O Editorial da Folha de São Paulo e a Homofobia

O Brasil é um país homofóbico. Em todas as classes sociais, em todas as regiões do país e em todas as instituições da sociedade, o homossexual sofre preconceito. Estima-se que, no Brasil, um homossexual é morto a cada 36 horas por sua orientação. Isso sem contar os espancamentos, as ameaças, a perseguição. Mesmo quando o preconceito não se mostra através da violência física, ele aparece com nuances mais envergonhadas, subliminares. Existe um tipo de preconceito contra o homossexual que a sociedade brasileira não somente aceita, mas concorda.

Tome-se, por exemplo, o caso do Michael, jogador do Vôlei Futuro. Até aquele momento, não existia nada mais natural no esporte do que xingar o adversário de “viado”. Natural e legítimo, diga-se de passagem. Você xinga de “viado” para “desestabilizar o adversário”, não tem nada contra os homossexuais. Ora bolas, isso acontece desde que eu me entendo por gente! Se o cara não for “viado”, não vai se ofender. Se for, ora, ninguém está dizendo uma inverdade. E por aí vai. E caso alguém argumente que se você xingar um negro de “macaco” está sendo obviamente preconceituoso, o Brasil rebaterá, num uníssono: Não faz sentido essa comparação, porque ninguém escolhe ser negro!

O exemplo esportivo ilustra bem o quão arraigada está a homofobia na nossa sociedade. Seja por pura ignorância ou através de falácias absurdas, o brasileiro busca encontrar um sentido moral para o seu preconceito contra homossexuais. E nada mais conveniente do que a Igreja aparecer com uma excelente desculpa para que a homofobia continue intacta em nosso país: Deus é contra!

E não é a Religião a maior culpada pela homofobia no Brasil e, quiçá, no mundo? Basta verificar o mapa anual produzido pela ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros) sobre proteção ou punição a homossexuais no mundo. Como era de esperar, os países mais profundamente religiosos são também aqueles que mais perseguem os homossexuais. Felizmente e apesar da Igreja, o Brasil conseguiu recentemente adquirir o status de “proteção” a homossexuais com a decisão do STF de reconhecer a união estável entre pessoas de mesmo sexo. Vale lembrar que segmentos da Igreja foram os mais fervorosamente contrários à decisão, e continuam sendo os únicos grupos que a sociedade civil ainda dá ouvidos a defender que os homossexuais não podem se unir civilmente (juntamente com partidos e grupos conservadores que se baseiam na religião para dizer o mesmo). Está absolutamente clara que a maior luta dos homossexuais, para o fim da homofobia no Brasil, é contra a Igreja.

Nesse contexto, é de se perguntar de que lado Marta Suplicy está, já que a mesma”propôs como única modificação ao texto da Câmara que seja aberta exceção para ‘a manifestação pacífica de pensamento decorrente de atos de fé'”. Impressiona sua atuação legislativa, esvaziando completamente o próprio sentido da PL. Os maiores inimigos dos direitos dos homossexuais continuarão, legitimamente, com o direito de propagar a homofobia pelo país. Num Brasil que mata homossexuais, defende-se o direito da Igreja de promover o preconceito. Só tenho a lamentar a péssima atitude da Relatora, que parece ter sucumbido ao poderoso lobby do sacrossanto.

E enfim chegamos ao editorial da Folha de S. Paulo, que afirma ser um absurdo o projeto de lei que criminaliza a homofobia nos mesmos termos do racismo, no Brasil. Diz o editorial que, dessa forma, se “ergueria uma espada sobre qualquer discurso ou escrito que condene a homossexualidade”. Qualquer um “poderia ser acusado de ‘induzir’ a discriminação e, em tese, levar à pena de reclusão por um a três anos, mais multa”. Isso porque a legislação foi bastante ampla no que pode ser definido como racismo, de modo a não deixar que o discurso preconceituoso passe impune por falta de lei. O editorial fala da Constituição, que a censura é proibida, que essa alteração legislativa está em “flagrante contradição com garantias fundamentais”. Ora, mas essa proteção existe há muito tempo, com os negros, por exemplo. O que quer dizer o editorial da Folha quando afirma que a PL está em contradição com garantias fundamentais? Será que o editorial quer dizer que o combate ao racismo é censura? Que o combate ao racismo é ilegal, inconstitucional? Ou será que o editorial usa um peso e duas medidas quando compara os direitos dos negros e dos homossexuais? Incrivelmente, o mesmo argumento utilizado por torcedores em um estádio de futebol foi implicitamente tomado emprestado pelo editorial ao dizer que o combate à homofobia não pode cercear a liberdade de expressão. Em nenhuma hipótese, em nossa sociedade, um jornal se permitiria dizer que o racismo pode ser amplamente divulgado, e que o combate ao mesmo não pode ser feito por se tratar de “censura”. Não dar o mesmo tratamento aos homossexuais é dizer que algo os diferencia no que tange aos seus direitos. Gostaria de saber da Folha de São Paulo o que torna os homossexuais menos dignos de proteção em relação a qualquer outra minoria vítima de preconceito no país.

O editorial da FSP é, sem sombra de dúvidas, homofóbico. Tão homofóbico quanto seus leitores. Tão homofóbico quanto o Brasil.

Luis Nassif

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