Carta de Jacob do Bandolim para Radamés Gnattali

Carta de Jacob do Bandolim para Radamés Gnattali

por Laura Macedo

Grande foi a tarefa de Jacob do Bandolim ao gravar a histórica suíte Retratos, com regência de Radamés Gnattali, autor da composição. Jacob de Bandolim expressou toda a sua gratidão através de uma carta escrita, em 23 de outubro de 1964, ao maestro Radamés. Confiram abaixo:

 

Meu caro Radamés,

Antes de “Retratos”[1] eu vivia reclamando: “É pre­ciso ensaiar…”. E a coisa ficava por aí: ensaios e mais ensaios.

Hoje minha cantilena é outra: “Mais do que ensaiar, é necessário estudar!”. E estou estudando. Meus rapazes também (o pandeirista já não fala em paradas: “Seu Jacob! O senhor aí quer uma fermata? Avise-me, também, se quer adagio, moderato ou vivace!…” Veja, Radamés, o que você arrumou! É o fim do mundo…

Retratos: valeu estudar e ficar fechado dentro de casa, durante todo o carnaval de 1964, devorando e autopsiando os mínimos detalhes da obra, procurando descobrir a inspiração do autor no emaranhado de notas, linhas e espaços e, assim, não desmerecer a confiança que em mim depositou, em honraria pródiga demais para um tocador de chorinhos.

Mas o prêmio de todo esse esforço foi maior que todos os aplausos recebidos em trinta anos: foi o seu sorriso de satisfação! Este é que eu queria, que me faltava e que, secretamente, eu ambicionava há muitos anos. Não depois de um chorinho qualquer mas, sim, em função de algo mais sério. Um sorriso bem demorado, em silêncio, olhos brilhando, tudo significando aprovação e sensação de desafogo por não haver se enganado. Valeu! Ora se valeu!

E se até hoje existia um Jacob feito exclusivamen­te à custa de seu próprio esforço, d’agora em diante há outro, feito por você, pelo seu estímulo, pela sua confiança e pelo talento que você nos oferece e que poucos aproveitam.

Meu bom Radamés: sinto-me com quinze anos de idade, comprando um bandolim de cuia e um método simplório na loja do Marani & Lo Turco, lá no Maranguape… Vou estudar bandolim!

Que Deus, no futuro, me proteja e Radamés não me desampare!

Obrigado, Mestre.

NB – Perdoe-me. Sei que você fica inibido com elogios de corpo presente. Daí esta carta. Sua modéstia julgará que é absurda, sem motivo e, até mesmo, ridícula. Mas eu tinha que escre­vê-la para não estalar de um enfarte, tá?

Mando-lhe o dossiê para que, pelo menos, você o mostre à família. Devolva-me, se puder, segunda-feira, no Cartório, lá pelas 15 horas, para irmos à Columbia (assuntos: São Paulo e Prêmio Nacional do Disco).

CARTA[1]: Retratos é uma suíte em quatro movimentos, composta em 1956 por Radamés Gnattali, na qual são homenageadas algumas das mais expressivas personalidades da música popular brasileira: Ernesto Nazareth, Pixinguinha, Anacleto de Medeiros e Chiquinha Gonzaga.

 

 

Suite Retratos” (Radamés Gnattali) # Jacob do Bandolim/ Radamés Gnattali e Orquestra:

 

1. Retrato de Pixinguinha (choro);
2. Retrato de Ernesto Nazareth (valsa);
2. Retrato de Anacleto de Medeiros (schottiche);
4. Retrato de Chiquinha Gonzaga (corta-jaca).

 

 

 

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Fontes:

– Fotos: Acervo pessoal/Internet.

– Instituto Moreira Salles / Correio IMS (AQUI).

– Site YouTube / Canal: “luciano hortencio”.

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Laura Macedo

12 Comentários

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    1. Para o Sérgio!

      Sérgio,

      Deixo para você mais uma composição do Radamés Gnattali e do Jacob do Bandolim.

      Abraços.

      “Amargura” (Radamés Gnattali/Alberto Ribeiro) # Sylvia Telles. Álbum ‘Silvia’, 1958.

       

       

      “Vibrações” (Jacob do Bandolim) # Jacob do Bandolim e Grupo Época de Ouro. Álbum ‘Vibrações’, 1967.

       

       

       

  1. Retratos de um domingo!

    Laura:

     

    A delicadeza de cada toque seguro de Jacob em seu bandolim e a maestria de Radamés, bem como a gratidão do primeiro pelo segundo em uma pintura de carta. Da mesma maneira agradeço pelo presente nesse domingo bendito. Que alegria!.

    1. Feliz por você ter gostado!

      Ademar,

      Deixo mais duas dos “Feras” – Radamés Gnattali e Jacob do Bandolim.

      Abraços.

      “Pé de moleque” (Radamés Gnattali) # Radamés Gnattali ao piano e Conjunto Rítmico, 1963.

       

       

      “Flor do abacate” (Álvaro Sandim) # Jacob e seus Chorões. Álbum ‘Na Roda do Choro’, 1960.

       

       

       

  2. Imagens de Jacob do Bandolim

    Levou minh’alma, Laurinha. Muito obrigado. Deu uma saudade danada do Brasil.
    Segue um videozinho com imagens do Grande Jacob, depoimentos de Hermínio Bello de Carvalho e da filha de Jacob, e no final o músico apresenta Radamés Gnattali & Orquestra tocando o chorinho “Remexendo”, em 1956. 

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=3t6ipm-VL6g align:center]
    ___
     

    1. Para o amigo Botelho!

      Excelente vídeo o qual agradeço!

      Abraços.

      “Desvairada” (Garoto) # Radamés Gnattali e Raphael Rabello. Álbum ‘Tributo a Garoto’.

       

       

      “Benzinho” (Jacob do Bandolim) # Guinga e Zé Renato. CD ‘Ao Jacob, Bandolins’, 2002.

       

       

       

  3. O GGN também é cultura

    Prezados,

    Nos discos, antigamente, vinha escrito “Disco é cultura”. Assim podemos dizer: O GGN também é cultura. Foi este blog, criado por um jornalista e analista de política e economia – que também é bandolinista talentoso – que apresentou aos leitores mais jovens o talento do irmãos Abreu, sobretudo Sérgio, há tempos dedicado à lutheria, embora virtuoso violonista.

    Agora Laura Macedo nos presenteia com esta carta, cujo esmero na escrita dá pistas de quão exigente era o ranzinha e cheio de manias “Jacob Bitencourt”. Mas diante do gigante Radamés Gnattali até esse ‘bicudo’ e ‘ranzinza’ do choro demonstra humildade e reverência.

    Vale observar que Jacob do Bandolim foi acometido pelo enfarte, não naquele ano de 1964, mas 5 anos depois, quando morreu prematuramente, antes de completar 60 anos de idade.

     

    1. Para João de Paiva!

      Adorei seu comentário! Muito bem construído, didático e objetivo.

      Retribuo com mais músicas dos feras: Radamés Gnattali e Jacob do Bandolim.

      Abraços.

      “Bolacha queimada” (Radamés Gnattali) # Grupo ‘Quatro a Zero’. Álbum ‘Choro Elétrico’, 2014.

       

       

      Texto de Jacob do Bandolim sobre a descoberta de Elizeth em 1936. Gravado no álbum ‘Elizeth Ao Vivo No Teatro João Caetano (1968)’. Gravado em 19 de fevereiro de 1968, esse histórico show no Teatro João Caetano do Rio de Janeiro, teve como objetivo levantar fundos para o Museu da Imagem e do Som. Idealizado por Ricardo Cravo Albin e dirigido por Hermínio Bello de Carvalho, o show foi gravado e posteriormente lançado em disco (LP duplo). Logo depois do sucesso do espetáculo, Elizeth realizou excursão pela América Latina com o Zimbo Trio.

       

       

      Texto de Elizeth Cardoso, contando inconfidências sobre Jacob do Bandolim. Gravado no álbum ‘Elizeth Ao Vivo No Teatro João Caetano (1968)’. [Idem ao anterior].

       

       

       

    2. Que história é essa de

      Que história é essa de “bicudo” e “ranzinza” do choro? Que deselegante. Tudo bem, você usou os termos com aspas, mas demonstra muita ignorância em seu comentário. Radamés era AMIGO de Jacob. Frequentou por anos seus saraus em Jacarépagua. Jacob sempre exprimiu reverência ao trabalho e à pessoa de Radamés, do mesmo modo que o fez por todos que admirou e que puderam partilhar sua amizade: Pixinguinha, Ataulfo Alves, Horondino Silva etc. E cá entre nós, Jacob foi um gigante de proporções similares a Radamés, ainda que tenham realizado atividades musicais muito díspares. Ele é não apenas o pai do bandolim brasileiro, aquele que estipulou a gramática que orienta nosso bandolim das medidas de sua construção, ao modo de executá-lo e o espírito que deve norteá-lo (seu amadorismo), mas é também o grande responsável (graças ao seu monumental acervo de partituras) pela preservação da história do choro. Se jovens hoje tocam Analceto, Mário Álvares, Irineu de Almeida etc, Lulu cavaquinho etc., é porque Jacob nos legou isso. Obra de gigante.

       

       

    3. Que história é essa de

      Que história é essa de “bicudo” e “ranzinza” do choro? Que deselegante. Tudo bem, você usou os termos com aspas, mas demonstra muita ignorância em seu comentário. Radamés era AMIGO de Jacob. Frequentou por anos seus saraus em Jacarépagua. Jacob sempre exprimiu reverência ao trabalho e à pessoa de Radamés, do mesmo modo que o fez por todos que admirou e que puderam partilhar sua amizade: Pixinguinha, Ataulfo Alves, Horondino Silva etc. E cá entre nós, Jacob foi um gigante de proporções similares a Radamés, ainda que tenham realizado atividades musicais muito díspares. Ele é não apenas o pai do bandolim brasileiro, aquele que estipulou a gramática que orienta nosso bandolim das medidas de sua construção, ao modo de executá-lo e o espírito que deve norteá-lo (seu amadorismo), mas é também o grande responsável (graças ao seu monumental acervo de partituras) pela preservação da história do choro. Se jovens hoje tocam Analceto, Mário Álvares, Irineu de Almeida etc, Lulu cavaquinho etc., é porque Jacob nos legou isso. Obra de gigante.

       

       

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