica acarretando maiores custos a serem cobertos por receitas que aumentam(quando aumentam) em progressão aritmética; universalização(hoje um milionário pode se socorrer para o SUS em casos singulares,a  exemplo de transplantes e medicamentos para o câncer). 

     

  13. Mesmo para quem pouco sabe sobre tributo seu texto pouco ajuda

     

    Gunter Zibell,

    Também vou expressar ideias que eu acredito, e que não as vi sendo demonstradas, muito embora já li muitas afirmações bem próximas do que eu tenho por crença e sendo expressas por pessoas com conhecimento em especial em economia, finanças e estatísticas que são conhecimentos importantes para entender o sistema tributário e são áreas nas quais eu sou leigo.

    Diferente de você, eu não acredito que eu venha a mudar de opinião. O que eu penso sobre o sistema tributário brasileiro é algo que eu tenho dito há mais de trinta anos, considerando que houve pouca mudança com a Constituição de 1988, e as leituras que eu fiz desde então apenas confirmam as minhas crenças.

    Dizer que não se acredita que os níveis de sonegação fiscal no Brasil sejam elevados é uma afirmação frouxa. O que é elevado? É preciso ser mais assertivo. Eu diria pelo que eu já li e compreendo da sonegação que não há espaço para a sonegação ser superior a 1% do PIB. Aliás, tudo que se disser sobre sonegação pode ser dito sobre corrupção. Assim, para dimensionar a sonegação é preciso primeiro a bem definir. Não se está chamando de sonegação apenas aquilo que a legislação penal tributária trata como crime, nem se considera o planejamento tributário lícito como sonegação. Do mesmo modo para dimensionar corrupção é preciso primeiro a bem definir.

    Um aspecto interessante da sonegação e da corrupção é que a esquerda tende a superdimensionar a sonegação, pois ela seria praticada pelos empresários e os milionários e a direita tende a superdimensionar a corrupção porque ela é fruto de um Estado carcomido. Alguém com um bom conhecimento de orçamento público, e de estatística vai chegar, a respeito da corrupção, à mesma conclusão que eu expressei sobre a sonegação, ou seja, de que é impossível, em um país como o Brasil, de a corrupção ultrapassar mais de 1% do PIB. Vale aqui lembrar o post “Nunca se roubou tão pouco, por Ricardo Semler” de sexta-feira, 21/11/2014 às 11:51, aqui no blog de Luis Nassif e originado de sugestão de Pedro Penido dos Anjos para o artigo de Ricardo Semler na Folha de S. Paulo intitulado “Nunca se roubou tão pouco” e que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/nunca-se-roubou-tao-pouco-por-ricardo-semler

    Considero o Ricardo Semler um amador nesta questão de corrupção, mas há a seguinte frase dele no artigo que tenta apresentar um dimensionamento sobre a corrupção no Brasil. Diz ele lá:

    “A turma global que monitora a corrupção estima que 0,8% do PIB brasileiro é roubado”.

    Não levo muito a sério essas agências globais, mas o percentual não me parece longe da realidade.

    Concordo com o você sobre o viés arrecadador no Brasil. No Brasil, o Estado sempre foi grande. É uma necessidade. A origem está na desigualdade que sempre existiu no Brasil e que permitiu consolidar uma classe social espalhada nas capitais e muito rica. Esta classe muito rica levou o país a cumprir a Lei de Wagner que diz:

    “à medida que cresce o nível de renda “per capita” em países submetidos a um processo de industrialização, a participação relativa do setor público na economia desses países cresce sempre a taxas mais elevadas”.

    Na verdade, em minha avaliação a Lei de Wagner escamoteia uma verdade da economia capitalista e que é que para crescer é preciso de mais gastos públicos e como mais gastos públicos gera mais inflação é preciso aumentar a carga tributária. Então uma tendência natural do sistema capitalista é a necessidade de aumento da carga tributária.

    Não é esse, entretanto, a lógica do entendimento de Adolphe Wagner. Para ele à medida que a renda per capita aumenta as pessoas passam a exigir mais serviços públicos e mais serviços públicos de qualidade e assim os gastos públicos aumentam. Ou seja, para o economista Adolphe Wagner primeiro vem o crescimento da economia para depois vir o aumento dos gastos públicos.

    A Lei de Wagner é da década de 90 do século XIX. Ela é, entretanto, muito atual. Como eu gosto de dizer, os manifestantes de junho de 2013 apenas reivindicavam a aceitação pelo Estado brasileiro da Lei de Wagner. As manifestações de junho de 2013 representam uma reivindicação recente, exatamente quando diminui a desigualdade e, portanto, a reivindicação não era dos ricos, mas da classe média que ascendia. A reivindicação dos ricos, isto é, da classe média que domina o Estado brasileiro, é mais antiga.

    Lá atrás, à medida que se aumentava a desigualdade e a classe rica ficava mais rica por dispor de todos os meios de produção e controlar o Estado, ela passava a exigir mais do Estado que se mostrava generoso em a atender. Não é por outra que até o advento do golpe de 64, as melhores escolas de ensino até a Universidade eram públicas. Em Belo Horizonte, o Colégio Estadual era a melhor escolha de Minas Gerais. Principalmente por isso que sempre foram altos os gastos públicos no Brasil.

    Com o golpe de 64 a carga tributária que ficava em torno de 16 a 18% do PIB passou para 24% do PIB, chegando a 27% com Geisel, mas Delfim Netto como um bom representante do empresariado paulista houve por bem a reduzir para 24% do PIB no final do governo de João Figueiredo.

    A mim não soou bem a sua referência ao aumento da carga tributária durante o que você chamou de gestão FHC. Sim houve o aumento naquele período nos valores que você expressou, mas considerando que FHC nunca foi a favor do aumento da carga tributária a frase fica um tanto enganadora. FHC defendia o Imposto sobre Grandes Fortunas como demagogo que sempre foi por saber que o imposto nunca seria instituído, se instituído nunca seria cobrado, se cobrado nunca seria pago, se pago o valor nunca seria alto, se alto o valor seria repassado e se não fosse possível repassá-lo o dono da grande fortuna fugiria do país. Não se pode esquecer que na eleição de 1994 ele se comprometeu na propaganda eleitoral em reduzir os impostos.

    O aumento da carga tributária no período que você chama de gestão FHC foi obra essencialmente de G. Henrique Barroso F. que havia elaborado a tese em que demonstrava que só se acabara com as hiperinflações na Europa Central na década de 30 do século XX quando se aumentou a receita. E o aumento da nossa carga tributária foi quase todo ele centrado no período de 1993 a 1998, sendo que o aumento de 1998 ocorreu no final do ano e portanto só em 1999 quando, G. Henrique Barroso F., já não fazia parte do governo é que o aumento da carga de 1998 veio expressar.

    Não se pode esquecer que FHC foi líder do Congresso (Um cargo que Tancredo Neves inventou para saciar a vaidade de FHC) no governo de José Sarney, quando a carga tributária caiu dos 24% do final do governo de João Figueiredo para 22%. Foi Collor quem conseguiu aumentar a carga tributária de 22 para 25% do PIB. De todo modo a minha crítica a você é só pelo modo um tanto superficial de falar sobre a gestão de FHC, mas eu não canso de dar os méritos tanto a Fernando Collor de Mello pelo aumento da Carga Tributária de 22% para 25%, como a Itamar Franco (em razão de G. Henrique Barroso F.) pelo aumento de 25% para 28% como a Fernando Henrique Cardoso quando a carga tributária saiu de 28 e foi até 32%. Eu dizia 32% sem fazer nenhuma consulta para conceder que no governo do presidente Lula houve aumento de 1 a 2%. Hoje, entretanto, eu fico mais com o seu número de 33% como sendo o teto que a carga tributária alcançou no final do governo de FHC.

    Recentemente eu vi uma entrevista de Laurence Pih ao jornal Folha de S. Paulo que me fez voltar a pesquisar sobre a carga tributária. Com o título “Modelo de Lula e Dilma está errado, diz empresário que apoiava PT”, a Folha de S. Paulo publicou na segunda-feira, 05/10/2015, entrevista de Lawrence Pih em que ele diz:

    “carga tributária, que nos últimos anos do governo FGC estava em torno de 28% ou 29% do PIB, hoje está em 36% ou 37%”.

    Bem, a entrevista pode ser vista no seguinte endereço:

    http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/10/1690185-modelo-de-lula-e-dilma-esta-errado-diz-empresario-que-apoiava-pt.shtml

    Eu considero como uma total irresponsabilidade de um jornal publicar uma entrevista e não trazer na mesma página desmentidos ou mesmo confirmação de números informados pelo entrevistado, independentemente de o entrevistado ter apresentado os dados de boa ou de má-fé. De todo modo, fiz consulta no Google e encontrei os Slides de apresentação de palestra de Roberto Name Ribeiro na Coordenação – Geral de Política Tributária da Secretaria da Receita Federal intitulada “Carga Tributária” e elaborada em junho de 2005, para II Seminário de Política Tributária e que pode ser visto no seguinte endereço:

    http://www.receita.fazenda.gov.br/Publico/estudotributarios/Eventos/SeminarioII/P02CargaTributaira.pdf

    Os dados que lá constam para os anos de 1999 a 2004 são os seguintes:

    Ano         Carga Tributária:

    1999               31,79

    2000               32,55

    2001               33,96

    2002               35,61

    2003               34,90

    2004               35,91

    Pelos dados apresentados a carga tributária no governo de FHC chegou em um patamar acima dos 33%. Na verdade teria chegado a 35,61%. Vou pedir algum conhecido assinante da Folha de S. Paulo para fazer um comentário junto ao texto mencionando a falha de Lawrence Pih e a colaboração da Folha de S. Paulo em difundir uma informação falsa. De todo modo os dados mostram que houve aumento da carga tributária no segundo governo de FHC quando G. Henrique de Barroso F. não mais servia. Um pouco de explicação foi o aumento do preço de energia bastante tributada para enfrentar o apagão.

    Em relação ao item 3 você também está certo em apontar a nossa alta carga tributária. Faltou, no entanto, fazer duas observações. Ela é alta de um lado porque, como já mencionei anteriormente, o Estado brasileiro sempre foi dominado pelas nossas elites que com alta renda per capita demandavam por serviços públicos de boa qualidade. E ao mesmo tempo a carga tributária é alta porque o nosso sistema é um dos mais modernos do mundo e consegue esta proeza em arrecadar em um país pobre e extremamente desigual uma carga tributária tão alta.

    Faço um senão por você trazer a discussão da carga tributária sem uma atenção maior para as comparações. Os Estados Unidos, sem dúvida, têm uma carga tributária baixa, embora em valores absolutos seja superior quase 3 vezes a segunda maior que provavelmente é a da China, salvo se você considerar a comunidade europeia como um só país. O mais importante é entender que os Estados Unidos sempre devem ser visto como um país à parte porque eles têm o monopólio de impressão do dólar. O México deixa muito a desejar na prestação de serviço público e a carga tributária da Argentina não tem sido bem informada aqui na nossa terra. Já li no Valor Econômico que ela seria maior do que 35%, mas vejo na carga tributária da Argentina o inconveniente de ser ancorada na elevada tributação sobre as exportações de commodities o que cria problemas quando os preços das commodities estão em queda (A tributação das exportações deve ser flexível e os recursos arrecadados deveriam ser utilizado mais para comprar reservas para serem utilizadas nos tempos de vacas magras).

    Concordo com você sobre o item 4, sobre a pouca perspectiva para a tributação progressiva no Brasil, tanto considerando o potencial de arrecadação como considerando a dificuldade política de se implementar a progressividade, mas faço duas observações. Qualquer recurso arrecadado é bem-vindo, desde que o custo de arrecadação não seja superior ao que se arrecada. Ainda assim, essa regra de eficiência pode ser questionada.

    Suponhamos que a CPMF dificulte a captação de recursos no mercado pelo Banco Central e ele tenha que aumentar o juro. Suponhamos que a dívida pública esteja toda atrelada a Selic e que com o aumento da Selic o gasto com juro na rolagem da dívida pública seja maior do que o arrecadado. Será que, sabendo que o aumento da despesa com a rolagem da dívida em decorrência da CPMF venha, de certo modo, a consumir toda a arrecadação que a CPMF produza, haja ai razão suficiente para não utilizar a CPMF?

    Bem, primeiro gasto maior significa déficit público e este não é tão mal como se apregoa, afinal Thomas Malthus já defendia, “em 1820, a ideia de que era necessário aumentar os gastos públicos para estimular a demanda agregada e o crescimento econômico”. Aliás esta informação sobre Thomas Malthus, eu deveria ter incluído na discussão sobre a Lei de Wagner, como fez o José Oswaldo Cândido Júnior no texto “Os gastos públicos no Brasil são produtivos?” e de onde eu tirei a referência a Thomas Malthus e que pode ser visto no seguinte endereço:

    http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/viewFile/77/88

    Então não deve ser visto como um grande problema você aumentar os gastos públicos e mesmo que não seja na mesma intensidade, você aumentar a arrecadação.

    O segundo ponto que eu gostaria de chamar atenção é que quem defende valores de humanidade deve, em relação à arrecadação, mesmo que não se arrecade de modo eficiente ou mesmo que a arrecadação não venha oferecer recursos em quantidade satisfatória defender a progressividade do sistema tributário.

    E digo mais mesmo que se demonstre que um sistema tributário concebido para ser progressivo se demonstre regressivo, ou seja, avaliado ex-ante, o sistema tributário estabelecido foi considerado progressivo, mas ex-post a avaliação do resultado configurou-se a regressividade do sistema, a progressividade deve ser buscada. Deve ser buscada porque a progressividade é um valor de humanidade.

    Vou dar um outro exemplo para que o que eu acabei de dizer possa ser mais bem compreendido e de certo modo aceito. Se for provado que a condenação à morte é economicamente mais eficiente e é também mais eficiente no combate à criminalidade talvez não se devesse recorrer a pena de morte porque a pena de morte é uma desvalorização da vida. Desvalorizar a vida é perder a humanidade. Mortos, nós somos pó, terra, matéria. Só somos humanos enquanto vivemos. Se o Estado estabelece a pena de morte ele, o Estado, desvaloriza a vida. A vida é um valor que devemos preservar.

    Aqui cabe lembrar um grande erro da esquerda e que é a luta que a esquerda faz pela descriminalização do aborto. O aborto de certo modo é desvalorizar a vida. Talvez o que fosse mais adequado fosse recorrer a uma definição científica da vida que estabelecesse que só após a 15ª semana de gravidez haveria vida e que, portanto, a eliminação de um ovo com cinco, dez, doze semanas de gestação não configuraria aborto.

    E em relação a progressividade, a esquerda deve compreender que pelo dinamismo do sistema capitalista expresso no que eu denomino princípio da transmissibilidade da tributação pode ocorrer de um sistema idealizado como progressivo se transforme em regressivo enquanto um regressivo se transforme em progressivo. Compreender essas dificuldades que a progressividade apresenta, tais como pouco eficiência e perda do caráter progressivo diante do dinamismo do sistema capitalista dá a esquerda melhores condições de lutar pela progressividade não porque vai conseguir arrecadar mais ou porque se vai tornar o sistema mais justo, mas sim porque o sistema vai transparecer mais humanidade.

    De qualquer modo, um bom texto para defender a progressividade é o post “Ben Bernanke Endorses A 73 Percent Tax Rate” de segunda-feira, 03/06/2013 às 02:12 pm de autoria de Paul Krugman e que pode ser visto no seguinte endereço:

    http://krugman.blogs.nytimes.com/2013/06/03/ben-bernanke-endorses-a-73-percent-tax-rate/?_r=0

    No texto Paul Krugman defende a progressividade do imposto de renda com alíquota por muitos considerada impossível utilizando da visão de John Rawls sobre a justiça impregnada do princípio do “véu de ignorância” em que as pessoas se não soubessem de antemão os dons com os quais nasceria e as condições da sua família escolheria nascer em um lugar submetido a uma visão de justiça e de igualdade e de humanidade e não o lugar onde tais valores não fossem respeitados.

    O item 5, em que você procura analisar sobre as costas de quem recai a tributação parece-me muito frágil. Não me parece ser próprio de alguém com o seu conhecimento de sociologia e de estatística. A análise ex-ante precisaria ter sido mais bem fundamenta. Por exemplo, dividindo a população em percentis por renda, você informaria qual o percentual da carga tributária que incidiria sobvre a renda dos 50% com menor renda. E dentro de cada percentil você estimaria qual seria a carga tributária ou a percentagem da carga tributária que aquele grupo suportaria. É claro que tudo isso seria só uma tendência com grau bem precário de precisão. De todo modo, uma idealização assim, dado o caráter dinâmico do capitalismo e do princípio que eu denomino transmissibilidade do tributo, nada nos informa sobre como efetivamente recai a tributação sobre as classes de renda.

    É claro que o pobre que não tem água encanada, não tem telefone e não tem energia elétrica em casa ou no barraco paga muito menos impostos do que o rico com todas essas obrigações, principalmente se ele não beber cerveja e o rico beber. Daí, entretanto, alegar que a classe média não é subtributada não me parece informação fundamentada.

    Aliás o item 5 é frágil também até pela redação. Em meu entendimento não faz nenhum sentido você não considerar que a Classe Média seja subtributada e depois afirmar:

    “ mas o fato é que setores expressivos da população não confiam no Estado como provedor de serviços essenciais. E o Estado, ao invés de buscar obter essa credibilidade, dá-se por satisfeito em não tributar mais a renda da CM”.

    Para obter credibilidade o Estado tem que fornecer mais e melhores serviços, ou seja, o Estado precisa arrecadar mais. E como fazer isso se para você a classe média não é subtributada?

    E ao transcrever a sua frase em meu entendimento mal redigida eu achei mais adequado retirar a última frase em que você dizia:

    “que, no entanto, [o Estado] tem consciência da dificuldade de lhe [à classe média] fornecer serviços”.

    Retirei a frase não só porque a considerei mal redigida, mas também porque falar em consciência do Estado é algo que pesa muito contra a sua argumentação.

    O item 6 trata mais da sociedade brasileira do que propriamente da reforma tributária. O ideário de reforma é fruto de atraso em que vive a maioria a respeito do nosso sistema tributário. Um mínimo de conhecimento leva qualquer um a concluir que o Brasil possui um dos mais modernos sistemas tributários do mundo.

    Talvez haja um só problema no nosso sistema tributário e que é a Substituição Tributária no ICMS. Há também a comprometer a qualidade do ICMS a presença das diferenças de alíquotas nas operações interestaduais. Todos os dois problemas são de fácil solução. A substituição tributária deveria ser extinta (a existir que fosse só para produtos específicos como a telecomunicação, energia elétrica e combustíveis) de modo que o ICMS voltasse a se caracterizar pelas especificidades de ser um imposto de mercado (Não é uma norma que define quanto é a base de cálculo, mas o mercado), pela generalidade (atingindo todos os setores e produtos da economia), pela uniformidade (não existindo diferentes alíquotas) e o manter na íntegra como imposto de valor agregado. As diferentes alíquotas nas operações interestaduais poderia ser substituída por um fundo que asseguraria recursos para os estados membros mais pobres.

    E não vejo sentido em um sociólogo dizer que a sociedade brasileira “coxinhizou”. O que pode ser dito é que a classe média que sempre foi classe média no Brasil embora antes fosse classe média sozinha e agora parece contar com mais companhia assumiu valores da classe média de direita, ou ficou semelhante a classe média americana que apoia o Partido Republicano. Só que esta classe média é uma fração da sociedade brasileira.

    De todo modo, o grupo que participou das duas manifestações deste ano precisa ser mais bem analisado. A primeira manifestação foi mais coesa, pois se expressava na vozes dos locutores da Globo “contra o PT, contra Dilma e contra a corrupção”. Na época eu dizia para os meus amigos que eu resolvera retomar um antigo argumento meu da década de 80 e passaria a ficar a favor da corrupção, pois assim eu deixava de ficar do lado dos corruptos e corruptores, ambos, como os manifestantes e todo o restante da população brasileira, contrários a corrupção.

    Apesar de certa semelhança na conduta dos manifestantes deste ano, deve existir alguma diferença entre eles porque o discurso de acusar o governo do PT de desejarem implantar o comunismo, e de bolivarianismo, como alguns representantes daquelas manifestações se expressam, é de uma pobreza intelectual que beira a miséria. Aquela multidão não pode ser assim tão pobre de espírito.

    Se coxinhizar significa individualizar-se e não querer a construção de uma sociedade mais justa e mais igualitária, eu acredito que haja um bom percentual da população brasileira nesse grupo, mas algo que não passa de 15 a 20% se dela for excluída o grupo de fascista que existe em qualquer sociedade com representantes tanto na sociedade mais afluente como nas camadas mais pobres. E por fascismo eu não me refiro à defesa dos militares, mas ao que que eu chamo de fascismo de pequenas causas e representado por idéias de resolver problemas na base da violência, da indiferença com os mais fracos, da discriminação para com idéias diferentes. Não me refiro quando falo do fascismo de pequenas causas ao fascismo intelectual italiano que diz mais respeito à concepção de um Estado forte, embora este Estado forte esteja mais ancorado no uso da violência do que no aumento da carga tributária.

    Se coxinhizar significa dar mais atenção ao conteúdo dos gastos públicos e a forma como os gastos públicos são executados, essa preocupação é saudável e não vejo razão de chamar isso de coxinhizar. Quem importa com os gastos necessariamente vai importar com a arrecadação e importar com a arrecadação só leva a defender o aumento da tributação. Durante a crise de 2008, eu, relembrando dois editoriais da década de 90, um da revista The Economist e outro do jornal Financial Times em que se alegava que após tanto tempo a despesa pública havia aumentado de 1%, no editorial da revista The Economist de provavelmente 1992 e referindo-se aos últimos dez anos, e de 0,5%, no editorial do jornal Financial Times provavelmente em 1996 e referindo-se aos últimos cinco anos, então eu dizia que na década de vinte do século atual haverá um incremento da carga tributária no mundo em cerca de 2% percentuais quando se considera o final do século XX. Talvez a China e Índia por terem a carga tributária muito baixa e terem um crescimento elevado do PIB, acaba inviabilizando que o meu prognóstico dê certo. Agora retirando os dois países bem provavelmente minha previsão venha a acontecer.

    No final do item 6 você fala em reforma administrativa. Algo bem fora da realidade. Nos gastos públicos um problema que temos é que quase todo o alto escalão da Administração Pública brasileira é exercido pela classe média mais afluente. Ela sempre vai querer ganhar muito mais que o restante da população brasileira. Então até que tenhamos a educação superior bem espraiada no Brasil essa situação não vai mudar e os gastos com funcionário público serão elevados, mas não tanto elevados que uma desvalorização da moeda não possa corrigir quando se compara com outros países.

    E outro problema é a questão da aposentadoria. Provavelmente ao se elevar a aposentadoria do meio rural para 65 anos e aumentar de 35 para 40 anos o tempo de serviço para aposentadoria e de 60 para 65 anos a idade da aposentadoria do setor público se possa dar mais eficiência aos gastos públicos e sem que esta maior eficiência comprometa o princípio de justiça, algo que dado ao inerente conflito entre a eficiência e a justiça nem sempre é possível concretizar.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 24/10/2015

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