Dramas do Mar – Memórias das Grandes Navegações Marítimas nas Cheganças de Marujos ou Marujadas

Marujada do Prado-BA

                                                                                                       por Josias Pires

“Ôôôôçaa marujada!
Sentido e atenda a voz de atracar.
Unir distância, atenção.
A voz de atracar é uma voz de sentido.
A voz de sentido é uma voz de execução.
Quero ver uma só pancada que estremeça a embarcação.
De popa a proa, de bordo a bordo, de convés a convés,
Sentido, marujada!”
(NETO, 1987, p.4)

Nestas palavras do mestre Antônio Cardoso, da Chegança de Marujos de Boa Esperança, município de Camaçari – Bahia, ecoam o imaginário das grandes navegações marítimas da época dos descobrimentos. Sons, sentimentos e vivências fundadores do Novo Mundo atravessaram os séculos e continuam ressoando nos espetáculos da Chegança, que ainda hoje são encenados por pescadores e lavradores-marujos de várias cidades brasileiras.

Diante da performance desses homens que brincam de lobos-do-mar – cantando, falando, dramatizando, dançando – nos sentimos embarcados nas naus que atravessaram o “mar tenebroso” nos séculos XV, XVI, XVII e XVIII e seduzidos pelo misterioso poder que tem a arte de nos transportar por novos/velhos tempos/espaços que nos fizeram e nos fazem ser quem somos.

“Navegar é preciso, viver não é preciso”. Este lema sintetizava o destino incerto dos homens que se lançaram ao mar sem horizontes: aventureiros destemidos que enfrentaram tempestades colossais e o medo dos monstros marinhos, e que sofreram com a fome e as doenças durante as viagens de até oito meses entre Portugal e a Índia. Nem toda a precisão de naus aparelhadas com novos instrumentos náuticos era suficiente para evitar a morte, que colheu mais de um terço dos navegantes que traçaram no mar os novos caminhos do Renascimento europeu e que sonharam com uma vida nova.

A celebração artística da aventura marítima dos descobrimentos e da expansão imperial européia pelas terras da América, África e Ásia convergiu para obras monumentais como Os Lusíadas, de Luís de Camões e também para um sem número de obras anôminas, tais como romances cantados, músicas, poemas e dramas diversos, amalgamados com lendas e histórias de naufrágios. Imenso fabulário que se funde com cenas líricas, sentimentais, cômicas e trágicas comuns durante as longas travessias. Tamanha profusão de textos e sons é a matéria prima constitutiva dos espetáculos das Cheganças de Marujos, também conhecidas como Marujadas, Barcas ou Fandangos; e também das Cheganças de Mouros, uma variante que acrescenta às narrativas marítimas o imaginário que vicejou nas batalhas de ibéricos contra mouros – o outro nome dos árabes, que dominaram a península por mais de 700 anos e cujo domínio só acabou em 1492.

Como é possível explicar a permanência, durante séculos, de uma manifestação cultural tão complexa, feita com a aglutinação de variadas linguagens artísticas – música, dança, teatro – desempenhada por gente iletrada, representando histórias que, à primeira vista, nada informam do seu cotidiano, dos seus problemas e dos seus desejos?

De pronto é preciso ter em conta que estamos aqui no território do mito, como de resto é o que ocorre em todo o universo da criação da cultura popular. É possível dizer também que as Marujadas repousam no lastro da tradição das “barcas” imaginárias que vicejaram com todo vigor no fim da Idade Média. E mais: as respostas às nossas inquietações devem nos levar a tentar compreender as motivações para o enraizamento desse espetáculo na localidade em que ele é apresentado tradicionalmente; e, ainda mais, quais os significados que os seus integrantes atribuem ao espetáculo.


Parece não haver dúvidas de que foram as grandes navegações marítimas o fato histórico inspirador das Marujadas. Mas é possível ir além dessa constatação. Arriscamos a dizer que o fundamento mítico das Marujadas deve ser buscado nas recriações artísticas que resultaram das provas de coragem no enfrentamento das tempestades em alto mar e da dolorosa experiência do naufrágio.

E neste caso um dos romances velhos centrais do espetáculo é o da Nau Catarineta, que conta a história de um navio acossado pelas tempestades e que ficou à deriva durante sete anos e um dia no mar. A fome alastrou-se. A tripulação jogou a sorte para saber quem deveria ser sacrificado para alimentar os demais tripulantes. A sorte caiu sobre o capitão. No momento da execução do escolhido, uma visão paralisou os marujos: eles estavam diante de “terras de Espanha e areias de Portugal”. Na praia, diante deles, estavam as três belas filhas do capitão. Este ofereceu uma delas ao gajeiro em troca da sua vida. O gajeiro, uma encarnação do diabo, queria era a Nau Catarineta.

Fragmentos do romance da Nau Catarineta podem ser identificados em muitas Marujadas. Teo Azevedo registrou uma dessas versões que aparece na Marujada de Montes Claros, Minas Gerais: o navio navegava sem rumo certo, a agulha de marear havia desaparecido. Instalou-se uma conflagração no interior da barca. O piloto e o capitão-patrão acusaram o contramestre de responsável pela aflição de todos. O contramestre devolveu a acusação para o capitão-patrão e instigou os marujos à revolta. O calafatinho apontou outros culpados, inclusive o contramestre. Este entrou num duelo de espadas com o capitão-patrão, que terminou mortalmente ferido. Antes do corpo ser jogado no mar, o piloto cobriu-o com a bandeira do Divino Espírito Santo e operou-se um milagre: o capitão-patrão ressuscitou e espalhou-se a alegria na embarcação.

No registro da Chegança de Marujos de Boa Esperança também é possível notar fragmentos do romance da Nau Catarineta; assim como na Chegança de Marujos Fragata Brasileira, de Saubara, documentada para a série Bahia Singular e Plural da TV Educativa da Bahia. Nesta última Marujada, o romance velho foi “partido” em dois episódios dramáticos, denominados localmente de rezingas: a rezinga do calafatinho e a rezinga do contramestre e do piloto – esta apresenta uma narrativa semelhante àquela descrita por Teo Azevedo para a Marujada de Montes Claros. Na Marujada de Boa Esperança o episódio derivado do romance da Nau Catarineta atinge as raias da tragicomédia:

“- Num tô veno nada!…” (PIRES NETO, 1987, p.10) Brada o piloto, bêbado, munido de luneta, divisando o perigo nas nuvens de chumbo que cobrem a embarcação. Os marujos sustentam nos pandeiros o ar de desespero dos tripulantes diante da tempestade. Os calafates avisam, cantando: “Capitão-patrão / olha que tormenta / lá vem uma nuvem / que traz tanto vento” (Ibid., 1987, p.10). O Mestre alerta: “Cuidado seu piloto!”. Este responde, zonzo, perdido:

“- Num tô veno nada!…” (Ibid., 1987, p.10) E canta: “traz tanto vento / que que eu vou fazer / chame por Maria / que é de nos valer” (Ibid., 1987, p.10). Os tripulantes apelam aos santos, como sempre ocorria quando as naus portuguesas eram açoitadas pelas tempestades durante as longas travessias marítimas …

Mário de Andrade vai indicar outros romances velhos que participaram da constituição das Marujadas: Triste Vida do Marujo, Conde da Armada, e Corsário da Índia. À estes romances foram agregados outras composições musicais, dramáticas e literárias que, estruturadas como uma bricolage, vieram dar na rapsódia da chegança tal como conhecemos hoje. Essa técnica foi fartamente utilizada pelos jograis do período medieval e é típica do pensamento mítico, segundo Lévi-Straus.

Romances velhos, como o da Nau Catarineta, nos remetem a um gênero literário que floresceu durante o Renascimento, os relatos de naufrágios. Laura de Mello e Souza aponta o fato de que este tipo de composição literária, o relato de naufrágio, remonta ao velho ciclo dos argonautas que foi atualizado pelos “… relatos de naufrágios portugueses, gênero literário que floresceu nos século XVI e XVII” (SOUZA, 1999, p. 31).

O conhecimento desses relatos nos dá uma outra pista, muito valiosa, para que se possa compreender as referências fundamentais da criação das cheganças de marujos. Carlos Francisco Moura compulsou alguns relatos de náufragos, diários e relações de viagens que registraram atividades performáticas dos marujos embarcados nas naus portuguesas nos séculos XV, XVI, XVII e XVIII. Os marujos costumavam encenar, no interior das naus, em alto mar, durante as longas travessias, representações profanas e sacras que incluíam autos, entremezes, diálogos, comédias, folias, chacotas, além de fazerem festas e procissões religiosas, como as de Corpus Christi e a do Divino Espírito Santo.

Vejamos aqui apenas um dos casos referidos pelo autor supra, que compulsou da Relação da Viagem e Naufrágio da Nau S. Paulo. A embarcação saiu de Portugal em 25 de abril de 1560. Três meses e sete dias depois, ela ultrapassou a linha do Equador. Em 27 de agosto, a tripulação avistou a Baía de Todos os Santos, onde permaneceu quarenta e quatro dias. Em 2 de outubro, a nau partiu rumo à Índia. Em 15 de novembro, os tripulantes avistaram o Cabo da Boa Esperança. No dia 24 de dezembro, aproximaram-se do Cabo de Camorim. No dia de Natal a embarcação foi assaltada pela tempestade.

Observa o cronista da viagem: “Assim que os mares (…) se incharam, e ensoberbeceram de maneira, que pareciam mui altíssimas torres, fazendo uns vales entre onda e onda de tanta baixeza e profundidade, que a cada cair da nau, parecia cair nos abismos, e quererem-na engolir e sorver enfim de todo. Assim que era mui triste e medonha cousa pra ver, e muito miserável para passar, e muito mais aos que entre eles se achavam revoltos; (…) prometendo-lhes as ondas tão furiosas, pela separação de suas almas, serem sepulturas de suas carnes; e sem dúvida que não havia aí nenhum, por mais esforçado que fosse, e por mais que blasonasse, que não se desejasse neste tempo ser um dos mais ínfimos bichos da terra; o que parece pede a cada um sua natureza, desejar tornar à sua mãe antiga a terra de que foi nosso primeiro pai Adão formado” (MOURA, 2000, p. 31).

Pois bem, depois de experimentarem um dia de cão, os homens do mar, aliviados com o fim da tempestade, naquela mesma noite de Natal, foram à forra. “O que passado, passou-se, e acabou-se a memória de tudo; e tudo são folias, pandeiros e zombarias” (Ibid., 2000, p. 32). Continuemos com o cronista: “… até que sobre a noite nos abrandou e abonançou o tempo, e se verificou, e viu bem claro em nós o que já disse; porque de noite houve um auto na tolda com tochas, tão bem representado, e de tão boas figuras, e aparatos, como o pudera ser dentro em Lisboa; com que houve novo prazer; e bem diferente do que todo o dia tivemos da tormenta passada” (Ibid., 2000, p. 32). Note-se que os autos da época (neste caso um Auto de Natal) eram acompanhados de músicas e danças, algumas delas referidas pelo cronistas como chacotas.

Conhecendo os relatos daquelas performances dos marujos em alto mar, percebemos o quanto músicas e cenas interessavam àqueles navegantes. Muitos caminhos se abrem a partir da análise daquele teatro embarcado, inclusive acerca das tensões entre os interesses estritamente religiosos e moralistas dos padres jesuítas e a disposição para folgar e zombar de artistas e marujos das naus portuguesas. No fundo, a verdade, o que acontecia, era a transposição para o palco do mar, daquelas comemorações religiosas e dos divertimentos dos portugueses que costumavam ocorrer em terra.

Podemos pensar que as Cheganças de Marujos tenham sido gestadas na memória daqueles navegantes ou, pelo menos, nasceram como um desdobramento do teatro embarcado. Era tão pungente e extraordinária a experiência das longas travessias pelo mar oceano, que os amantes da música e das danças dramáticas trouxeram dos fatos e experiências das navegações um farto material para elaborar os folguedos marítimos.

Neste ponto, considero ainda possível (e legítimo) traçar conexões entre aquela que pode ser considerada a narrativa fundadora da Marujada, a cena do barco à deriva, do naufrágio, com a imagem da “nau dos insensatos”, que teria emergido como objeto do imaginário do Renascimento. Autores variados passaram a criar obras teatrais ou literárias valendo-se da “composição destas naves, cuja tripulação de heróis imaginários, de modelos éticos ou tipos sociais eram embarcados para uma grande viagem simbólica que lhes trazia fortuna ou, pelo menos, a figura de seu destino ou de sua verdade” (SOUZA, 1999, p. 73).

Inspirados, evidentemente, nas aventuras das grandes navegações, as embarcações, durante o Renascimento, estarão no centro da cena teatral e não apenas como barcas imaginárias. Muitas vezes foram encenadas performances nas quais as embarcações participavam da cena ou até mesmo as cenas se passavam no interior de salas construídas especialmente com o formato de um grande navio.

Foi o que ocorreu, por exemplo, na festa promovida pelo rei de Portugal, D. João II, em 1490, para comemorar o casamento do seu filho, D. Afonso, com a Infanta Isabel, filha dos Reis Católicos. Um cronista da época registrou que o rei mandou construir, valendo-se da técnica de competentes carpinteiros navais, o simulacro de uma nau que possuía 100 m de comprimento, 24,75 m de largura e 23,76 m de altura. Em meio a uma cenografia marítima, com o rei à frente, entraram no grande salão nove batéis grandes e uma nave à vela “metidos em ondas do mar feytos de pano de linho e pintadas de maneira que parecia agoa”, acompanhados de estrondosa “artilharia, toque de trombetas, atabales”, de outros instrumentos musicais e de muita gritaria (MOURA, 2000, p. 16).

Durante as décadas e séculos seguintes generalizou-se o costume de “meter naus em representações teatrais” em Portugal e no além-mar. O padre Fernão Cardim, ao fazer o relato da festa das Onze mil virgens, realizada em Salvador, em outubro de 1584, conta: “Saiu na procissão uma nau à vela por terra, mui formosa, toda embandeirada, cheia de estudantes, e dentro dela iam as onze mil virgens ricamente vestidas, celebrando seu triunfo” (Ibid., 2000, p. 19). Esta nau não serviu apenas para o transporte de tais personagens: “A tarde se celebrou o martírio (das virgens) dentro da mesma nau, desceu uma nuvem dos céus e os mesmos anjos lhe fizeram um devoto enterramento”. Carlos Francisco Moura compulsou outros documentos que revelam a presença de embarcações em peças teatrais em Portugal e no Brasil nos séculos XVII e XVIII. Em vários lugares, inclusive no século XX, as Marujadas eram representadas no interior de uma grande embarcação.

Mário de Andrade vai apontar os fins do século XVIII, como a época em que no Brasil “todas essas danças características tiveram uma floração extraordinária no seio do povo e se normalizaram em suas datas festivas, sobretudo de Natal e de Carnaval e com os santos populares de junho – tempos aliás multisseculares e pagãos de festas …” (ANDRADE, 1982, p.72). Dotado de inegável espírito imaginativo, ele vai atribuir, a algum ou alguns poetas urbanos, brasileiros ou portugueses que viviam na Colônia, a idéia de reunir em uma espécie de suíte, aqueles romances velhos, cenas e músicas conhecidos pela tradição. Tais textos, coletados de fontes orais, viriam a ser escritos e divulgados em formas manuscritas e espalharam-se por meios de “folhetos” pelo interior do Brasil. Assim, acredita Mário de Andrade, teriam se difundido as Marujadas que viajaram também na memória dos migrantes que se deslocavam para a conquista do vasto território nacional.

O nosso escritor e músico modernista defende a tese de que a Chegança de Marujos é uma invenção brasileira, ou consumada no Brasil. Ele assegura que danças dramáticas conhecidas como Chegança de Marujos e Chegança de Mouros, ao menos com estes designativos, nunca foram dançadas em Portugal. No Dicionário da Língua Portuguesa, de 1813, de Antônio de Morais Silva, aparece o seguinte significado para a palavra chegança: “são chistes letrinhas chulas que se cantavam”. Mário de Andrade lembra ainda que, em Portugal, chegança era o nome de uma dança lasciva do século XVIII, que foi, inclusive, proibida.

Estas definições atestam a distância no entendimento do significado da palavra chegança em Portugal e no Brasil. Aqui, chegança é um longo folguedo que narra a epopéia marítima. E assim ela aparece, por exemplo, para Henry Koster, que a registrou em Pernambuco, em 1815. Mário de Andrade levanta a possibilidade de que a palavra chegança, enquanto designativo de folguedo, pode ter sido derivada também das expressões náuticas “chegar” (dobrar as velas quando o navio chega) e “chegada” (o ato de abordar). Como elas têm a mesma raiz de chegança, a etimologia popular, ele sugere, pode ter feito com que o nome da dança pura passasse ao bailado.

A difusão das Marujadas, quanto a isto não deve haver dúvidas, parte do litoral para o interior. Até a década de 50 do século XX, era grande o número de cheganças no Recôncavo Baiano. Elas podiam ser encontradas em Salvador (Itapuã e Ribeira), Santo Amaro, Cachoeira, Maragogipe, Itaparica, Ilha de Maré, Madre de Deus, Ilha dos Frades … E ainda hoje elas permanecem vivas em várias localidades da região.

Matriz Africana – Até agora vimos, basicamente, a contribuição da matriz cultural ou do imaginário ibérico para a formação das marujadas. Isto se deve, fundamentalmente, ao fato de que os poucos registros conhecidos desta manifestação têm explorado quase que tão somente esta vertente. Ora, a experiência das viagens transatlânticas também marcou profundamente (e dolorosamente) as populações que foram arrancadas da África e forçadas a vir para o Brasil escravocrata. Esta experiência também foi transfigurada em músicas e danças (re)criadas pelos africanos e seus descendentes no Novo Mundo. “Evém do mar / evém do mar / povo de Nossa Senhora / evém do mar” (MARTINS, 1997, p.65), cantam os congadeiros de Minas Gerais.

Acredito, pois, que uma análise circunstanciada do espetáculo das marujadas revelará uma importante contribuição de matrizes africanas para a constituição e difusão do folguedo pelo Brasil. Vejamos alguns indícios que sinalizam nesta direção: muitas marujadas têm o São Benedito por padroeiro. Como se sabe, sempre foi cultuado no Brasil por populações negras. Temos aí, portanto, uma conexão explícita entre o folguedo e o imaginário de populações africanas ou afrodescendentes.

Outra indicação surge do fato da reiterada presença do personagem “Marujo” em folguedos e manifestações culturais e religiosas tidas como fundamentalmente construídas por africanos e seus descendentes no Brasil. Penso, por exemplo, nas congadas, que desfilam com uma espécie de ala de marujos. E mais: estrofes cantadas nos Congos aparecem, ligeiramente modificadas, na maioria das marujadas. É o caso desta: “Senhora rainha / chega na janela / venha ver sua guarda / Sá Rainha / eu cheguei com ela” (Ibid., 1997, p.32). Nas marujadas da Bahia, esta estrofe costuma aparecer assim: “Moça baiana / chegue à janela / venha ver os marujos / ó Dolina / que já vai pra guerra” (TVE, vídeo Marujada, 2001).

Vale a pena também rastrear a presença do personagem “Marujo” em manifestações tais como os candomblés de caboclo e naqueles de nação Angola. Jocélio Teles dos Santos assinala que “Marujo” é uma entidade que reúne caracteres de Exu, Caboclo e Egun. É uma espécie de mensageiro que viveu entre índios e negros e faz a ponte entre os mortais e os encantados. É mulherengo e cachaceiro. Neste caso, há uma ponte deste marujo com aquele que aparece nas cenas do piloto bêbado, que é típico das marujadas? Questões como essa deverão ser melhor investigadas para que possamos nos aproximar, de fato, do imaginário popular construído em torno do personagem “Marujo” e das suas marujadas.


Josias Pires Neto – é jornalista, graduado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, documentarista, mestre em artes cênica (UFBA) e doutorando do PPG Cultura e Sociedade (UFBA). Pesquisador, roteirista, produtor e diretor da série de documentários “Bahia Singular e Plural” da TV Educativa da Bahia. Co-dirigiu o doc longa metragem “Cuica de Santo Amaro” (2012) e está concluindo a realização do longa Quilombo Rio dos Macacos. 


Referências Bibliográficas

ANDRADE, Mário de. Danças Dramáticas do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1982. Tomo I.
AZEVEDO, Téo. Cultura Popular no Norte de Minas. São Paulo: Top-Livros, 1979.
LÉVI-STRAUS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Papirus, 1989.
MARTINS, Leda Maria. Afrografias da Memória. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Mazza Edições, 1997.
MARUJADA. Salvador: TVE-Bahia, 2001. 1 vídeocassete (60 min.), VHS, son., color.
MOURA, Carlos Frederico. Teatro a bordo de naus portuguesas. Rio de Janeiro: Instituto Luso-Brasileiro de História / Liceu Literário Português, 2000.
PIRES NETO, Josias. Chegança de Marujos. Camaçari: Secretaria de Cultura, 1987.
SANTOS, Jocélio Teles. O dono da terra – o caboclo nos candomblés da Bahia. Salvador: Sarah Letras, 1995.
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1999

Fontes das imagens: Marujada de Saubara: http://radiosalinasfm.com.br/site/blog/2014/09/30/documentario-produzido-pela-enseada-eterniza-a-tradicao-da-marujada/ 

Marujada do Prado: https://br.pinterest.com/pin/508343876663028976/ 

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador