Hopper e o cinema, por Jota A. Botelho


Pinturas de Hopper: Autorretrato (ca. 1930) e a tela New York Movie (1939, acima)

Por Jota A. Botelho

Edward Hopper (1882-1967) foi considerado um grande cinéfilo como podemos ver em suas pinturas. O artista não só buscou inspiração nos filmes da idade de ouro de Hollywood, nos anos 30 e 40, como também influenciou uma plêiade de cineastas. “Quando eu não estava disposto a pintar, costumava frequentar o cinema uma semana ou mais” – dizia o pintor. Mas antes de desenvolvermos o nosso tema vamos ver e ouvir Hopper sobre os elementos de um quadro, quando ele cita Renoir, e a sua visão do que é a pintura ao compará-la com uma definição de Goethe sobre a literatura, a qual, aliás, vai de encontro com o meu próprio entendimento do que é um verdadeiro artista: ‘o artista é todo aquele que cria o seu próprio mundo e incorpora tudo o que existe fora dele dentro de si. A partir de então, dessa sua compreensão íntima e particular, ele cria a sua própria arte’. Na sequência, uma pequena exposição de algumas telas de Edward Hopper.

https://www.youtube.com/watch?v=AdA9DSbnwLg align:center]

NIGHTHAWKS E O CINE NOIR


O quadro Nighthawks e cenas dos filmes Os Assassinos (1946) e O Fim da Violência (1997)

Abriremos nosso post com a lendária e icônica tela de Hopper, ‘Nighthawks’ (1942),  que pode ter sido inspirada na novela de 1927, The Killers (Os Assassinos) de Ernest Hemingway, em que dois homens armados são responsáveis pelo assassinato de um ex-boxeador – uma história que Robert Siodmak levou para o cinema em 1946. Tal versão não nos parece verdadeira se levarmos em conta o tour que o curador do Whitney Museum of American Art de Nova York, Carter Foster, fez pelos mais variados locais da cidade onde provavelmente Hopper se inspirou para compor o quadro. 

https://www.youtube.com/watch?v=NipJsgYF6uc align:center]

Além do filme acima citado, incluímos um trecho de The End of Violence (O Fim da Violência, 1997), em que Wim Wenders recria em sua obra a cena de ‘Nighthawks’. Wenders, que era um admirador declarado de Hopper, chamava as pinturas do pintor como ‘o início de um filme’ ou ‘uma cena de abertura a partir da qual você poderia construir uma história cinematográfica’. Assim, procuramos recriar o quadro do pintor e o Cine Noir a partir destes dois filmes dos mais representativos para esta obra de Hopper.

(P.S.: caso não abra os vídeos arquive.org, tente várias vezes)

https://www.archive.org/details/OCineNoir align:center]

MOSTRA EM NOVA YORK REÚNE DESENHOS REVELADORES DE EDWARD HOPPER
Leia nesta matéria de O Globo quando ‘Nighthawks’, a lendária pintura de Hopper, foi mostrada pela primeira vez ao lado de vários esboços conhecidos. 


Esboço de Nighthawks (clique p/ampliar) – Divulgação/Heirs of Josephine N. Hopper, licensed by the Whitney Museum of American Art, New York.

https://www.youtube.com/watch?v=jQFVJiYYT5M align:center]

EDWARD HOPPER, O PINTOR CINEMATOGRÁFICO


A tela Night Shadows (Sombras na Noite, 1928) é um verdadeiro ‘quadro de filme’, que retrata um andarilho visto de cima, em que a visão do pintor retrata toda a solidão existencial do personagem refletida em sua própria sombra dentro da noite.

Jules Dassin realizou em 1950 ‘Sombras do Mal’ (Night and The City), onde os elementos do quadro acima estão nitidamente incorporados, como a de um homem percorrendo as ruas escuras de uma cidade.

https://www.youtube.com/watch?v=crLKNVvft_0 align:center]

Edward Hopper foi certamente um dos pintores que mais influenciou o cinema moderno a tal ponto que muitos dos quadros, planos e ou cenas de diversos diretores, dos mais renomados até os principiantes, recorreram nas imagens fantásticas do pintor como áreas despovoadas, mulheres solitárias, luzes solares no litoral, postos de gasolinas em estradas, pontes e janelas abertas de apartamentos entre muitos outros elementos. Várias de suas pinturas são quadros quase perfeitos ou uma composição completa de um plano de um filme.

Provavelmente as técnicas de encenação e preparação do cinema expressionista alemão dos anos 30, que seriam utilizadas nos filmes noir dos anos 40 e 50, podem ter influenciado Hopper a desenvolver seus quadros. O jogo de sombras e contrastes e a construção de imagens altamente geométricas seriam os parâmetros mais óbvios, mas no jogo de correspondências é sempre bom lembrar que é o pintor que está à frente do filme.

                                                     
Hopper e Hitchcock: Psicose, Marnie e Janela Indiscreta (clique p/ampliar)

Alfred Hitchcock afirmava que ‘quando eu olho para uma pintura de Hopper, sempre imagino onde ele tinha colocado a câmera’. E é justamente o mestre do suspense que irá reconstruir, de acordo com seus desejos, ‘House by the Railroad’ (1925) no set de Psicose (1960). Também é possível que em Marnie (1964) Hitchcock estava pensando na tela ‘Office at Night’ (1940), e em Rear Window (1954) onde vimos outra influência de Hopper com seu quadro ‘Night Windows’ (1928).

Naturalmente, nos anos 30 e 40, Hopper vai se deixar fascinar pelo filme noir. Produções como The Lost Weekend de Billy Wilder, The Big Sleep de Howard Hawks ou especialmente The Naked City de Jules Dassin, e ainda They Live by Night de Nicholas Ray, sem dúvida o influenciaram. E, por sua vez, todos esses cineastas foram inspirados por seu trabalho, pois é inegável que, ao longo de sua carreira, Hopper também influenciou profundamente o cinema americano.

George Stevens (Giant, 1956), Terrence Malick (Badlands, 1973) e Sam Mendes (Road To Perdition, 2002) também prestaram homenagens a Hopper em seus filmes. David Lynch é declaradamente próximo de Edward Hopper. O diretor disse que assim como Pollock, Hopper era o seu pintor favorito, e que poderia passar horas na frente de uma tela a fim de capturar os seus mistérios e segredos. Principalmente compartilhar a mesma imagem de fundo ou a imagem de uma ‘pequena cidade americana’ onde a vimos no início de Blue VelvetTwin Peaks ou The Straight Story.

Sobre Pollock, embora citado por Lynch e de ter sido comparado a Edward Hopper mas, no entanto, este artista que acostumava jogar baldes de tintas, cacos de vidros e gravetos de plantas sobre a tela em branco, nunca foi um pintor verdadeiro, penso até que ele mal sabia desenhar. É a tal arte abstrata em oposição a arte figurativa que aliena mais que conscientiza, que produz a última das três coisas mais imensuráveis nesta vida: grãos de areia na praia, estrelas no céu e idiotas no mundo. A autora do livro Quem paga a conta?, Frances Stonor Saunders, o cita textualmente como um patrocionado pela CIA. Não é à toa que temos hoje em dia tantos analfabetos políticos.  


Hopper e Humphrey Bogart e os cineastas H. Ross, T. Malick, W. Allen, J. Jamush e Wenders/Paris, Texas (clique p/ampliar)

Outros cineastas célebres também ajudaram a reconstruir as importantes influências exercidas pelo artista sobre seus processos criativos tais como Jim Jamusch (Broken Flowers), Todd Hayner (Far From Heaven), Michelangelo Antonioni (Deserto Vermelho e O Grito), Brian de Palma (Os Intocáveis), John Huston (The Maltese Falcon), Herbert Ross (Pennies From Heaven), Terrence Malick (Days Of Heaven) dentre vários. Mesmo Woody Allen fez uma homenagem ao pintor em uma cena de Manhattan, 1979, na qual Isaac Davis e Mary Wilke, sentado em um banco na frente do East River, fica observando o horizonte ao olhar em perspectiva para uma ponte de Nova York, onde Hopper baseou o quadro ‘Queensborough Bridge’ (1913). Em uma cena de The Maltese Falcon, 1941, de John Huston, Humphrey Bogart vive, juntamente com personagens obscuros, numa São Francisco cheia de locais muito semelhantes a que foram criados por Hopper. Mas para além dessas adaptações teatrais explícitas e localizações, seria importante realçar sobre o casal sentado em ‘Nighthawks’, no sentido de avaliarmos pelas peças e acessórios estéticos entre o homem de chapéu com um cigarro na mão, com a imagem arquetípica construída por Humphrey Bogart ao longo de seus trabalhos mais notáveis nos filmes noir.

Para demonstrar as influências que o pintor recebeu e deixou para o cinema, apresentamos o documentário sobre Edward Hopper e a presença marcante de seus quadros na arte cinematográfica como se suas imagens fizessem partes de um filme.

[video:https://archive.org/details/OPintorCinematografico align:center

EXPOSIÇÃO EDWARD HOPPER: CINEMA & PINTURA

Pintura Automat, 1927 (clique p/ampliar)

Apresentamos um outro documentário, a exposição de ‘Edward Hopper: Cinema & Pintura’, realizada no Museo Thyssen de Madrid, quando celebrou em 2012 um simpósio internacional com reconhecidos e prestigiados cineastas, diretores de fotografia, historiadores e críticos de arte. 

[video:https://www.archive.org/details/CinemaPintura align:center

TREZE DAS PINTURAS DE EDWARD HOPPER GANHAM VIDA

 
As telas de Hopper em Shirley – Visões da Realidade (clique p/ampliar)

Em 2013, o estreante diretor austríaco Gustav Deutsch deu vida a treze obras do célebre pintor americano Edward Hopper, contando a história de uma mulher cujos pensamentos, emoções e contemplações nos deixam observar períodos marcantes na história dos Estados Unidos ao longo de várias décadas: desde a Grande Depressão, passando pela Segunda Guerra Mundial e a Era Macartista, até a explosão dos Conflitos Raciais.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=MC_SWU6i8hI align:center

O cinema jamais interrompeu a sua fascinação por grandes pintores da história. Muitos deles encontraram nos sentimentos mais delicados e conflituosos a matéria prima para as suas obras. Este perfil, reprisado das maneiras mais diversas em artistas renomados, sempre foi alvo de interesse para a sétima arte, seja em títulos documentais, como os primeiros filmes do cineasta francês Alain Resnais, quanto em obras ficcionais, a exemplo de ‘Pollock’ e ‘Basquiat – Traços de Uma Vida’.

O cineasta austríaco, por trás de ‘Shirley – Visões da Realidade’, Gustav Deutsch, decidiu fazer as coisas de modo inédito ao celebrar na tela grande as pinturas de Edward Hopper. Após selecionar treze obras do pintor, Deutsch as recriou através de ambientes parcialmente reais e um elenco formado por poucos componentes.

Com uma voz suave e uma linguagem corporal a atriz Stephanie Cumming incorpora com excelência a personagem título, o expoente feminino presente em todos os tempos da narrativa. O primeiro deles é uma releitura de ‘Hotel Room’, arte concebida por Edward Hopper em 1931. Assim como na obra original, o filme se encarrega de imprimir em nós as leituras pretendidas: o prazer em contemplar as características do realismo, a beleza do ambiente e a solidão da personagem confinada a ele.

Outros quadros notórios de Edward Hopper são apropriados por Gustav Deutsch como ‘Room in New York’ (1932), ‘New York Movie’ (1939), ‘Office at Night’ (1940) e ‘Intermission’ (1963). No entanto, uma transmissão de rádio é ouvida antes que se revelem, trazendo notícias sobre períodos bem específicos que marcaram o século passado, como a Grande Depressão Americana, a Segunda Guerra Mundial, até o Discurso de Martin Luther King.

Os devaneios da protagonista, representados através de uma narração em off ou com as duas canções esplêndidas de David Sylvian (‘I Should Not Dare’ e ‘Small Metal Gods’), nem sempre formam uma junção adequada com as observações sobre episódios verídicos que ainda repercutem na sociedade contemporânea, talvez pelo destaque que há entre o relacionamento de Shirley com um fotojornalista chamado Stephen (Christoph Bach). De qualquer modo, é o efeito hipnótico causado pelo rigor estético da direção de Gustav Deutsch, da fotografia de Jerzy Palacz e a direção de arte de Hanna Schimek que transformam ‘Shirley – Visões da Realidade’ em uma experiência que dificilmente será repetida em uma obra audiovisual. Falecido em 1967, Edward Hopper recebeu uma bela homenagem que fortalece ainda mais o seu legado.

[video:https://www.archive.org/details/Hooper align:right

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Assista o documentário Edward Hopper e a Tela em Branco, que também pode ser visto aqui com legendas ptbr (pede inscrição).

[video:https://www.youtube.com/watch?v=90V7-VXNrK4 align:right
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Fontes Diversas: 
# Sobre Hopper: 
Edward Hopper House/Edward Hopper/Museum Syndicate/Wikipédia-Eward Hopper/Wikipédia-Nighthawks/Milton Ribeiro – Sul21/Obvious & Links/Edward Hopper/Vermelho Portal

# Blogs & Sites: 
Mental Floss/Effetto Arte/Sul Parnaso/Effetto Note Online/Stile Arte/Karma Films Blog/The GuardianRevista Pupila – Parte 1/Revista Pupila – Parte 2/Wiki Notícia – 1/Wiki Notícia – 2/TCM/Taringa!/Edward Hopper no Thyssen/Museo Thyssen/El País/Circaq/Tiempo
# Shirley: 
Cultura Artes/Tempos Interressantes/Filmow/Cine Resenhas/Tyrannus Melancholicus/LavraPalavra/
Tundras/Shrtcts/The WallBreakers/
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Jota Botelho

3 Comentários

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  1. Dedicatória

    Dedico este post à minha sobrinha que já o comentou na publicação anterior e à Maria Luisa que havia prometido quando da publicação de um continho baseado em Hopper.

  2. Hopper

    “Acho que as telas dele parecem muito objetivas, mas são autorretratos.”

    Sempre me pareceu.

    Não obstante aproximarem Hopper do surrealismo, creio-o mais aproximável da chamada pintura metafísica – de de Chirico e Carrà.

    Mesmo sendo eu um semianalfabeto em pintura, a primeira reprodução que vi de Hopper, instintivamente, lembrou-me a atmosfera dos quadros de de Chirico.

    Hopper, sem o apelo pictórico ao obviamente fantástico, nos mostra o quanto recortes cotidianos – aparentemente banais – podem nos mergulhar num mudo mistério. E, ao mesmo tempo, seus quadros sempre nos sugerem, se não grandes histórias, certamente, pequenos contos.

    O que faz aquele homem sentado ali naquela calçada deserta?

    Por que aquele vagão foi esquecido naquele trecho ermo da estrada de ferro?

    O que esconde aquele bosque sombrio bem próximo daquela lojinha?

    “Shirley – Visões da Realidade” – não apenas o trailer -, durante pouco tempo, esteva disponível no You Tube mas sumiu. Certamente alguém reclamou direitos autorais.

    Uma pena.

    Curioso como dois dos mais famosos pintores estadunidenses do século XX sejam, aparentemente, tão opostos em suas propostas: Edward Hopper e Norman Rockwell.

    Jota A. Botelho, valeu a postagem.

  3. As paródias dos quadros de

    As paródias dos quadros de Hopper costumam ser ótimas, e inocular bom humor e ironia em seu universo melancólico.

     

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