O fundamentalismo remanescente e a homofobia. Questão prática no Brasil.

Do Blog de Gunter Zibell no Brasilianas

“A homossexualidade é uma aberração condenada por Deus em todas as crenças, pois é contra a natureza humana.” (escrito ou transcrito por Prince, em http://bit.ly/e7Jq0F )

Fazer uma defesa do islamismo, trazendo uma visão mais realista é possível e necessário, pois existe islamofobia, sim, e esta deve ser combatida. Diversos interesses mal intencionados provocam as interpretações viesadas que se costuma ver.

Contudo, é tão comum quem sofre preconceitos ser preconceituoso…

Não existe “natureza” humana no estrito senso, quase tudo é construído socialmente. Matrimônio, amor romântico, instinto maternal, infância, justiça e separação de gêneros, por exemplo, são construções sociais. E, se aceitarmos comportamentos intuitivos ou comuns a todas as sociedades como exemplos de um algo natural que sobreviveu à nossa aculturação, bom, comportamento homossexual seria um deles, assim como o canhotismo (que também não era bem visto no islã, em seu princípio por razões sanitárias compreensíveis.)

Por outro lado, o que se opta mesmo é pela religiosidade. Eu optei pela minha, que prevê que conhecimento científico novo substitui preceitos ultrapassados, mesmo que bem intencionados em sua origem. Há quem opte por espiritualidade nenhuma. Não adianta, portanto, discutir se uma orientação é natural ou escolhida, se sabemos que a única origem de críticas às sexualidades é o pensamento religioso, este sim, sabidamente, “optado”, mesmo que por indução familiar ou social.

Aliás, é uma flagrante inverdade imaginar a homossexualidade como combatida por todas as crenças. Há aquelas em que travestis são alçados à condição de xamã. No discurso várias se dizem contra, mas a maioria das religiões (entendidas como seus líderes e seguidores, não como algo abstrato) já percebeu a “antinaturalidade” dessa posição. Não dá para remar contra a corrente, diz o ditado.

Espiritualidade talvez seja algo natural, mesmo assim com controvérsias (há registros de sociedades sem conceito para Deus.) Sexualidade provavelmente é natural (e, se falamos de direitos, a pesquisa científica é apenas por curiosidade.) Mas religião com certeza é construção social, e esta é uma diferença fundamental.

Não adianta, para defender uma religiosidade ou espiritualidade, insistir em interpretações ao pé da letra de preceitos para os quais a origem se perdeu no tempo. Algumas crenças proscrevem/veram a masturbação, outras o consumo de álcool, muitas a igualdade social de gênero. Há quem proíba o consumo de bacalhau ou uso de preservativos, certo?

Como tudo que é social, interpretações religiosas (e/ou suas manipulações) também evoluem. E é por isso, por exemplo, que não há mais inquisição na Península Ibérica (e a Espanha tem a legislação mais moderna em igualdade de direitos para homossexuais, Portugal lhe segue com poucas restrições.) As interpretações fundamentalistas sobre orientação sexual também vão evoluir, e observe-se que é muito raro uma sociedade retroceder – e quando o faz é temporariamente – nesse aspecto.

Mas não é o caso de se discutir religião, moral ou ciência, vamos aos fatos práticos que envolvem a sociedade civil e suas leis, que regem o relacionamento entre as pessoas de várias crenças:

– a maioria das sociedades optou por estados laicos, e sabemos que a maioria das exceções está no mundo islâmico. Mas Turquia, por exemplo, país laico desde a década de 1920, aboliu a pena de morte e permite paradas gays (ainda que com restrições inusuais para cristãos não-fundamentalistas.) Podemos esperar para o futuro desenvolvimento similar nos países islâmicos (quer os muçulmanos atuais acreditem ou não nisso.) Muçulmanos gays encontram parceiros no www.manjam.com , e aparecem no cinema também ( http://bit.ly/i9Dsws )

– o Brasil é laico desde a década de 1890 e argumentos religiosos não podem ser usados como base para leis (mesmo que parte da bancada pense que sim.) Influências religiosas remanescentes (como o conceito de crime de honra) vêm sendo removidas com o tempo. Atualmente até há uma controvérsia sobre o uso de símbolos religiosos em repartições públicas (e eu, mesmo acreditando em Deus, acho um erro mencioná-lo em cédulas.)

– pela Constituição de 1988 se proíbe discriminações e isso é legislado pela lei 7716/89, que inclusive explicita a defesa de minorias religiosas. Há interpretações de que isso já é suficiente para considerar a homofobia como ilegal.

– em breve talvez seja aprovada a PL 122/06 ( http://bit.ly/h79czj ), que relaciona orientação sexual ao lado de minorias religiosas, grupos étnicos, origem, etc. como categorias a serem protegidas de discriminação. Não sabemos se a PL 122/06 será aprovada ou não, mas esse combate não cessará, por sua evidente necessidade ( http://bit.ly/FuiD ). Então é questão de tempo. Até porque a criminalização da homofobia protege inclusive aos futuros eventuais descendentes daqueles que hoje são homofóbicos.

– há quem diga que o PL 122/06 tolherá a liberdade de alguns líderes religiosos. Depende, trata-se de um pequeno ponto de conflito, afinal há duas minorias para terem direitos preservados : homossexuais de não serem achincalhados e fundamentalistas de falarem mal de homossexuais. O direito brasileiro deverá optar e seguirá a orientação maior, da Constituição, que proscreve discriminações. Qual a posição mais preconceituosa?

Assim, torna-se irrelevante discutir o que uma corrente religiosa pensa ou não sobre homossexualidade (e sobre contracepção, adultério, etc.) O que conta são as leis (em geral sábias no Brasil.)

E, desse modo, comentários disfarçados de opinião, religiosa ou não, mesmo que elegantemente redigidos, mas que contenham conteúdo subliminar de ódio ou intolerância, quer seja de homofobia, racismo, machismo, preconceito religioso ou xenofobia, podem corretamente ser considerados como ilegais.

Luis Nassif

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