Mansões de luxo em APPs

Por Vera Passos

Do UOL

Condenadas, mansões nos Lençóis Maranhenses resistem na Justiça contra demolição

Janaina Garcia
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Nove sentenças expedidas pela Justiça Federal no Maranhão, que determinam a demolição de mansões e pousadas de alto luxo construídas em área de proteção permanente (APP), bem como a recuperação das áreas degradadas, estão sendo contestadas há pelo menos um ano. As construções estão localizadas dentro do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, um dos principais cartões-postais do país, e pertencem a profissionais liberais, empresários e agentes públicos. 

Foto 1 de 7 – Mansão do empresário Arione Diniz, dono da rede de óticas Diniz. A defesa alega que apresentou a documentação necessária para a edificação, mas o MPF o acusa de ter desviado o curso do rio Preguiças e degradado o ambiente no local. A estimativa é que a casa valha R$ 4 milhões Divulgação/MPF

Segundo a Procuradoria da República no Estado, os imóveis estão na chamada zona de amortecimento do parque. O local, não bastasse ser refúgio ecológico e turísticos de maranhenses e turistas, demanda autorização do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para ser ocupado. Ao todo, 18 ações civis públicas que denunciam a ilegalidade dessas construções e o dano ambiental provocado por elas foram geradas desde o ano de 2006. 

Empresários bem sucedidos, suplente de senador, juiz estadual afastado (em função da ação), desembargadora do Tribunal de Justiça maranhense e profissionais liberais, como contador, estão entre os proprietários que foram denunciados em 2005 e 2006. 

De acordo com o procurador da República Alexandre Silva Soares, o não cumprimento de nenhuma das nove sentenças já emitidas se deve, principalmente, à fase de recursos em que esses processos se encontram –vários deles, à espera de resposta no TRF (Tribunal Regional Federal), em Brasília, desde ano passado; outros, ainda na fase de instrução processual.

“Falta pessoal para fiscalizar isso tudo, é fato –são apenas seis fiscais para uma área de 150 mil hectares. Seis pessoas para uma área do tamanho da cidade de São Paulo”, criticou o procurador.

Ousadia nas irregularidades

Alguns construções consideradas irregulares se sobressaíram nas investigações por serem consideradas ousadas na agressão ao meio ambiente. Em uma delas, destaca o procurador, o curso do rio Preguiças chegou a ser recuado, com grandes modificações em suas margens, apenas para servir às mansões ou pousadas por ali edificadas.

“A situação de maior vulto, a nosso ver, é a da mansão do empresário Arione Diniz [dono da rede de óticas Diniz]. O impacto que essa construção causa só pelo desvio no curso do rio Preguiças é algo que infelizmente impressiona”, comenta Soares, que cita a supressão da vegetação que existe ao longo rio, e, em consequência  disso, o assoreamento dele e o posterior prejuízo à fauna como algum dos problemas decorrentes da obra.

Sobre a fiscalização escassa, o procurador lamentou: “Isso não é privilégio do Parque Nacional dos Lençóis, mas um problema extremamente grave em todas as unidades de conservação federais”. Até 2008, a responsabilidade pela tarefa no parque era do Ibama. Depois, quem assumiu foi o Instituto Chico Mendes. “Ainda há uma deficiência de pessoal e de equipamentos. Há unidades inteiras no Maranhão com apenas dois fiscais nelas. Isso pode desinibir a atuação criminosa.”

Histórico

O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, criado pelo decreto n° 86.060, de junho de 1981, é considerado o “deserto brasileiro” no litoral oriental do Maranhão, a leste de São Luís, entre as cidades de Primeira Cruz e Barreirinhas. 

Em 2004, a pedido do MPF, uma operação deflagrada pelo Ibama e pela GRPU (Gerência Regional de Patrimônio da União) apontou ao menos 82 empreendimentos construídos à margem direita do rio Preguiças até a praia do Caburé –todos, em situação de afronta à legislação ambiental brasileira. Na sequência, o MPF-MA propôs ações civis públicas contra os proprietários dos imóveis pedindo à Justiça Federal a demolição das construções e a recuperação das áreas degradadas.

Na decisão da 5ª Vara da Justiça Federal que determinou as demolições, o juiz José Carlos Madeira ainda ordenou que, após essa medida, os réus deveriam apresentar projeto de recuperação da área degradada ao Ibama, com cronograma de recuperação a ser definido pelo órgão ambiental, a fim de revitalizar o ecossistema ao seu estado natural.

Outro lado

Advogados ou réus no processo falaram ao UOL Notícias e negaram irregularidades –ou, ao menos, a autoria delas.

O suplente de senador Clóvis Fecury (DEM-MA), por exemplo, disse ter comprado a propriedade e a reformado. “Eu construí a casa depois de ter comprado de um morador local, não lembro quando, mas tem bastante tempo, já. Tive alvará para a obra e Habite-se, toda a documentação, e confesso que fui surpreendido com essa questão judicial”, afirmou.

Indagado se não a reforma ou construção de um imóvel vultoso em uma APP não lhe teria chamado a atenção sobre eventual ilegalidade, o parlamentar resumiu: “Se teve devastação, foi bem antes da minha reforma, e tem quase uma centena de outras casas ali. Mas o Ibama tinha um escritório a 200 metros da minha casa, eu apresentei ao órgão tudo o que foi pedido”, disse.

O advogado de Arione Diniz, Bruno Soares, informou em nota que a documentação da mansão do empresário, estimada em cerca de R$ 4 milhões pelo MPF, está regular. De acordo com ele, o início da construção da casa ocorreu “logo após a expedição de alvará” para a obra, fornecido pela Prefeitura de Barreirinhas em 23 de janeiro de 2003.

“O terreno havia sido comprado no ano anterior de uma família que habitava o local há décadas, e que ali já havia suprimido a vegetação e construído suas residências. Portanto, em momento algum se pode afirmar que o atual proprietário da casa praticou qualquer crime ambiental”, defende o advogado, segundo o qual a obra foi acompanhada por “um engenheiro responsável, o qual procedeu com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Maranhão”.

No caso do empresário, informa a nota, o escritório do Ibama ficava “quase em frente à casa em questão (cerca de 100 metros)”, mas, salientou, o órgão “ nunca se manifestou a respeito, tampouco apresentou qualquer tipo de embargo à obra”.

Outros réus com os respectivos advogados listados nos processos não foram localizados pela reportagem.

A reportagem entrou em contato com o Ibama sobre o assunto, mas, até a publicação desta matéria, ainda não havia se pronunciado a respeito.

Luis Nassif

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