Futebol pelado

Um olhar sobre a Copa. 

Minha mulher de vez em quando aparece com umas perguntas capciosas sobre futebol. Eu sempre respondo. A última foi esta:

– Quantas bolas de reserva existem em uma partida de futebol?

Pergunta criativa. Como sempre, respondi sem pestanejar:

– Oito.

É claro que eu não sabia a resposta. Acho até que exagerei. Praticamente não acompanho futebol. Ela me olhou. Eu procurava manter um aspecto compenetrado e confiável. Ela me olhou mais um pouco e, como se diz no jogo de pôquer, eu pisquei. Acho que meus olhos riram.

– Você não sabe nada de futebol – disse ela, numa risada.

A gente ri com essas bobagens. Quando ela me pergunta a escalação do time que surge na tela da TV, qualquer que seja, eu imediatamente respondo: Leão, Eurico, Luís Pereira, Alfredo e Zeca, Dudu e Ademir da Guia, Edu, Leivinha, César e Nei. Se perguntam qual o meu time, digo que sou um palmeirense amarelo. Não sinto dor quando o Palmeiras perde. Tornei-me indiferente à paixão do futebol.

Agora, se é jogo do Brasil, ainda mais numa Copa do Mundo bonita como essa, não dá pra permanecer indiferente. Eu torço mesmo, fico tenso. Acompanhei vários jogos, atraído pelas imagens em câmera lenta, pela beleza dos estádios, pelos gols. Um taxista me disse que sua esposa, antes alheia – e avessa – ao futebol, passou a discutir com ele jogadas de impedimento.

Eu queria que o Brasil ganhasse, mas perdemos por 7 a 1. Uma lavada. Já absorvi a derrota, sem maiores problemas. Não vou mastigar esse chiclete amargo até o fim dos tempos, como sugere o Galvão. Estou satisfeito com uma lição que tirei dessa derrota: temos poesia, mas os poetas são instáveis; precisamos aprender um pouco mais de engenharia.

Queria que o Brasil ganhasse, menos pelo futebol e mais pelo ânimo das pessoas. Queria ver as pessoas mais confiantes. Já fez um ano que o humor do país mudou, ficou cinzento. Uma longa véspera de eleição, uma saraivada de notícias ruins, especialmente selecionadas para fins políticos. Queria ver as pessoas mais felizes. Não falo aqui de pão e circo. Falo de soprar o azedume e a raiva que se espalharam no ar. Abrir espaço para um compromisso de boa fé com o futuro da nossa nação. Nação de verdade, não apenas o símbolo, a seleção canarinho, o hino, mas nossa enorme comunidade, com sua história, seus desafios e suas esperanças.

Perdemos feio, mas realizamos uma festa bonita. Tudo funcionou bem, brasileiros e turistas estrangeiros se divertiram até rasgar. (Escrevo no pretérito, como se a Copa já tivesse acabado, mas ainda vamos enfrentar a Holanda pelo terceiro lugar). No jargão publicitário, vendemos imagem em larga escala nesta Copa. O mundo nos observou, bilhões de telespectadores passaram a nos conhecer melhor. Ficaram curiosos para visitar nossas belezas e desfrutar da nossa amabilidade. Sim, ela existe, experimente bater no ombro de um francês para saber a diferença. Todo mundo está vidrado na Copa. Rolou até uma síndrome de abstinência nos dias sem jogos. Feitas as contas, receitas menos despesas, ganhamos dinheiro. É só pesquisar. Não se constatou superfaturamento dos estádios, pelo menos por enquanto. A falcatrua que mais chamou a atenção, diga-se de passagem, só envolve figurinhas estrangeiras (a Fifa é f.). De quebra, tivemos algumas melhorias de infraestrutura.

Nos outros países, o clima da Copa é de admiração. Entrei em alguns fóruns de discussão da Inglaterra sobre a Copa. O que se fala do Brasil no velho mundo? O europeu vai substituindo aquele seu eterno desprezo blasé por uma pontinha de inveja da nossa suposta aptidão para sorver a vida. Eles chamam isso de “savoir-vivre”, imitando os franceses. Não sei se temos esse tal de “savoir-vivre”, mas somos bem diferentes e temos bastante a trocar um com o outro. Que venham os turistas, portanto. Não é todo mundo que pode viajar e aprender ou ensinar lá fora. Vimos os japoneses recolhendo a sujeira que deixaram no estádio. Deu o que pensar, né?

Tornou-se lugar comum dizer que, para os brasileiros, o futebol é uma religião. Olhando por este ângulo, penso que vamos experimentar uma mudança benéfica depois desse penoso revés. Passaremos por uma guinada imaterial. Uma coça de 7 a 1 parece irreal, é uma pilhéria. Não dá para levar a sério. Nosso deus-futebol entrou em curto-circuito por alguns minutos. E deuses não entram em pane, a não ser por manifestação de sua própria onipotência. O deus-futebol surgiu de pijamas à porta, os cabelos em desalinho, sem charme. Perdeu a divindade. É bom que o nosso futebol perca o seu status divino, que seja posto em seu devido lugar, em devida perspectiva. A partir de agora não é mais deus, já pode se corrigir.

 

Redação

1 Comentário

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  1. Prazer em conhecê-lo.

    Leão, Eurico, Luís Pereira, Alfredo e Zeca, Dudu e Ademir, Edu, Leivinha, César e Nei.

    Além dessa, só memorizei mais uma escalação: Felix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo, Clodoaldo, Gerson e Rivelino, Pelé, Jairzinho e Tostão.

    A primeira recebi de herança do meu pai e a segunda me ensinou que eu era um brasileiro.

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