A projeção do mito Lula na política

Por Rudá Ricci

Postei as duas notas abaixo, neste blog, para dar uma pequena dimensão do mito Lula que se forma. Algo perseguido desde os tempos das grandes greves do ABC. Já foi citado em muitos lugares a enorme faixa que se abriu numa das assembléias que ocorreu em Vila Euclides em que numa ponta estava desenhado o rosto de Lula e na outra…. de Jesus Cristo! Um mito não se forma pelo que seu personagem faz, mas pela simbologia que sintetiza um discurso. O mito sintetiza e traduz uma situação inatingível para um simples mortal. Torna-se uma referência, uma baliza social. E quanto mais distante da história concreta, visível, maior é o mito. Porque o mito é sentido, não racionalizado.

Estamos vivendo o período de montagem do mito Lula como pai de uma nação. A oposição chegou a tentar cunhar a comparação com Perón. Não há muito o que comparar entre os dois. Comentarei em um artigo os erros grosseiros desta comparação. Aqui, me interessa destacar este fenômeno da construção do mito. A figura de Lula transitou pela imagem de herói (durante as greves de São Bernardo) e de Messias.

Agora, com barbas e cabelos brancos e sorriso de avô estampado no rosto, soma a imagem de Pai. É uma construção das mais poderosas.

Por este motivo, o que pode ser esperado a partir de 2011 é a entrada em cena de um Lula que arbitrará, sempre dizendo que não é esta sua intenção, sobre momentos mais tensos. E teremos vários.

Lula deixou no colo do STF a decisão final sobre o asilo de Cesare Battisti. Um tema que pouco envolverá a grande massa de brasileiros. Mas que unirá os italianos. Dizem que somente o ódio une italianos. É um exagero, mas não muito longe da realidade. A comida também une. Mas é possível que esta união inicial se volte para a discussão da sina da própria Itália.

Já publiquei neste blog um artigo em que a própria comunidade italiana acredita que esta decisão de Lula revela o quanto a comunidade italiana não é respeitada pelo seu próprio governo. Daí não ser respeitada pelos governos dos países para onde migrou. Um raciocínio típico de italiano, tão ferino e crítico que não raro volta-se contra si.

Lula deixou várias outras bombas-relógio armadas. O desequilíbrio fiscal, a inflação osciliante, a dificuldade de manutenção do financiamento das políticas de transferência de renda, o equilíbrio entre forças políticas governistas. Dilma terá que administrar o freio na política, a seleção de investimentos e manutenção da lógica das políticas sociais, além das pressões políticas de aliados. E olhar para as eleições municipais de 2012. Não será fácil. Lula entrará na cena sorrateiramente. Se realmente se tornar um andarilho e liderar a campanha pela reforma política, duas promessas da “campanha de final de mandato”, será mais que uma sombra sobre todo sistema partidário brasileiro. Estará forjando o queremismo do século XXI.

Na oposição, a situação parece mais difícil.

Como já escrevi neste espaço, a única liderança possível parece ser Aécio Neves. Mas os paulistas resistem. Não sei por quanto tempo. É verdade que em 1932 chegaram ao absurdo de pegar em armas. Paulista é assim: mesmo na evidência de derrota, não recuam. E ainda transformam a derrota evidente em vitória simbólica. Algo como a “vitória moral” que as torcidas de futebol inventaram. Aécio tem dois problemas.

O primeiro, e mais urgente, é entrar no nordeste. Entrar com força. Porque se for apenas para colar cacos, uma viagem de avião basta. Mas ele necessita ser forte no nordeste. Compõe o perfil que está construindo, de alguém que não representa o centro-sul, mas o une co o centro-norte. Um conciliador.

Como conciliar se um dos pólos não o acolhe? E é por aí que Lula se obrigará a aparecer de tempos em tempos no nordeste. Como convidado e não como oferecido. Tentará marcar na memória que o Pai é ele.

Temo que o alimento da oposição ao lulismo será o ressentimento. Um ressentimento forjado por uma classe média temerosa de perder status e ser obrigada a se acotovelar nos shoppings e aeroportos. Um Tea Party tupiniquim, meio avacalhado, com “notas” de “Cansei” e irritação de editor de jornal da grande imprensa.

Ás forças populares do campo mais à esquerda restará segurar um lento declínio. Não percebo nenhum espaço concreto para que existam movimentos sociais que lutem por demandas materiais num país com inserção social e crescimento de consumo. Como o MST não viver do passado se a pobreza rural é a que mais diminui em nosso país? Como ongs e pastorais sobreviverem sem o financiamento do Estado?

A força da sociedade civil parece mais nítida no campo da moral política. Um Ficha Limpa mais amplo, focando no controle social, mas surfando na raiva e ressentimento contra os políticos profissionais. Algo que tente impor uma nova cultura política, mais independente, mas que esbarrará no mito Lula.

Enfim, 2011 será mais um ano de Lula. Não tão presente fisicamente. Mas pairando nossas cabeças. “Um nada que é tudo”. Como convêm aos mitos. 

Luis Nassif

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