O Caldeirão do Oriente Médio

(Atualizado em 31 de janeiro, às 12h19)

Do Blog de Gunter Zibell no Brasilianas

Alguns elementos sobre o Oriente Médio.

Trata-se de uma história muito complicada, pelas inúmeras divisões, reviravoltas e contradições. Tem se escrito sobre o Egito, mas longe de exceção este país está no caso geral : problemas econômicos, tensões religiosas, poucas liberdades democráticas.

Em várias nações grandes da região partidos fundamentalistas ou de cunho religioso tem buscado atuação política. Desde o Irã, 1978, em que não apenas a ditadura do Xá era criticada pela população, mas também o excessivo alinhamento ao ocidente; a Turquia, onde nos anos 90 o partido islâmico foi proscrito mas depois liberado e atualmente forma o governo (respeitando a constituição secular); a Argélia, onde no final dos 80 quase houve uma revolução, a frente islâmica chegou a maioria no congresso, depois foi proscrita e seguem as tensões.

O Egito ficará em um desses casos, mas certamente a irmandade islâmica obterá a legalização, além da tolerância atual que recebe. Uma confusão não deve ser feita: o alinhamento aos Estados Unidos (ou Ocidente) em política independe daquele em economia conduzido pela globalização. Afinal, em todo o mundo houve uma adesão maior ou menor às políticas de mais livre comércio e produção nos anos 1990/2000. Se o Egito é alinhado em ambos os casos, vemos a Líbia flexibilizar a economia sem alterar seu apoio às causas árabes e a Turquia ser quase um BRIC mas buscando atuação política independente, abandonando seu alinhamento automático a EEUU/OTAN.

Abrindo mão do perfeccionismo na avaliação e do registro, e com simplificações, talvez possamos traçar alguns elementos gerais para a compreensão de como se caminhou até o momento atual:

HISTÓRICO BREVE

– até a 1ª. metade do século XX a maior parte da região de população árabe (o que exclui Irã e Turquia) era dependente politicamente de França e Reino Unido, sob a forma de colônia, protetorado ou acordos de política/defesa externa. Alguns países sofreram influência da Turquia (Império Otomano) até a derrota desta em 1918.

– na primeira fase após o declínio do poder exercido pelas metrópoles européias, descolonização quando aplicável, os que se mantiveram como monarquias via-de-regra foram alinhados ao campo ocidental, por óbvio. Apenas em algumas ocasiões (como Egito 1948) o sentimento arabista antagônico a Israel levou a posições contrárias, mas não rupturas.

– alguns países, no afã de acelerar suas economias ou mesmo serem menos dependentes, chegaram a flertar com o apoio da URSS, que buscava aumentar sua influência. Nenhum chegou a implantar o socialismo estrito senso (o mais próximo foi a Argélia), mas sistemas econômicos com forte participação estatal foram visíveis (o que não surpreende em comparação com países subdesenvolvidos dos demais continentes contemporâneos.) Muitos se intitulavam “não-alinhados”, o que era comum para países em desenvolvimento na época da Guerra Fria.

– a capacidade de influenciar na região ficou sempre determinada por alianças regionais (como Egito-Síria-Líbia em alguns anos), alinhamento a potências estrangeiras divergentes ou oscilações do mercado de petróleo. Uma história diferente da América Latina, portanto. Mas algumas mudanças na política econômica não : uma continuidade política no poder pôde envolver caminhar para algo mais liberal do mesmo modo que na América Latina, porém sem a maior democratização que houve em nosso continente. E isso é diferente de envolver um alinhamento aos EEUU no momento em que a URSS esteve em transição para sua dissolução.

MOMENTO ATUAL

– em geral o poder repousa nas mãos de monarquias absolutistas, ditaduras militares ou sistemas com partido único e/ou dominante. Oposição tolerada e democracia pluripartidária convencional não são elementos freqüentes. Há conflitos entre a modernização laica e o poder temporal mais agudos que na maior parte do mundo, que se mesclam aos recortes de classe.

– a doutrina islâmica vêm ampliando sua atuação política, pregando o retorno parcial de legislação de cunho religioso, aproveitando-se de conflitos sociais e econômicos. Tais correntes tendem a ser pouco pró-ocidentais e nacionalistas, mas não socialistas. O Irã é anti-estadunidense, e com forte presença estatal (bancos, p.ex.) mas pára nisso e sua classe média concentradora de renda é consumista como qualquer outra.

– as grandes clivagens acabam não sendo pelo lado econômico, dos mais pró-estadunidenses indo ao oposto : regimes monarquistas teocráticos ou laicos; repúblicas pró-ocidentais; repúblicas não-alinhadas; repúblicas teocráticas.

– com exceção dos exportadores de petróleo, a maioria das nações da região oscila entre renda média baixa (mas bem superior à renda da África subsahariana) e renda média (como os maiores países da América Latina); grandes diferenças sociais, industrialização precária e rápido crescimento da população são a norma (com algumas exceções como o Irã, cuja fertilidade foi a que mais caiu no mundo nos últimos 20 anos.)

CENÁRIO POSSÍVEL

Independente de convicções ou desejos pessoais, o que podemos prospectar?

– como a maioria dos regimes não foi eficaz no desenvolvimento social, surge potencial para oposição pelo lado fundamentalista;

– a simpatia aos EEUU (e OTAN em geral) pode vir a ser decrescente. Note-se que raramente convulsões levam a sentimento pró-americano;

– monarquias podem enfrentar problemas inéditos;

– a inserção de Israel fica mais complexa (com menor simpatia da Turquia e Egito), apesar de possíveis maiores liberdades democráticas nos vizinhos. Em geral isso se agrava com o Likud no poder;

– as repúblicas de maioria islâmica da ex-URSS (Cazaquistão, etc.) podem finalmente vir a se posicionar na região, pois também não são exemplos de prosperidade democrática;

– Rússia pode encontrar caminhos para recuperar alguma influência;

– A observação gráfica indica um caminho mais ou menos comum : monarquia > república nacionalista de partido único > liberalização da economia, democratização e/ou maior influência do islamismo na legislação.

INFOGRÁFICO

Legenda:

A altura das linhas dos países com PIB superior a US$ 200 bi é maior (em geopolítica isso pode, eventualmente, passar uma noção melhor da influência que a população ou área.) Os países são apresentados pelos seus nomes atuais.

+ = golpes de estado, assassinatos de líderes, guerras, conflitos expressivos

Azul claro = influência britânica / Rosa = influência francesa / Amarelo = influência de Turquia ou Itália / Vermelho = monarquia pró-ocidental / verde claro = liberalização da economia / verde escuro = economia com viés estatista / cinza = influência de partidos islâmicos / grafite = república teocrática 

Por Andre Araujo

O Gunter fez muito bem em colocar a Historia como base para a analise da atual crise. O Egito é um caso muito interessante, uma provincia turca até 1918, mas já desde 1870 controlada de fato pelos ingleses, a terra de plantio  pertencia a nobreza turca que vivia em 300 palacios no Cairo, a lingua social era o francês, a imprensa era inteiramente controlada por sirio-libaneses, os banqueiros e financiastas eram judeus, o comercio judeu e grego, a Casa Real era albanesa, o Egito foi um dos teatros secundarios da Segunda Guerra mas era oficialmente neutro, tanto que a Hungria e a Romenia, controlada pelos alemães, tinham embaixadas no Cairo durante a Guerra, assim como a França de Vichy, a criadagem do Rei no Palacio Abdine era italiana mesmo com a Italia em guerra contra os ingleses na Africa do Norte.

Na excelente biografia do Rei Farouk TOO RICH-The High Life and Tragic Death of King Farouk, de William Stadiem,,  editora Carrol, New York, 400 paginas ve se o painel desse Egito que era o paraiso de ferias de inverno da alta sociedade britanica entre 1920 e 1940.

Mas o maior painel do Egito moderno é o papel central da Inglaterra na formação do Egito moderno, tenho um livro de 1928, GREAT BRITAIN IN EGYPT, do Major Polson Newman, editora Cassell, 290 paginas, aonde se vê a situação de colonia, mais que a India, em que se colocava o Egito nas primeiras decadas do Seculo XX.

A formação do Estado arabe moderno tem muito a ver com um grande amigo dos arabes, o Coronel Thomas Lawrence, um homem leal a uma causa, uma lenda de seu tempo.  na excelente biografia francesa de Benoist-Méchin, edição portuguesa de Lello & Irmãos, de 1983 , LAWRENCE DA ARABIA, um retrato desse homem excpcional, estranho como só os ingleses podem ser,.

Sobre o nacionalismo arabe moderno dois livros, NASSER E A REVOLUÇÃO EGIPCIA, de Peter Mansfield, Editora Civilização Brasileira, 1967 e ARAB NATIONALISM-Between Islam and the Modern State, de Bassam Tibi  , editora Macmillam, 1997

A influencia britanica no Egito e na região continua importante, Londres é a base no exterior dos negocios egipcios e arabes, a sogra de Mubarak era inglesa, portanto seu filho Gamal, que ele queria fazer sucessor, é neto de inglês, assim como a mãe do Rei Abdullah da Jordania é inglesa, ele fala arabe como um inglês, o Rei Farouk estudou na Inglaterra e tambem era anglicizado, essa influencia perdura até hoje nas cupulas arabes.

Luis Nassif

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