A pensão da filha do desembargador

Por Krishna

Situação escandalosa da justiça do Rio de Janeiro (será que o mesmo ocorre por todo país?):

De iG

Justiça do Rio garante pensão de R$ 43 mil para filha de desembargador

As 32 mil “filhas solteiras” de servidores são 34% das pensionistas e custam ao Estado R$ 447 milhões por ano. Para não perder benefício, muitas se casam de fato, mas não de direito

Raphael Gomide, iG Rio de Janeiro                  

 
Foto: Reprodução do Facebook de Márcia Couto Ação popular questiona as duas pensões, de R$ 43 mil, que Márcia Couto recebe do Estado

Uma ação popular questiona o direito de uma mulher de 52 anos receber duas pensões, no total de R$ 43 mil mensais, pela morte do pai, desembargador do Rio de Janeiro, mesmo após ter sido casada, por ao menos três anos.

A dentista Marcia Maria Couto casou-se em cerimônia religiosa e festa para 200 pessoas, em 1990, e teve dois filhos com o marido, mas sempre se declarou solteira, para efeitos de pensão. O iG teve acesso ao processo público, que está no Tribunal de Justiça do Rio e será julgada em breve. Por ora, um desembargador manteve os pagamentos.

Filha do desembargador José Erasmo Brandão Couto, morto em 1982, Márcia recebe duas pensões do Estado do Rio – uma do Fundo Especial do Tribunal de Justiça (R$ 19.200) e outra do RioPrevidência (R$ 24.116) –, no total de cerca de R$ 43 mil mensais.

Em um ano, os cofres públicos lhe pagam cerca de R$ 559 mil, ou R$ 2,8 milhões, em cinco anos.

Pagamentos de pensão a “filhas solteiras” somam R$ 2,24 bilhões em cinco anos

A ação popular, movida por Thatiana Travassos de Oliveira Lindo, questiona o direito de Márcia aos pagamentos e espera sentença do Tribunal de Justiça. O Estado do Rio paga benefícios do gênero a cerca de 32 mil “filhas solteiras” de funcionários públicos mortos, no gasto total de R$ 447 milhões por ano, ou R$ 2,235 bilhões, em cinco anos.

As autoridades desconfiam que muitas dessas 32 mil mulheres, como Márcia, formam família mas evitam se casar oficialmente, com o único objetivo de não perder a pensão. Segundo a lei 285/79, o matrimônio “é causa extintiva do recebimento de pensão por filha solteira”. O expediente é visto como uma “fraude à lei” pela ação popular e pela Procuradoria do Estado.

No Estado do Rio, as 32.112 “filhas solteiras” representam mais de um terço (34%) do total de 93.395 pensionistas, ao custo de R$ 34,4 milhões mensais, ou R$ 447 milhões por ano – e R$ 2,235 bilhões em cinco anos -, segundo o Rio Previdência.

No caso de Márcia, o desembargador Pedro Saraiva Andrade Lemos garantiu o pagamento da pensão mensal de R$ 43 mil, mesmo depois de o Rio Previdência tê-lo cortado administrativamente, em 2010.

“Os atos lesivos ao patrimônio que se comprovam com esta ação popular são as situações das filhas maiores de servidores falecidos que se habilitam e passam a receber pensões pagas com recursos dos cofres públicos mesmo estando casadas ou vivendo em união estável, sem dependência econômica, contrariando a legislação regente. Não se pode ter essa prodigalidade com os cofres públicos, quando o particular, maior, capaz e apto para o trabalho, tem o dever e a obrigação legal e moral de se autossustentar. Não se pode conferir o ‘parasitismo social’. São pessoas capazes de prover o próprio sustento, mas transferem os ônus e encargos para toda a coletividade, muitas das vezes, até com fraude à lei”, afirma a autora popular, que não quis dizer ao iG por que move a ação.

Esse benefício, originário do tempo em que as mulheres não estavam no mercado de trabalho, tem o objetivo de garantir a subsistência e a proteção financeira da filha do funcionário morto até que comece a trabalhar ou se case. Márcia tem 52 anos e é dentista, o que faz a pensão perder o sentido, na opinião da autora popular e da PGE – as duas circunstâncias são impeditivas do pagamento.

Após reincluir beneficiária, RioPrevidência corta benefício e pede dinheiro de volta

 Foto: Reprodução da internet Após suspensão, o TJ do Rio mandou o RioPrevidência voltar a pagar pensão a Márcia, filha do desembargador José Erasmo Couto

Após a morte do pai, em 1982, Márcia passou a dividir com a mãe as pensões do Fundo Especial do TJ e do Iperj (atual RioPrevidência). De acordo com a lei no ano da morte do desembargador, só era previsto o pagamento de pensão previdenciária para as filhas maiores até a idade-limite de 25 anos e desde que fossem solteiras. Assim, quando Márcia fez 25 anos, em 1985, deixou de fazer jus ao benefício, que ficou apenas para a viúva do magistrado.

A dentista continuou, porém a receber 50% do montante do Fundo Especial do TJ. Casou-se no religioso, em 1990, na Paróquia Nossa Senhora do Brasil, na Urca, em união da qual nasceram dois filhos (um em 91 e outro em 93). “Para ludibriar os sistemas previdenciários do antigo Iperj e do Fundo Especial, o casamente só foi realizado no âmbito religioso, não tendo sido comunicado para as instituições previdenciárias”, afirma a ação popular. O casal ficou unido entre três e nove anos – o período varia de acordo com o interlocutor – e se separou nos anos 90.

Após a morte da viúva, em 2004, Márcia pediu administrativamente e obteve a reversão da pensão de sua mãe no Fundo Especial. “Se a ré nem sequer tinha direito a receber o benefício que vinha recebendo, não poderia jamais ter deferida a reversão da cota-parte recebida por sua genitora”, protesta a autora da ação, Thatiana Travassos.

No ano seguinte, requereu a reinclusão na pensão do RioPrevidência – após ter sido excluída 30 anos antes –, novamente alegando ser solteira. Embora tivesse mais de 25 anos e não seja possível voltar a ter o benefício quem já foi excluído do sistema, ela também voltou a receber integralmente a pensão que vinha sendo paga à mãe.

De acordo com a autora popular, Márcia não preenchia nenhum dos requisitos das concessões do benefício, segundo a lei, em 2004: era maior de 21 anos, independente economicamente, não era estudante universitária de até 24 anos, interditada ou inválida, não tinha dependência econômica – era dentista – e não era mais solteira, porque já tinha se casado.

Ao tomar ciência da ação popular, o RioPrevidência – inicialmente réu – reviu a decisão ao constatar que a concessão estava “viciada”: cortou o benefício e pede o fim dos pagamentos e a devolução do montante pago nos últimos cinco anos. Intimada, Márcia foi ao órgão apresentar defesa, mas optou por não assinar termo de ciência. “Naquela ocasião, afirmou, assumindo inteira responsabilidade pela veracidade das informações prestadas, que o seu estado civil era o de solteira. Perceba-se, desde já, o ardil empregado pela ré, que omitiu o seu casamento celebrado anos antes”, diz o RioPrevidência.

“Vida nababesca”

 Foto: AE Márcia Couto recebe pensões do RioPrevidência e do Tribunal de Justiça, do pai desembargador

No entanto decisão do desembargador Pedro Lemos obrigou o órgão a retomar o pagamento. Em recurso ao tribunal, Márcia alegou que “a subsistência e a independência financeira de sua família receberam duro golpe”. Para o órgão previdenciário, a argumentação é “para dizer o mínimo, melodramática, porque ela já recebe de pensão especial do TJ mais cerca de R$ 20 mil. A manutenção da pensão proporciona à filha do desembargador uma vida nababesca, à custa dos contribuintes do Estado do Rio de Janeiro”.

A PGE cita frase de outro desembargador, Horácio dos Santos Ribeiro Neto, segundo quem “lamentavelmente, há no país a crença de que pensão por morte é herança e deve ser deixada para alguém porque, em caso contrário, ‘fica para o governo’”.

A ação lembra que o entendimento da Constituição Federal é de igualdade de tratamento entre união estável e casamento, em relação às pensões e benefícios previdenciários, de modo que Márcia perdeu a condição de solteira em 1990 para continuar a receber os benefícios previdenciários que recebe. A autora Thatiana Travassos afirma que Márcia teve “má-fé”, ao usar “expedientes maliciosos” e “mecanismos espúrios” de só casar no religioso “com o único e específico intuito de não perder a condição de beneficiária como filha solteira” e de “ludibriar para impedir a aplicação de preceito imperativo da lei” – o que se caracterizaria como “fraude à lei”.

A ação popular afirma que levantamento de casos como o de Márcia, no Distrito Federal, identificou pagamento indevido de pensão a 2.879 filhas de servidores públicos mortos do Executivo maiores de 21 anos que só teriam direito ao benefício se continuassem solteiras. A fraude, aponta, custou aos cofres públicos cerca de R$ 30 milhões por ano – R$ 150 milhões, em cinco anos, e R$ 300 milhões, em dez anos.

No Rio, não há previsão de o RioPrevidência fazer uma investigação semelhante em sua base de dados.

Autora da ação não quer falar; TJ e advogado de Márcia não respondem

iG falou por telefone com Thatiana Travassos, autora da ação popular que pede o cancelamento das pensões de Márcia Couto. Ela não quis informar o motivo por que moveu a ação nem quis dar entrevista sobre o assunto.

A reportagem ligou e enviou e-mail à assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, para ouvi-la a respeito do pagamento da pensão a Márcia pelo Fundo Especial do TJ. Também questionou o tribunal se a decisão de um desembargador em favor da filha de um outro desembargador não poderia parecer corporativista tendo em vista os fatos. O TJ não respondeu.

iG deixou mensagem às 13h de sexta-feira (18) no celular do advogado José Roberto de Castro Neves, que representa Márcia. Às 13h10, o repórter deixou recado com a secretária Maíra, no escritório de que é sócio no Rio, mas não teve resposta até esta segunda (21).

Luis Nassif

10 Comentários

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  1. Vamos trabalhar gente, igual qualquer brasileiro faz!!!!!!!

    Quem paga essas pensões são pessoas que trabalham duro todos os dias, acho um absurdo que essas mulheres ganhem dinheiro só pra viajar e curti. Que vergonha é um parasitismo social mesmo…..

     

    1. Falar do que não sabe: preconceito ignorante

      Quem paga não é o Estado, mas os contribuintes. Poderia ser um Fundo Privado, mas há interesse do Governo na arrecadação para investimentos. Para o contribuinte, tanto faz quem gerencia a contribuição, na verdade preferível que fosse privado, pois não se corre o risco do Governo desviar, assim como os fundos da CEF, do BB, dos Correios. Agora, se há quem quer e quem pague, o problema é dele, de maneira que cada um cuide de sua vida!

  2. filha de desembargador recebe pensão milionária

     Isso é do tempo em que a mulher não tinha como se manter. Ninguém quer perder privilégios. Se fosse uma lei contra, já se tinha revogado…Sugestão ao Governo:

    Que essas pensões tradicionalmente vitalícias fossem dadas até a maioridade. Depois disso: vão trabalhar, vagabundas…

    1. Pensão para filhas de Funcionários Públicos

      Margarida: Hoje a lei não permite mais o pagamento deste tipo de pensão. As que são pagas são aquelas de mulheres que recebiam e você não pode tirar este direito. O que o texto tenta questionar é que estas mulheres não casam para não perder a pensão. Na minha opinião é um opção que e a lei não pode ser interpretada de maneira que tire este direito.

  3. Tinha que nascer RICA com pais FAMOSOS

    Eu, c9om 57 anos, solteira, nunca casei e nem morei com ninguém, larguei trablaho para cuidadar de minha mãe desde 2008 pelo fato dela ser totalmente dependente devido a dois AVC. E, tendo em vista sobreviver com o seu “alto” salário de  TRÊS MIL REAIS, cóm dívidas para pagar com gastos com seu tratamento. E, tendo apenas essa fonte de rendimento, já me afirmaramj que: NÃO TEREI DIREITO A NADA, ou seja, perderei o único patrimônio deixado por minha mãe que trabalhou anos de sua vida  para me acolher (que é a nossa casa) , hoje está  em estado grave em um CTI. Por que os direitos não são iguais? Como fico? Tenho vegonha de ser brasileira, de morar num país imundo de sujeiras de políticos e juízes injustos. Não tenho mais palavras.

    1. o grande problema é

      o grande problema é esse…

      Fonte de rendimento não é patrimõnio, ela não tem nada para ser deixado, ela recebe o benefício é dela, não se justifica um erro com outro erro

  4. a vagabundagem de mulheres que querem viver de pensões.

    Essa concessão de pensões para filhas de militares, de desembargadores e ministros é uma aberração como tantas outras: verba de palitó, ajuda moradia e outras benesses de que gozam membros do Judiciário e Legislativo. E o Brasil cada vez pior. Essas mulheres deveriam emvergonhar-se. Vamos fazer ações populares contra tais abusos.

    1. Falar do que não sabe: preconceito ignorante

      Pensão é paga, não é direito obtido gratuitamente. pago Quase 1500,00 reais e, mesmo assim, isso é visto como expectativa de direito, pois se mudarem a legislação, o Governo não vai devolver 36 ansode contribuição e vai se enquadrar em enriquecimento ilícito. Injusto é ter direito gratuito, o que não é o caso. 

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