Indicadores revelam violência ocultada pela brutalidade na Maré

Indicadores revelam violência ocultada pela brutalidade na Maré

“É necessário que outros aspectos da pobreza e da violência sejam observados após a ocupação do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Visibilizados através das pesquisas e indicadores sociais, na maioria das vezes são imperceptíveis até mesmo ao segmento mais atingido: as mulheres (66 mil, segundo Censo de 2010). Os números descortinam a história do que acontece dentro de quatro paredes – violência doméstica – ocultada pela brutalidade das ruas, becos e vielas do bairro. “

Por: Maria do Rosário Amaral*

Elas correspondiam a 70% dos arrimos de família do Complexo da Maré identificadas pelo Censo 2000, que olhando pelo lado positivo, representa a inserção do gênero feminino no mercado de trabalho nesta comunidade. De acordo com pesquisa realizada pelo IBGE baseada naquele ano, “elas são a maioria no país, têm vida média mais elevada que os homens e assumem cada vez mais o comando da família”. E sentencia: “a nova mulher desempenha um papel cada vez mais importante na sociedade”.

A despeito da “importância social” desempenhada pela mulher brasileira; no caso do Complexo da Maré, quando cruzamos outros indicadores referentes ao gênero feminino, é possível observar os resultados da violência e pobreza de maneira mais evidente.

O censo de 2010 apontou os indicadores sociais (saúde, educação, raça, mortalidade infantil), através dos caracteres da pobreza, como constituintes preponderantes na construção de uma história de violência e miséria revelada desde o início das primeiras aglomerações nessa região de mangue da Zona Norte do Município do Rio de Janeiro. Os crimes sexuais (estupro e atentado violento ao pudor) por cem mil habitantes, por local de ocorrência (ISP/Seseg) na Maré, tiveram uma curva crescente: em 2007 foi (11,10), em 2008 (15,79) e 2009 (20,06). Enquanto que do Morro do Alemão foi de (14,55) em 2009. No entanto a violência, em especial a de gênero, ainda está longe de ser monitorada adequadamente. 

O Dossiê Mulher 2011 fala sobre algumas dificuldades que os pesquisadores têm para tipificar a violência doméstica contra a mulher: a ausência de denúncias feitas pelas vítimas, ou o despreparo dos profissionais para diferenciarem um acidente de uma violência acabam negligenciando o atendimento e monitoramento de muitas ocorrências. Apesar dessas situações adversas, de acordo com o Dossiê Mulher, é possível afirmar que o estupro seja, dentre os indicadores, aquele que mais evidencia casos de violência de gênero. 

Para o Ministério da Saúde, “violência consiste em ações humanas individuais, de grupos, de classes, de nações que ocasionam a morte de seres humanos ou afetam sua integridade e sua saúde física, moral, mental ou espiritual”. (BRASIL, 2001).

“Acidente é um evento não intencional e evitável, causador de lesões físicas e/ou emocionais no âmbito doméstico e em outros espaços sociais, como o do trabalho, o do trânsito, o de esportes e lazer, dentre outros”. (BRASIL, 2001).

O discernimento, destes dois conceitos (violência e acidente), representa mudança de qualidade na identificação das causas de mortalidade por acidente e violência no país. 

Baixa escolaridade e precoce maternidade é preocupação de saúde pública

Eram do Complexo da Maré as 12 crianças, dentre as 341 nascidas de mães analfabetas com idade entre 10 e 14 anos, do Rio de Janeiro no ano 2009, de acordo com o IBGE. Elas representavam o percentual (3,67%) das ocorrências de analfabetismo no município. A gestação na adolescência (maioria não planejada) é considerada problema mundial de saúde pública, porque incide principalmente no perfil social mais carente e de baixa escolaridade. 

De acordo com o Ministério da Saúde, a precocidade da maternidade ao associar-se à pobreza, à baixa escolaridade e aos piores resultados perinatais tem sido também um fator de preocupação de saúde pública. 

O nível de escolaridade das mulheres da Maré é dos mais baixos dentre os bairros do Rio de Janeiro. Com (4,43%), no que se refere aos anos de estudos, apenas perdem para Grumari 4,33% e Complexo do Alemão 4,13%, conforme Censo de 2000. Esses índices demonstram distanciamento na formação e qualificação profissional, necessários para que as mulheres da Maré atinjam melhores salários e, por conseguinte, vida melhor.

A Violência estava dentro de casa

De acordo com a análise do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro para os casos de tentativa de homicídios, “pode-se vislumbrar a possibilidade” de que eles estes estejam “inseridos num contexto de violência doméstica e família” porque “42,6% das vítimas conheciam os acusados e 31,0% dos acusados eram companheiros ou ex-companheiros das ameaçadas”. 

Nas tentativas de homicídio em 2010 62,4% das agredidas tinham faixa etária entre 18 e 44 anos e 53,7% das mulheres ameaçadas eram pardas ou pretas. Por sua vez, quando se observa esse tipo de violência por cem mil habitantes, por local de moradia na Maré. Em 2006 a taxa foi de 29,46%; em 2007 30,75%, em 2008 36,01%, em 2009 19,78%. Enquanto que no Morro do Alemão foi de 9,66% em 2009; na Rocinha a taxa foi 5,81%. Fica evidente que a violência está também associada às condições sociais, pois na Lagoa, bairro de classe média alta do Rio de Janeiro, apresentou baixo índice 1,89% e a Ilha de Paquetá, zero de incidência. No entanto, a violência contra a mulher brasileira está associada às contradições históricas marcadas pela desigualdade econômica tendo como fio condutor a herança de uma colonização patriarcal e escravocrata. 

 

É Jornalista  com pós-graduação em “Impacto da Violência na Saúde” EAD-Ensp/Fiocruz e pós-graduação MBA em “Jornalismo Investigativo Realidade Brasileira FGV-RIO.

Redação

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