Por Marco Antonio L.
Do Asia Times Online
Radiografia-desmonte do Nobel de Mo Yan
MK Bhadrakumar*
Traduzido pelo Vila Vudu, no redecastorphoto
O Prêmio Nobel de Literatura ter sido dado ao romancista chinês Mo Yan provocará mais de um olhar de incômodo ou de arrogância [1]. Não porque Mo não mereça a honraria, mas porque o prêmio tem história sempre muito controvertida.
Em 2012, as controvérsias distribuem-se em três categorias – se o premiado realmente merece tão excepcional honra; por que alguns outros autores foram mais uma vez deixados de lado; e, terceira categoria, claro, a nacionalidade do premiado.
A primeira categoria induz a crer que nada se sabe nem se pode saber (por algum tempo) – até que a comissão do Nobel desencave outro nome excitante.
A segunda categoria de controvérsias é causa de incômodo – Anna Akhmatova, Yevgeny Yevtushenkov e Andrey Voznesensky foram deixados de lado, e Joseph Brodsky “ganhou”. (Vladimir Mayakovsky suicidou-se aos 37 anos, [2] antes de que o Nobel sequer soubesse de sua existência).
A terceira categoria de controvérsias obriga a considerar uma verdadeira pequena galeria de souvenirs excêntricos do tempo da Guerra Fria.
E onde entra Mo?
Sinceramente, só li sobre ele e não o conheço diretamente; parece ser romancista de vanguarda como Gao Xingjian (2000) cujo A Montanha da Alma [São Paulo: Alfaguara/Objetiva] li duas vezes (e talvez volte a ler), embora esteja longe do romancista emigrado que foi Gao (rejeitado pelo establishment chinês, optou pelo exílio). Todos os comentários concordam [3] em que Mo é autor valiosíssimo. Gao é autor de experimentos com a escritura de diferentes modalidades narrativas, e Mo, ao que parece, buscou reconectar-se à cultura e as tradições chinesas.
Fã apaixonado do realismo mágico na ficção, mal posso esperar para ler Mo.
Mas… É a nacionalidade, estúpido!
O que mais se discute, no caso de Mo, é ele ser CHINÊS e, ainda mais inacreditável e surpreendente, que Mo integra “a sociedade chinesa mainstream” [4], como escreve ardilosamente o Global Times chinês. O que nos leva à questão seguinte: haverá aí alguma mensagem política?
Ah, sim! A política jamais se afasta do Prêmio Nobel – como quando premiaram Pasternak (ainda em vida de [Anna] Akhmatova [5]).
Em tom de incontrolável euforia, o Global Times chinês compara 2012 e 1930, quando Sinclair Lewis recebeu o Nobel — como se o Nobel estivesse reconhecendo o aparecimento da China no cenário global hoje; assim como teria reconhecido o aparecimento dos EUA no cenário global, como grande potência, há 82 anos.
Em minha opinião, a coisa aí está mais para Mikhail Sholokov [6] (1965), tudo outra vez. Aqueles tempos foram tão tumultuosos quanto os tempos chineses, hoje.
O “Degelo de Khruchev” [7] arquitetou e promoveu transformação irreversível na economia, na política e na sociedade soviéticas. Autores libertos, desmesurados, nas artes, literatura, música; atletas soviéticos conquistando medalhas olímpicas às pencas; a muito simbólica retirada da múmia de Josef Stalin de onde estivera até então, no Mausoléu de Lênin; a URSS abrindo-se para a “comunidade internacional”; teorias da coexistência pacífica; consumismo; novas cozinhas familiares privadas, não mais coletivas. (Evidentemente, todos esses eventos enfraqueceram muito, dali em diante, o Partido Comunista Soviético).
E então sobreveio a demissão de Khruchev, em 1964. Um ano depois, havia ainda grandes perguntas no ar, sem respostas, sobre para que lado sopraria o vento, que estrada a União Soviética tomaria. O julgamento Sinyavsky-Daniel [8] com seus traços de ideologia autoritária que lutava para se reimplantar, aconteceu em 1965. Nesse momento, precisamente, Sholokov foi escolhido para receber o Nobel.
Seu romance mais conhecido (Tikhy Don [O Don Corre Tranquilo]) é retrato pungente da luta heroica e trágica dos cossacos, pela independência da região do Don, contra os bolcheviques.
Sholokov era melhor personagem que Mo. Era membro do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética; membro do Soviete Supremo; membro da Academia Soviética; Herói do Trabalhismo Socialista – e laureado com o Prêmio Stálin. Mas, examinado mais de perto, também era figura enigmática – arquetípico e rebelde.
Sholokov escreveu cartas a Stálin reclamando das terríveis consequências do programa de coletivização no final dos anos 1920s e início dos 1930s. E acompanhou Khruchev em sua histórica visita aos EUA em 1959. Foi símbolo do “Degelo de Khruchev”. E denunciou Alexander Solzhenitsyn.
Notas de rodapé
[1] 12/10/2012, New York Times, em: “After Fury Over 2010 Peace Prize, China Embraces Nobel Selection”
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