Esforço conjunto e medidas para a redução das taxas de juros

A atual crise mundial propicia um momento histórico para a equiparação das taxas de juros nacionais às taxas mundiais. Essa equiparação somente será conseguida mediante um esforço conjunto dos Poderes Executivo e Legislativo.

Questionamos, via Twitter, 51 senadores e a maioria dos deputados federais sobre o combate aos abusivos juros bancários. As respostas recebidas apontaram medidas variadas, que embora ineficientes de modo isolado, podem ser efetivas se adotadas simultaneamente.

O que se observa é que apenas a gestão macroeconômica não será suficiente para a redução das taxas, pois estas, aparentemente, não são definidas a partir de variáveis econômicas. Dados indicam que nos últimos anos a determinação das taxas de juros cobradas do trabalhador têm se desvinculado do índice de inflação, do custo do dinheiro captado e da inadimplência dos tomadores de empréstimos.

A concentração bancária inviabiliza a existência de uma efetiva concorrência de mercado. Dentre as medidas que estimulariam a concorrência entre os bancos temos a criação de uma “portabilidade bancária” – parecida com a dos celulares, e a obrigatoriedade de se assegurar a todos o acesso a serviços bancários.

Instituições financeiras têm promovido um processo de concentração de renda que vem subtraindo do trabalhador os ganhos salarias alcançados nos últimos anos.

Torna-se necessária a atualização da legislação de defesa do consumidor para proteger os interesses econômicos dos cidadãos diante das taxas de juros que garantem vantagem manifestamente excessiva para os bancos.

 

Eufemismo bancário

Imagine o seguinte cenário: você precisa urgentemente fazer um empréstimo e poderá liquidá-lo somente daqui a um ano. Ciente de que a inflação anual se aproxima de 7% – que deverá ser ponto de partida da taxa de juro sobre seu empréstimo – você procura um estabelecimento financeiro.

A pessoa que o atende informa que o empréstimo poderá ser liberado, mas que o cliente terá que pagar o dobro do que foi emprestado, ou seja, 100% de juros.

Para uma inflação de 7% ao ano o estabelecimento cobra uma taxa de 100% ao ano. Que nome você daria a isso? Uns radicais diriam que se trata de usura, outros de agiotagem, alguns de custo Brasil, outros justificariam como sendo o risco inerente à operação, uns tantos diriam que é culpa dos inadimplentes etc.

Insatisfeito com a taxa cobrada, você procura outras fontes de financiamento. Descobre que em uma o estabelecimento cobra 187,54% ao ano e noutra certa empresa a taxa de juro é de 454,98% ao ano. E agora, que nomes você daria a isso?

Calma lá, muita cautela nesse instante… Vamos dar nomes aos dois, o primeiro você pode chamar de cheque especial, o segundo de cartão de crédito.

Segundo dados do Banco Central do Brasil (http://www.bcb.gov.br/?txcredmes), a média das taxas de juros de cheque especial pessoa física cobradas por instituições financeiras foi de 9,20 ao mês, ou de 187,54% ao ano, em agosto de 2011.

Já os 454,98% ao ano foram a taxa de juro de financiamento cobrada no nosso cartão de crédito na fatura de setembro de 2011. Na de agosto cobravam 483,80% a.a.

 

Questionando senadores e deputados

Indignado com a gritante, histérica e escandalosa diferença entre a taxa Selic (12% a.a., que reflete o custo do dinheiro para empréstimo interbancário) e a taxa de financiamento do nosso cartão de crédito (454,98% a.a., que reflete o custo para o cliente de cada real financiado), questionamos senadores e deputados via Twitter.

No dia 28/9/2011, através do Twitter, perguntamos para 56 senadores o seguinte: “A Selic está em 12% aa. Meu cartão cobra 15,13% am e 454,98% aa. Pq se permite isso?”.

Entre os dias 28 e 29/9/2011, também através do Twitter, perguntamos para a maioria dos deputados federais o seguinte: “Como é possível com a Selic em 12% aa cobrarem 454,98% aa no meu cartão? Pq não combatem o abuso?”.

Dois senadores e 13 deputados federais responderam. Alguns apenas expressaram indignação com a taxa do cartão de crédito, outros esclareceram que já haviam feito pronunciamentos no Congresso Nacional pela redução da taxa de juro.

O deputado federal Sandro Alex indicou matéria (que pode ser acessada em http://shar.es/bmGhL) na qual denuncia a cobrança de juros de 750,96% ao ano para saque realizado em cartão de crédito. Segundo a matéria, o deputo lembrou que “quando o país viveu um pico de juros, cujas taxas eram muito maiores que as atuais, os juros do cartão chegaram a 200% ao ano”.

O restante das respostas falava sobre a utilização da via jurídica para questionar a administradora do cartão, sobre reforma tributária, pacto federativo, reformas que não saem do papel, as exorbitantes taxas cobradas pelos bancos ainda não conseguir chegar à ordem do dia e sobre competência na gestão macroeconômica.

 

Adoção de várias medidas

Senadores e deputados deram respostas variadas, que implicam abordagens diferentes com o intuito de promover a redução da taxa de juro cobrada atualmente por instituições financeiras nas operações de crédito.

Acontece que todos estão certos, porém nenhuma das abordagens é eficiente se adotada isoladamente. Devido às peculiaridades do nosso país, da nossa realidade e do modo como funciona nosso sistema financeiro, a redução e nivelamento da taxa Selic aos níveis internacionais não ocasionará uma redução significativa da taxa de juro cobrada dos brasileiros.

A taxa para o cidadão, cliente pessoa física, será reduzida apenas se forem adotadas simultaneamente os pontos citados pelos parlamentares em uma ação conjunta dos poderes Executivo e Legislativo.

O grande problema que reduz a eficácia da gestão macroeconômica no Brasil é que durante décadas foi incutida a ideia e naturalizada a prática da política de taxa de juro elevada.

 

Além da gestão macroeconômica

Ao incorporar o discurso e aceitar as justificativas do mercado financeiro para a elevação e manutenção da taxa de juro em níveis estratosféricos, passamos a aceitar resignadamente taxas cada vez maiores como se elas fossem uma fatalidade da economia brasileira e inerentes ao funcionamento do sistema financeiro local.

Durante décadas, ainda que a população não possuísse poder de compra, tivemos inflação elevada e altas taxas de juros que se explicavam devido à desvalorização da moeda. Quando a inflação caiu e a economia se estabilizou, diziam que as taxas de juros precisavam continuar elevadas para não afugentar capital e investimentos estrangeiros. Quando os investimentos mundiais começaram a confluir para o Brasil, alegavam que os juros deviam continuar altos para os ingressos estrangeiros continuarem e para formarmos reservas cambiais. Consolidados os investimentos e formadas as reservas, a manutenção das taxas elevadas passou a ser justificada para se evitar a inflação causada pelo aumento do poder aquisitivo e consumo das famílias.

Ou seja, segundos os especialistas que trabalham para o mercado financeiro, no Brasil, qualquer que seja o cenário, sempre haverá motivos e explicações para a manutenção de elevadas taxas de juros nas operações de crédito.

 

Taxa de juro e o custo do dinheiro

O que se observa é que nos últimos anos tem ocorrido uma desvinculação da taxa de juro do índice de inflação e da taxa básica de juro (Selic).

Isso é evidenciado ao se realizar uma breve comparação entre os índices de inflação no Brasil (http://www.bcb.gov.br/?HISTMET), da evolução da taxa Selic (http://www.bcb.gov.br/?COPOMJUROS) e da média das taxas de juros de cheque especial pessoa física (http://www.bcb.gov.br/?txcredmes) nos últimos anos, conforme disposto na  tabela 1.

Ao calcularmos a relação Inflação/Cheque Especial, verificamos que tem ocorrido uma diminuição da participação do índice de inflação na taxa do cheque especial. Quanto menor o número obtido, menor é a vinculação entre os dois. Assim, em 2002, quando a inflação estava em 12,53% a.a. e o Cheque Especial em 163,93% a.a., a relação entre ambos era 0,08. Isso significa que, grosso modo, a inflação tinha esse índice de participação na composição da taxa cobrada no cheque especial.

Em 2006, quando tivemos uma inflação de apenas 3,14% e a taxa do cheque especial estava em 142,04%, a relação entre eles era de 0,02, ou seja, havia diminuído a participação da inflação na composição da taxa do cheque.

Nos últimos cinco anos a inflação tem apresentado índice 0,03 de participação na taxa cobrada no cheque especial.

Contudo, a inflação, que sinalizará a atualização monetária, por si só não serve para a definição da taxa do cheque. É preciso que se leve em consideração o custo do dinheiro para os bancos.

Um instrumento útil para isso é taxa Selic, que já considera a inflação projetada. Ao calcularmos a relação existente entre a taxa Selic e a taxa do cheque especial, percebemos que tem havido uma contínua desvinculação entre o custo do dinheiro e a taxa cobrada no cheque especial (tabela 1).

Em 2002, quando a taxa Selic fechava o ano em 25% a.a. e a taxa cobrada no cheque especial fechava o ano em 163,93% a.a., a relação entre ambos era 0,15. A taxa Selic correspondia a 15% do total cobrado no cheque especial. A partir de 2004 tem havido uma constante redução na participação da taxa Selic na composição da taxa de juro do cheque especial pessoa física, estando atualmente o índice em 0,06 (ou 6%).

Uma vez que os dados indicam que nem inflação nem Selic serem as responsáveis pelas elevadas taxas de juros, a culpa recai nos tomadores de empréstimo que se tornam inadimplentes. Diz a lenda que todos pagam em seus empréstimos uma taxa de juro maior porque os bancos precisam cobrir os prejuízos gerados pelos clientes que não pagam as dívidas contraídas.

 

A baixa inadimplência

Por essa explicação fazer sentido, a tomamos por verdadeira sem, contudo, investigarmos se corresponde à realidade dos fatos.

Consultando os dados do Banco Central do Brasil sobre cheque especial (XV – Operações com juros prefixados – Cheque especial, Concessões, volumes e taxas de juros), verifica-se que no mês de agosto de 2011, do saldo total de operações com cheque especial, 86% estavam sem atraso; 1% apresentava atraso entre 15 e 30 dias; 3% atraso de 31 a 90 dias e 10% atraso acima de 90 dias.

Podemos considerar preocupantes os clientes da faixa de atraso superior a 90 dias: 10% do volume total. Ocorre que esses 10% não correspondem, de fato, aos clientes dos quais os bancos não receberão nenhum pagamento.

A maioria destes entrará em acordo com os bancos para que seja viabilizado o pagamento do empréstimo – via alteração da taxa de juro, parcelamento da dívida etc. Outra parte pagará algumas parcelas – sem quitar toda a dívida, e uma menor parte não quitará qualquer parcela do empréstimo.

O brasileiro preza ter crédito e “ficha limpa” no mercado, por isso será pequena a porcentagem de clientes que se submeterá às consequências de ficar com o nome “sujo” na praça durante cinco longos anos até que ocorra a prescrição da dívida.

 

Cálculo do peso dos inadimplentes na taxa de juro

Se, para todos os efeitos, considerarmos ser de 10% o volume de empréstimos no cheque especial que de fato os bancos nunca verão “a cor do dinheiro”, podemos então calcular qual deveria ser a taxa de juro que cobriria o prejuízo causado por esses inadimplentes.

A conta é simples, ela parte dos seguintes dados:

• 100% (volume emprestado)

• 10% (inadimplentes)

• 100 – 10 = 90% (adimplentes)

• 10% (inadimplentes) / 90% (adimplentes) = 0,1111

O número 0,1111 corresponde ao que deverá ser adicionado a cada 1% do volume emprestado para cobrir o prejuízo com os inadimplentes. Como o total emprestado equivale a 100%, multiplica-se então 0,1111 por 100 para se obter a taxa que cobre os inadimplentes. Depois, basta somar o número obtido pela taxa de juro do custo do dinheiro para se obter a taxa mínima que deverá ser cobrada do cliente:

• 100 x 0,1111 = 11,11% (taxa que cobre inadimplentes)

• 11,11% + (taxa do custo do dinheiro) = (taxa mínima a ser cobrada do cliente)

Exemplo:

• 11,11% + 12% (taxa Selic a.a.) = 23,11% a.a. (com esta taxa o banco não tem prejuízo)

Assim, se a inadimplência for de 10% do volume emprestado e a Selic estiver em 12% a.a., basta o banco praticar uma taxa de juro de 23,11% a.a. para cobrir prejuízos com inadimplentes e com o custo do dinheiro emprestado.

Olhando para a média das taxas praticadas pelos bancos no cheque especial, vemos que em agosto de 2011 ela era de 187,54% a.a. Logo, podemos fazer, dentre várias, a seguinte ilação:

187,54% = 164,43% (receita bancos) + 12% (custo Selic) + 11,11% (custo c/inadimplentes)

É claro que esses números estão inchados, pois as aplicações financeiras são remuneradas a taxas menores que a Selic e a inadimplência efetiva é bem menor que 10%. E tem mais, quando os bancos utilizam recursos próprios na realização do empréstimo não há custo de captação. Além disso, os bancos utilizam parte dos recursos que ficam parados nas contas-correntes dos clientes (recursos dos quais os proprietários não recebem remuneração).

 

Cálculo de um lucro “justo”

Na determinação da taxa de juro, qual seria uma margem de lucro “justa”?

É bom lembrar que os bancos são “apenas” intermediários entre os proprietários dos dinheiros e os tomadores dos empréstimos. Não plantam um pé de alface ou fabricam um prego. Fazem tão somente a intermediação.

Funcionam de modo semelhante a uma imobiliária: o proprietário do bem o deixa aos cuidados de um estabelecimento que se encarrega de alugá-lo para um terceiro e cobrar pelo uso do bem. Banco e imobiliária são o elo da relação, com a principal diferença de que se a imobiliária “quebrar” financeiramente o bem do proprietário (imóvel) continua em pé, já se o banco “quebrar”, o bem do proprietário muito provavelmente virará pó e talvez ele nunca mais veja a “cor do seu dinheiro”.

E tem mais, os bancos pagam os custos administrativos com as tarifas cobradas: tarifa de operação de crédito, de manutenção de conta corrente, de saque, extrato, de cartão magnético, tarifa de cadastro, tarifa de renovação de cheque especial etc. A sua parte da receita proveniente dos juros é praticamente igual ao lucro auferido na operação.

Por conta disso, um banco cobrar para si uma remuneração de 20% a.a. sobre o valor emprestado lhe propiciará uma considerável margem de lucro para a tão somente intermediação financeira.

Além do mais, uma taxa de juro menor diminui consideravelmente o percentual de inadimplentes. Se o custo do dinheiro for similar ao do rendimento da poupança e a inadimplência for de 3%, teremos:

20% (lucro bancos) + 3,09% (cobrir inadimplentes) + 10% (custo dinheiro) = 33,09% a.a. (taxa de juro de cheque especial)

Uma taxa de juro de 33,09% a.a. no cheque especial cobrirá o prejuízo com inadimplentes, remunerará o proprietário do dinheiro a uma taxa de 10% a.a. e ainda gerará ao banco um lucro duas vezes maior que aquele pago ao proprietário dos recursos.

 

Vários Bolsas Famílias

Mas esse percentual está muito distante daqueles que os bancos praticam.

Basta vermos a média das taxas cobradas em operações (pessoa física) de crédito pessoal, cheque especial e aquisição de bens (disponível em: http://www.bcb.gov.br/?txcredmes), conforme se observa na tabela 2.

Se desdobrarmos as taxas de juros praticadas, podemos fazer uma hipótese do custo total do dinheiro incluindo a taxa adicional que cobrirá o prejuízo com inadimplentes a mais de 90 dias. A partir daí é possível estimar, ainda dentro de hipóteses, a receita gerada para os bancos e a sua relação com o custo do dinheiro (tabela 3).

A partir da tabela 3 seria possível supor que a receita apropriada pelos bancos é 2,71 vezes superior à taxa Selic nas operações de crédito pessoal; 13,74 vezes superior no cheque especial e 2,28 vezes superior à Selic na aquisição de bens.

Segundo esses cálculos, em um ano eles lucrariam (falamos de lucros, não de receitas) sobre os valores emprestados juros de 32,55% no crédito pessoal, 164,9% no cheque especial e 27,34% na aquisição de bens – lembrando que isso considerando um alto custo (Selic) do dinheiro emprestado e uma inadimplência muito superior à real.

Se os bancos remunerassem a si mesmos com a mesma taxa do custo do dinheiro, os trabalhadores que tomaram os empréstimos poupariam em um ano algo em torno de 81 bilhões de reais (47,8 bilhões no crédito pessoal, 31,8 bilhões no cheque especial e 1,4 bilhão na aquisição de bens).

E olhem que tirar para si uma remuneração igual a que se paga ao dono do dinheiro não é lucrar pouco, não. Seria algo semelhante a uma imobiliária que cobrasse pelos seus serviços um valor equivalente ao do aluguel pago pelo inquilino. O inquilino/tomador do empréstimo estaria pagando, na verdade, dois aluguéis: um para o proprietário do bem e outro para o intermediador.

Se assim fizessem, seriam 81 bilhões de reais que ficariam no bolso do trabalhador, que virariam poupança ou irrigariam o comércio. Isso sem se reduzir um ponto percentual sequer da taxa Selic, apenas cobrando responsabilidade dos bancos nas suas margens de lucros.

Detalhe: o Bolsa Família, com seus R$ 13,4 bilhões orçados para 2011, tem feito uma revolução nesse país. Imaginem o que não faria a injeção de R$ 81 bilhões na economia.

Agora, e se considerássemos outras modalidade de crédito, como cartão de crédito, financiamento imobiliário e financiamento de veículos? Isso na pessoa física, temos ainda várias operações na pessoa jurídica: capital de giro, conta garantida, aquisição de bens, vendor, hot money, desconto de duplicatas, desconto de promissórias, financiamento imobiliário etc. etc.

Rios de dinheiro ficariam no bolso do trabalhador e mudariam a história desse país.

 

O seu salário é o teto

Contudo, isso dificilmente irá acontecer. Por mais que se tente adotar medidas macroeconômicas.

Ao compararmos a evolução do número de contas correntes no Brasil (disponível em: http://www.febraban.org.br/Noticias1.asp?id_texto=1243), do valor em dólares do salário mínimo (disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Salário_mínimo), com a média das taxas de juros de cheque especial (disponível em: http://www.bcb.gov.br/?txcredmes) e calcularmos também o percentual do volume de cheque especial com atraso superior a 90 dias, obteremos o que segue na tabela 4.

Nela se observa um aumento constante do valor do salário mínimo na moeda norte-americana. Um aumento ininterrupto da abertura de contas correntes e uma estabilização do percentual do volume de cheque especial com atraso superior a 90 dias em torno de 10%.

Porém, ainda que o percentual de inadimplência tenha ficado estável, que cresça incessantemente a base de clientes e que o poder de compra do brasileiro tenha sido ampliado nos últimos anos, a taxa de cheque especial não apresentou retração. Pelo contrário, ela aumentou consideravelmente nesse período.

Com o aumento das taxas de juros os ganhos salariais acabam sendo transferidos para as instituições financeiras.

Ao que parece, provavelmente testes estão em andamento para se ver qual é a taxa máxima que o “sistema” comporta.

 

Lucros e concentração de renda

Esse conjunto de dados permite supor que a bilionária e crescente lucratividade registrada nos balanços dos bancos se deve muito mais ao peso das taxas de juros cobradas, do que por eficiência e ganhos de escala.

Caso fosse grande a inadimplência, os lucros não seriam tão vultosos. Detalhe: a própria inadimplência ocorre menos por má fé ou descontrole orçamentário do tomador do empréstimo, e mais por conta das abusivas taxas de juros que acabam por inviabilizar o pagamento da dívida.

Acabam ocorrendo duas coisas, de um lado se esfola o pobre do tomador do empréstimo – que faz a dívida justamente por não dispor desse dinheiro, de outro não se remunera adequadamente o dono do dinheiro, que é quem de fato assume o risco ao confiar o bem à instituição financeira.

O aumento da renda conquistado nos últimos anos tem sido absorvido pelas instituições financeiras através das elevadas taxas que castigam toda a sociedade. 

A elevação das taxas não reduziu o consumo porque essa elevação passou a ser diluída na multiplicação do número de parcelas dos financiamentos.

Um instrumento que auxiliará na redução da taxa de juro é por limites para a quantidade de parcelas de financiamentos.

Além disso, é preciso promover mecanismos que estimulem a concorrência entre os bancos.

 

Ausência de concorrência

O funcionamento do sistema bancário, por si só, dificulta a auto regulação do mercado e torna, nos dia de hoje, pouco aplicável a lei da oferta e procura.

Primeiro, porque os produtos bancários não são “produtos” em si. Quando se vai a um supermercado adquirir um produto basta levar o dinheiro e pagar a conta. Não é necessário preencher uma ficha-proposta, apresentar cópia do RG, CPF, comprovante de residência, comprovante de renda e estar sujeito à instituição aceitar ou não “vender-nos” o produto.

Os serviços bancários, com poucas exceções, geralmente estão condicionados a que o cliente possua vínculo com a instituição. Vínculo que é estabelecido a partir de um contrato, um acordo entre as partes. Se o banco não quiser celebrar o acordo, adeus.

Além disso, nosso sistema é muito concentrado, poucos bancos são responsáveis pela maioria dos clientes e das transações financeiras. Adicione as peculiaridades e complexidade de nossa sociedade, a existência de munícipios que possuem apenas uma agência bancária e  lá se vai para o espaço a ideia de concorrência no sistema bancário brasileiro.

A consequência da ausência de concorrência é que não se gera motivo para que os bancos reduzam as taxas de juros cobradas do cidadão comum, daquele brasileiro que compra um eletrodoméstico em 10 vezes no crediário. Reduzir a taxa de juro não atrai clientes, como aumentá-la não os afugenta. A redução da taxa somente reduz a margem de lucro. Que banco quer reduzir essa margem?

A redução da taxa de juro – não falamos da Selic, mas sim daquela que de fato é cobrada do trabalhador – será conseguida a partir da adoção de várias medidas.

Uma delas deverá propiciar o ambiente em que a concorrência entre os bancos seja estimulada.

 

Portabilidade bancária

Talvez uma dessas medidas seja instituir a “portabilidade bancária”, tipo a dos celulares:

1)      Tal qual ocorre com as operadoras de telefonia celular, o número da conta bancária passaria a ser do cliente, não do banco. Se um banco concorrente oferecer tarifas e taxas menores, o cliente pode solicitar a transferência de sua conta para o outro banco, sem que tenha que pagar taxas por essa operação. Para que isso seja possível basta que padronizem os números das contas bancárias – como ocorre com o número dos telefones celulares – algo que para os bancos é algo tranquilo, pois com décadas de aquisições de concorrentes, fusões, migrações e transformações de bases de dados e contas de clientes, hoje eles fazem essas mudanças sem maiores dificuldades.

2)      Todos os bancos oferecem produtos e serviços similares: conta corrente, poupança, cartão magnético, cartão de crédito, débito automático etc. Para que a portabilidade ocorra tranquilamente, ela deve abranger um pacote básico de produtos e serviços que poderão ser transferidos de um banco para outro. O tipo, nome e composição desses produtos e serviços devem ser padronizados.

3)      Com a portabilidade bancária os clientes devem ter o direito de reativar sua conta no banco que deixou quando foi para outro que oferecia mais vantagens. Deve poder ainda manter contas simultâneas em mais de um banco.

4)      Tal como as operadoras de celular que utilizam, de forma remunerada, as antenas da concorrente para ampliar sua cobertura, e como as democráticas maquininhas de cartão de crédito que aceitam todas as bandeiras, o cliente de uma banco “A” deve poder utilizar o caixa eletrônico de um banco “B”. Isso já ocorre com várias instituições que usam redes compartilhadas e com empresas de caixa eletrônico que trabalham com a quase totalidade dos bancos.

5)      Da mesma forma que nenhum supermercado pode se recusar a vender um produto que um freguês deseja comprar com a moeda oficial, e nenhum hospital pode negar atendimento a quem precise de socorro, os bancos devem ser obrigados a “vender” um pacote básico de produtos e serviços, não discriminando qualquer que seja aquele cidadão que pagará pela “aquisição”.

6)      Os bancos possuem uma importante função social, por isso, da mesma forma que água e luz são direitos de todos, o acesso a serviços bancários deve ser prerrogativa de cada cidadão.

Com a “portabilidade bancária” os bancos não poderão recusar a “venda” de um pacote básico de produtos e serviços bancários. O número da conta passará a ser do cliente, que poderá transferi-la para qualquer outro banco, levando consigo automaticamente o leque básico de produtos e serviços que utilizar no banco anterior. Seu cartão magnético deverá ser aceito em qualquer caixa eletrônico bancário para realização de saques e consultas.

Para que a “portabilidade bancária” seja instituída são necessárias apenas algumas padronizações e ajustes. Ela estimulará a concorrência entre os bancos e trará benefícios aos cidadãos tal como ocorreu no caso dos celulares.

 

Função social dos bancos

Em nosso país os bancos assumiram várias funções. Isso só fez aumentar o poder que adquiriram dentro da sociedade. Agentes sociais que realizam o comércio do dinheiro, são polos de captação de recursos. Suas políticas de concessão de crédito podem determinar em que setores da sociedade serão alocados os recursos.

A concentração do setor, a ausência de concorrência na atividade, décadas de prática de juros altíssimos, a desvinculação da taxa de juro do custo do dinheiro e falta de normativos legais que combatam abusos permitem que os bancos cobrem as taxas exorbitantes.

Permitem que eles tenham completa e irrestrita liberdade de determinar, por meio das taxas de juros, de forma absolutamente legal e de modo indireto, quanto pretendem absorver da renda dos tomadores de dinheiro.

A taxa de juro concentra ou distribui renda. Diminui ou aumenta o poder aquisitivo do cidadão. Tira o pão ou permite que se compre o leite. Uma carga tributária de 40% machuca, já uma taxa de juro de 180, 450 ou 750%  mata.

 

Adequação da legislação em defesa do consumidor

Sem a ação do Poder Legislativo, dificilmente o Executivo vencerá a batalha contra os altos juros.

É imprescindível que a legislação seja atualizada e que possa ser utilizada em defesa do cidadão enquanto consumidor de produtos e serviços de natureza bancária.

O art. 3° do Código de defesa do consumidor especifica em seu parágrafo 2° que “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária”.

No art. 4° o código trata da Política Nacional de Relações de Consumo, que tem por objetivo, dentre outros, o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, a proteção de seus interesses econômicos, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. Ele reconhece nos incisos:

• I, a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

• II, a ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor por iniciativa direta;

• III, harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo, sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

• VI, coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo.

O art. 39 veda ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. Ainda, segundo o art. 51, são nulas as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

Por fim, o art. 41 do código estabelece que “no caso de fornecimento de produtos ou de serviços sujeitos ao regime de controle ou de tabelamento de preços, os fornecedores deverão respeitar os limites oficiais”. O art. 52 que nas multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação.

 

Quem irá nos defender?

Tudo isso que diz o código, nada faz para proteger os interesses econômicos dos cidadãos diante das taxas de juros que garantem vantagem manifestamente excessiva para os bancos.

Na relação cidadão-banco, o código não é capaz de coibir e reprimir os abusos praticados por instituições financeiras no mercado de consumo.

Não harmoniza os interesses dos participantes, permite o desequilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores e mantém a situação de vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo de produtos e serviços de natureza bancária.

A incompletude da lei perpetua cláusulas contratuais com taxas de empréstimo que estabelecem juros abusivos, que colocam o consumidor em desvantagem exagerada, incompatíveis com a boa-fé e a equidade.

É imprescindível a complementação do código para que ele possa ser efetivamente aplicado na proteção dos interesses do trabalhador. Os abusos que hoje ocorrem nas taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras são a prova cabal da ineficiência da legislação.

 

Ressuscitando a lei da usura

Algo que talvez suscite reflexões a respeito é o Decreto n° 22.626, de 7/4/1933, de Getúlio Vargas (disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D22626.htm), que dispõe sobre os juros nos contratos.

Ele estabelece em seu art. 1º que “é vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal”, e que (art. 2º) “é vedado, a pretexto de comissão; receber taxas maiores do que as permitidas por esta lei”.

Diz ainda que (art. 4º) é proibido contar juros dos juros, e que (art. 13) “é considerado delito de usura […] fraudar os dispositivos desta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos, além dos estabelecidos no respectivo título ou instrumento”. Penas: prisão por (6) seis meses a (1) um ano e multas.

Não é da nossa época, mas antigamente isso funcionava mesmo?

Esse Getúlio….

Luis Nassif

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